Nuno Carvalho - Ciberdúvidas da Língua Portuguesa
Nuno Carvalho
Nuno Carvalho
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Investigador do ILTEC; foi leitor de Português na Universidade de Oxford (2001-2003).

 
Textos publicados pelo autor

Pergunta:

Gostaria de saber se a palavra "subsidiação" existe? Vi-a num título de um jornal nacional, apresentada entre aspas, mas não encontrei o seu significado em nenhum dicionário português.

Resposta:

A palavra subsidiação existe. Não aparece ainda nos dicionários porque é uma palavra recente na língua. Isso mesmo mostra um artigo de 2004 chamado Neologismos terminológicos na área da Economia: processos mais frequentes em Português Europeu, da autoria de Mafalda Antunes, Margarita Correia e Rita  Gonçalves, da Associação de Informação Terminológica, que regista subsidiação nos exemplos de termos neológicos construídos por meio de sufixos: deriva do verbo subsidiar. Quer dizer qualquer coisa como: «acto de subsidiar, ajudar, auxiliar; contribuição com subsídio para».

Pergunta:

Obrigada por este instrumento precioso que é o Ciberdúvidas.

Fiz uma busca rápida, mas não encontrei o que queria, por isso vou pôr a questão. Estou a transcrever uma entrevista e à pergunta «Estudou?» a resposta foi «Sim, fiz o 1.º e o 2.º Grau e não fiz Faculdade». Pergunto se "Grau" deve escrever-se com maiúscula e "Faculdade" também, uma vez que "Grau" tem aqui o valor de uma qualificação oficial e tem, penso, o valor de nome próprio; e "faculdade" também, embora não se trate de uma Faculdade específica, estando a palavra a substituir um nome próprio omitindo a restante designação, mas entendo que, como estabelecimento oficial de ensino, assume tal como "Grau" o valor de substantivo próprio.

Mais à frente o informante diz «fiz cursos de pedagogias» e, relativamente à palavra «pedagogias», tenho a mesma dúvida, porque não é dito o título do curso frequentado e porque a palavra no plural não pode adquirir o valor de nome próprio, penso eu.

Podem esclarecer-me?

Resposta:

De acordo com o Código de Redacção Interinstitucional da União Europeia, usa-se faculdade com maiúscula apenas quando se trata do nome da escola, por exemplo: Faculdade de Medicina, Faculdade de Letras. Assim, em «não fiz faculdade», «frequentei a faculdade» ou «andei na faculdade», não deve ser usada maiúscula na palavra faculdade. O mesmo se passa em «fiz o 1.º e o 2.º grau», que será o equivalente brasileiro do português «completei o  ensino secundário», em que «ensino secundário» aparece também com minúsculas iniciais.

Quanto ao caso de pedagogias, diz o mesmo código:

«Nos nomes de ciências, ramos científicos e artes, quando designam disciplinas escolares ou quadros de estudo pedagogicamente organizados: doutorado em Medicina, lecciona Álgebra, formado em História, frequenta Anatomia cadeira de Latim, 1.° ano de Economia, cursou Direito, doutor em Letras, sempre teve muito boas notas em Português.»

O uso da palavra pedagogias pelo informante da consulente parece não se inscrever em nenhum destes casos, pelo que deverá ser escrito com minúscula. Digo parece porque não tenho contextos suficientes para ser mais categórico.

Seria possível, por isso, que pedagogias fosse usado com maiúscula, se se tratasse do nome de um quadro de estudo pedagogicamente organizado ou de uma disciplina escolar. Existem unidades curriculares denominadas "Metodologias e Pedagogias" ou "Pedagogias da Infância". Assim, não seria impossível termos, por exemplo, «sempre teve boa notas em Pedagogias». O facto de aparecer no plural não é determinante, como se pode ver em «acabei o curso de Lí...

Pergunta:

Na frase «A Maria comeu um bolo enquanto bebia café e falava com os amigos», temos: «A Maria comeu um bolo» = oração subordinante; «enquanto bebia café» = oração subordinada temporal; e «e falava com os amigos» = oração coordenada copulativa?

Ou: «A Maria comeu um bolo» = oração subordinante em relação à segunda oração, e coordenada em relação à terceira?

Obrigada.

Resposta:

Oração subordinante: «A Maria comeu o bolo.»

Oração subordinada: «Enquanto bebia café e falava com os amigos.»

A oração subordinada é composta por duas orações coordenadas copulativas: «bebia café» e «falava com os amigos»; ou seja:

«enquanto bebia café»
«enquanto falava com os amigos»

como prova o facto de os verbos beber e falar aparecerem no pretérito imperfeito.

Pergunta:

Qual a forma mais adequada/correcta da negativa de «Posso comê-lo»? É «Não posso comê-lo», ou será «Não o posso comer»? Eu "simpatizo" mais com a 1.ª opção, mas tenho uma colega que insiste que só a 2.ª está correcta.

Concordo que, na forma negativa, o pronome deva ser anteposto ao verbo (Ex.: «Não o faço»; «não te lembres disso»; «não me molhes»; «não o encontro»). Porém, em caso de complexos verbais, como poder/querer e infinitivo («quero beber o sumo»; «posso ler o livro»), assim como ao substituir o complemento directo pelo pronome, ficando assim «Quero bebê-lo» e «Posso lê-lo», também me parece que na negativa deve ficar «Não posso lê-lo», em vez de «Não o posso ler», e «Não quero bebê-lo», em vez de «Não o quero beber». A anteposição do pronome é correcta e obrigatória em casos em que o núcleo do predicado é um só verbo, como nos primeiros exemplos que apresentei, todavia não considero que o pronome deva estar anteposto quando o núcleo do predicado é composto por mais que um verbo.

Resposta:

Quando temos locuções verbais compostas por um verbo auxiliar seguido de um verbo no infinitivo, é possível juntar o pronome clítico ao verbo auxiliar ou ao verbo no infinitivo. Assim, temos:

«Quero ajudá-lo
«Quero-o ajudar.»

«Posso ajudá-lo
«Posso-o ajudar.»

Na negativa, a presença de advérbios como não ou nunca antes do verbo provoca a próclise do pronome (ou seja, obriga a que o pronome passe a occorrer antes do verbo), quando se encontra associado ao verbo auxiliar:

«Não o posso ajudar.»
«Nunca o posso ajudar.»

«Não o quero ajudar.»
«Nunca o quero ajudar.»

No entanto, se o pronome estiver associado ao verbo no infinitivo, aparecerá sempre em posição enclítica (depois do verbo):

«Não posso ajudá-lo
«Nunca posso ajudá-lo

«Não quero ajudá-lo
«Nunca quero ajudá-lo

Assim, podemos dizer que a negativa de «Posso comê-lo» é «Não posso comê-lo». A negativa de «Posso-o comer» é «Não o posso comer». