Paulo J. S. Barata - Ciberdúvidas da Língua Portuguesa
Paulo J. S. Barata
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Paulo J. S. Barata é consultor do Ciberdúvidas. Licenciado em História, mestre em Estudos Portugueses Interdisciplinares. Tem os cursos de especialização em Ciências Documentais (opção Biblioteca e Documentação) e de especialização em Ciências Documentais (opção Arquivo). É autor de trabalhos nas áreas da Biblioteconomia, da Arquivística e da História do Livro e das Bibliotecas. Foi bibliotecário, arquivista e editor. É atualmente técnico superior na Biblioteca Nacional de Portugal.

 
Textos publicados pelo autor

Pergunta:

Estou a traduzir um texto do inglês que usa a expressão scare quotes, referindo-se, claro, à função que o uso das aspas cumpre no texto em questão: expressar dúvida quanto à legitimidade do uso do termo ao qual as aspas se aplicam.

Gostaria, portanto, de saber se existe alguma referência bibliográfica que contenha uma lista das várias funções das aspas, incluindo uma designação 'oficial', caso esta exista, dessas várias funções. Em suma, procuro uma tradução (que não seja uma paráfrase) para scare quotes. O objectivo é evitar uma nota do tradutor ou/e tornar a tradução deselegante.

Obrigado.

Resposta:

A expressão scare quotes pode ser traduzida por «aspas irónicas», ou seja, as aspas que se utilizam para expressar dúvida, ironia ou escárnio em relação ao uso de uma palavra ou expressão. «Aspas irónicas» é uma expressão com algum curso no Brasil, mas sem curso em Portugal.

Em Portugal, e em particular na gíria tipográfica, apenas se usam as designações de aspas, plicas, ou, mais raramente, comas. Não creio ainda que exista uma «designação oficial» para as aspas ou plicas, ou uma regra que regulamente o seu uso.

Assim, quer para a designação, quer para o uso, o critério oscila e há várias práticas. Eu costumo chamar aspas às aspas angulares (« ») e plicas às aspas elevadas (“ ’). As aspas angulares são também chamadas aspas em linha, aspas latinas, aspas francesas, aspas espanholas ou aspas portuguesas. Também já ouvi, no socioleto universitário, chamar às aspas angulares sargentos, ao que creio pela similitude entre a sua forma e a configuração das divisas militares, no caso, do posto de sargento do exército. Quanto às plicas, há as plicas duplas (“) e as plicas simples (‘).

As aspas angulares e as plicas usam-se para distinguir graficamente as transcrições, os estrangeirismos, as expressões metafóricas, os títulos de livros e filmes, os cognomes, as designações de marcas, as designações de navios, ou os nomes de animais, por exemplo.
As aspas angulares são mais comuns na tradição portuguesa, francesa e espanhola, por exemplo, as plicas são mais comuns na tradição anglo-saxónica.

Entre nós, em tipografia, em «obra de livro», usam-se comummente as aspas angulares, mas em jornais e revistas são mais comuns as plicas, como é visível, por exemplo, no Expresso

Pergunta:

Aquando da revisão de um livro consoante o novo acordo ortográfico, os títulos de publicações antigas citados (ex: «Uma perspectiva positiva») devem manter-se no original ou ser corrigidos? Mantendo-se no original, é necessário colocar a expressão indicativa [sic]?

Resposta:

Os títulos de publicações – monografias, artigos de publicações periódicas, etc. – citados no texto, em nota ou na bibliografia devem ser mantidos de acordo com as respetivas páginas de rosto, páginas de título ou páginas de títulos substitutas, o mesmo é dizer na ortografia da época em que foram produzidos. Também não é necessário, nesses casos, a indicação [sic] que só se aplica em caso de gralha ou erro manifesto. Esta situação é análoga ao que se passa com as publicações em língua estrangeira em que também não se traduzem os títulos, mas se reproduzem tal e qual constam no original.

A este respeito, a NP-405-1 (Norma portuguesa. Referências bibliográficas: documentos impressos) refere: «a informação dada na referência bibliográfica é transcrita como se apresenta na publicação» (1994, p. 31), podendo haver alterações no que se refere ao emprego de maiúsculas, minúsculas, pontuação e abreviaturas. E mais adiante: «O título deve ser reproduzido como aparece na fonte, aplicando-se, se necessário, as normas de transliteração, de abreviaturas, de utilização de maiúsculas, etc.» (p. 36).

No mesmo sentido, as Regras portuguesas de catalogação (RPC) referem: «Os elementos das zonas 1, 2, 4 e 6 [sendo a 1 a zona de Título e menção de responsabilidade] são normalmente transcritos da própria publicação e, por consequência, apresentados na língua e na escrita em que ali aparecem» (4.ª reimp. Lisboa: Biblioteca Nacional de Portugal, 2010, p. 115). Ainda nas RPC, refere-se: «Os erros de impressão são reproduzidos e podem ser seguidos de [sic<...

Pergunta:

A confusão acerca do uso das expressões latinas idem e ibidem é grande... Gostaria de saber qual a forma correta de usar estas expressões em citações bibliográficas, pois já aqui li que ibidem deve usar-se sempre precedida de idem, mas também já li que se deve usar isolada, caso o nome do autor, a obra e a página sejam os mesmos.

Pode usar-se ibidem sem ser precedida de idem? Se sim, em que circunstâncias? E idem pode usar-se sem mais informação? Qual a forma correta se quiser citar o mesmo autor e obra diferente? E o mesmo autor, mesma obra e página diferente? E se for tudo igual (autor, obra e página)?

