Paulo J. S. Barata - Ciberdúvidas da Língua Portuguesa
Paulo J. S. Barata
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Paulo J. S. Barata é consultor do Ciberdúvidas. Licenciado em História, mestre em Estudos Portugueses Interdisciplinares. Tem os cursos de especialização em Ciências Documentais (opção Biblioteca e Documentação) e de especialização em Ciências Documentais (opção Arquivo). É autor de trabalhos nas áreas da Biblioteconomia, da Arquivística e da História do Livro e das Bibliotecas. Foi bibliotecário, arquivista e editor. É atualmente técnico superior na Biblioteca Nacional de Portugal.

 
Textos publicados pelo autor

Pergunta:

O termo lineatura (resolução da trama de impressão) existe e é usado pelo meio referido. No entanto não encontro o termo nos principais dicionários, apenas usado em literatura especializada.

O que vos oferece dizer sobre esta questão, existe? Deve-se usar? De que forma (entre aspas), etc.?

Desde já muito grato.

Resposta:

Lineatura é um termo usado nos socioletos, ou seja, nas linguagens técnicas, da impressão e das artes gráficas. Por ser um termo muito especializado só tem curso na literatura técnica relativa àquelas áreas, não tendo passado para a linguagem corrente e não constando, por isso, nos dicionários gerais que consultámos. Parece tratar-se de uma transposição direta do francês linéature,  que encontra cognatos – ou seja palavras semelhantes em termos de grafia, pronúncia e significado – noutras línguas, alguns deles com uma correspondência total, como acontece, por exemplo, no italiano (lineatura).

A palavra existe, ainda que viva apenas na linguagem técnica e, do ponto de vista formal, está conforme aos padrões morfológicos do português, pelo que poderá ser usada sem aspas. Acresce ainda existirem outras palavras aparentadas em uso no idioma e dicionarizadas, tais como: linear, linearizar, linearidade, lineamento, linearização, lineal, e outras. Não existe, que conheçamos, nenhum termo mais comum para a significar.

<i>Expletivo</i> = «palavrão»?!
Um caso de sinonímia inusitada

Na cobertura jornalística dos jogos da seleção de Portugal no Campeonato do Mundo de Futebol, no Catar, ocorre o termo expletivo, em eufemística referência a certos palavrões proferidos em campo. Um apontamento de Paulo J. S. Barata sobre este uso duvidoso da palavra expletivo.

Pergunta:

Hoje em dia há cada vez mais informação digitalizada que reproduz livros originalmente em papel.

Torre do Tombo mantém um enorme acervo deste tipo de arquivos. Muitas vezes a digitalização não é feita por transcrição mas sim, por mera fotografia. Por vezes, cada fotografia corresponde a uma única página de cada folha. Mas na maioria dos casos, cada fotografia inclui as duas páginas do livro quando aberto. A fotografia inclui, a página de verso da folha da esquerda e a página da frente da folha da direita. Quando me refiro a um destes casos, uso a palavra "fotografia".

Mas fico com a dúvida: existirá algum nome próprio que possa ser usado para designar esse conjunto de duas páginas? Quando olho para um livro ou jornal aberto, qual o nome daquilo que estou a ver?

Resposta:

Existem, tal como o consulente refere, cada vez mais documentos digitais na Internet quer em Bibliotecas Digitais, quer em Repositórios institucionais, quer simplesmente em sites, etc.

Nos documentos digitais, há os documentos nado-digitais, ou seja, aqueles que já nasceram em formato digital, como por exemplo um e-mail, um documento gerado e assinado digitalmente, ou um e-book, e os documentos digitalizados a partir de um suporte analógico, sobretudo o papel. Quanto a estes últimos, importa distinguir os documentos de arquivo, como por exemplo uma carta ou um ofício, e os documentos de biblioteca, como por exemplo um livro impresso. Em relação a estes, como o consulente refere e bem, as nossas mais importantes instituições patrimoniais, como o Arquivo Nacional da Torre do Tombo ou a Biblioteca Nacional de Portugal, promovem cada vez mais a digitalização de documentos e livros em formato papel dos respetivos acervos, quer por razões de divulgação quer por razões de preservação e conservação, uma vez que a cópia digital reduz o manuseamento dos originais.

A digitalização de livros é efetuada página a página ou em página dupla. Há formatos de visualização que permitem a leitura em página simples ou em página dupla, equiparando assim a visualização nos dispositivos eletrónicos à leitura e manuseamento dos livros em formato papel. Para esse conjunto de duas páginas não existe, que conheçamos, uma designação específica.

Ao folhear um livro, em formato papel ou eletrónico, o que por norma se visualiza é o verso de uma página par (a da esquerda) e o reto de uma página ímpar (a da direita). Porém, materialmente, às folhas dobradas dos livros que constituem cadernos, os quais são depois cosidos ou colados, chamamos bifólios. Estes bifólios são dobrados e encaixados uns nos outros, o q...

Pergunta:

Num índice de títulos, uma obra que comece por um número (por exemplo, «2001: Odisseia no Espaço») deve vir antes ou depois das que começam por letras? Obrigado.

Resposta:

Os numerais expressos por algarismos são, de acordo com as regras de alfabetação (Lisboa: Biblioteca Nacional, 1987, p. 5), ordenados segundo o seu valor numérico crescente e colocados antes de qualquer palavra. Assim, o título que refere surgiria ordenado do seguinte modo:

007 Licença para matar
12 Homens e uma sentença
101 Dálmatas
2001 Odisseia no espaço
2012
Lawrence da Arábia
O padrinho

Pergunta:

Constatei recentemente em documentos oficiais o uso de SEXA em maiúsculas. Ou seja, em vez de S. Ex.ª, usa-se SEXA.

Acho-o estranho.

É correto ou não?

Resposta:

Tenho memória de me ter cruzado com SEXA, para significar «S. Ex.ª» ou «Sua Excelência», e também com VEXA, para significar «V. Ex.ª» ou «Vossa Excelência», em documentação administrativa com pelo menos mais de 20 ou 30 anos. Penso que quer o SEXA quer o VEXA tiveram uso mas depois terão perdido curso. O que neste momento vejo, isso sim, em registo informal e irónico, designadamente nas redes sociais, é o uso de "Vexa", com maiúscula inicial, no que me parece ser uma forma polida de evitar aquilo a que vulgarmente se designa por o «você estrebaria», ou seja, um uso de você tido como indelicado e rude. É possível que este "Vexa" seja uma espécie de «filho bastardo» do VEXA.

A permanência de SEXA, que refere, e eventualmente também de VEXA, ademais «gritados» pelo uso das maiúsculas, parece-me algo esdrúxula, por existirem S. Ex.ª e V. Ex.ª. É possível que tenham começado a ser usados e depois, por tradição administrativa, replicados acriticamente. Esse que viu pode ser ainda uma sobrevivência desses tempos…

Admito que possam ter sido cunhados como uma particular forma de distinção, mas, a ser assim, o uso das maiúsculas, equivalente no texto escrito a um grito, rompe "gritantemente" com o protocolo tradicional de escrita.

O uso de abreviaturas é – como se sabe – uma área algo fluida, pouco regulamentada e onde ocorrem com frequência situações abstrusas. Estes dois casos parecem-me particularmente danosos e agravados pela conexão óbvia entre SEXA e sexo e VEXA e o presente do indicativo do verbo vexar, violando também aqui uma regra de ouro da translineação de palavras, e por analogia extrapolável para a formação de siglas, abreviaturas e acrónimos, evitar maximamente leituras espúrias.

Ou seja, SEXA e VEXA violam os protocolos de escrita:

•    por, pela sua formação, não configurarem uma abreviatura...