Muito obrigada!

Resposta:

Do ponto de vista bibliográfico, idem e ibidem são dois vocábulos latinos usados em notas ou no próprio corpo de um texto para evitar a repetição completa de uma referência bibliográfica que geralmente ocorre dessa forma a primeira vez que é referida e/ou na bibliografia final.

No que se refere ao seu uso, a "doutrina" diverge. Há autores que defendem um uso e outros que defendem outro. E não há, em Portugal, uma norma – criticável ou não – que possa servir de arrimo e que claramente estabeleça o uso correto e "legítimo" dos dois termos no que se refere à referenciação bibliográfica, pelo que apenas enunciamos a prática que seguimos. Este é, pois, apenas um critério[1]. Porém, no que se refere à referenciação bibliográfica, ainda que o critério possa ser discutível, o fundamental é que seja uniforme e coerente ao longo do texto. É isso que lhe dá consistência.

Ainda que genericamente idem signifique «o mesmo, a mesma coisa», especificamente, no que se refere à referenciação bibliográfica, idem, cuja forma abreviada é id., convencionou-se significar «do mesmo autor». O mesmo se passa com ibidem, cuja forma abreviada é ibid., que genericamente significa «aí mesmo, no mesmo lugar», mas que, no que se refere à referenciação bibliográfica, se convencionou significar «na/da mesma obra».

Assim, e para sintetizar, idem, significa «do mesmo autor» e ibidem «da mesma obra».

Ibidem pode usar-se isoladamente no caso de a obra ser anónima.

Ex.:

«Romagem ao cemitério do Alto de S. João por ocasião do primeiro centenário do nascimento de X». O Primei...

Pergunta:

Sempre ouvi o termo ligatura para denominar os carateres tipográficos que combinam duas letras num único sinal gráfico, como @, &, æ ou œ.

O Dicionário [de Língua Portuguesa] da Porto Editora (2008) e o dicionário da Academia [das Ciências de Lisboa] (2001) não registam o termo ligatura – e na entrada ligadura não registam o significado de «carateres tipográficos que combinam duas letras num único sinal gráfico».

Já o Dicionário Houaiss apresenta a entrada ligatura com este significado, assim como a Infopédia, aqui.

Wikipédia apenas regista ligadura.

Nos textos que li do Ciberdúvidas, nunca encontrei o termo ligatura e só uma vez ligadura: “o uso da vogal æ (deriva da ligadura entre as vogais a e e)”, aqui:

Gostaria de ouvir a vossa opinião sobre os termos ligatura e ligadura (tipográfica) – e ainda perguntar se o sí...

Resposta:

Ligatura é, como diz o consulente, o termo usado para designar os carateres que combinam duas letras num único sinal gráfico. É um termo técnico do socioleto das artes gráficas, daí que apareça, em regra, em dicionários, glossários e vocabulários especializados, mas possa não aparecer em obras de referência mais gerais, como algumas das que refere. António Vilela, no seu Prontuário de artes gráficas, define ligatura como o «traço que, na escrita e em certos carateres de imprensa, liga uma letra a outra, dentro da mesma palavra» (2.ª ed. Braga, 2008, p. 53). Ligadura não é sequer nele referido. É, aliás, residual a utilização deste termo em artes gráficas.

Registe-se, porém, que os vocábulos ligadura e ligatura têm a mesma etimologia latina, ligatura, significando «ação de ligar». Ligatura é, assim, um decalque perfeito do étimo latino e ligadura um termo mais afeiçoado à língua portuguesa. Por esta razão, ligatura é um vocábulo dado por muitos dicionários gerais como sinónimo de ligadura.

O termo ligadura é, aliás, também usado na linguagem musical para simbolizar uma ligação entre duas notas musicais. A ligadura é, neste contexto, a linha curva que se usa por cima ou por baixo das notas de música de modo a ligá-las entre si, e que indica ao executante que aquelas notas devem ser cantadas ou tocadas sem interrupção.

Ligatura/Ligadura musical

 

Ligatura/Ligadura manuscrita (ae)

Pergunta:

Gostaria que me explicassem, se possível, a regra de entrada de capítulo, no qual a primeira linha do capítulo não tem tabulação (avanço) mas as primeiras linhas dos parágrafos seguintes têm.

Resposta:

Há editores que usam o que alguns chamam «composição à inglesa», em que a primeira linha do primeiro parágrafo de cada capítulo não está sangrada, isto é, indentada ou recuada em relação à margem1, mas as restantes primeiras linhas dos demais parágrafos estão.

Este é, por exemplo, o caso da História da Língua Portuguesa (Lisboa, Edições Sá da Costa, 1982, pág. 21), de Paul Teyssier, de que se reproduz o início de um dos capítulos:

O propósito da indentação nas primeiras linhas dos parágrafos é gráfico e visa orientar o leitor e facilitar a leitura. É possível que na origem da primeira linha não sangrada do primeiro parágrafo de um capítulo com «composição à inglesa» esteja o facto de justamente se tratar da primeira linha a seguir a um título, e por isso mesmo não carecer de qualquer marcação tipográfica adicional – dada pelo recuo do parágrafo – para a orientação do leitor.

 

1 Este preceito vem mencionado, por exemplo, no New Oxford style manual (2.ª ed. Oxford: Oxford University Press, 2014, p. 16): «The first line of text after a chapter, section, or subsection heading is set full out to the left-hand margin, with no paragraph indentation. The first line of every subsequent paragraph is normally indented; the style in which paragraphs are separated by a space and the first line of every paragraph is set ful...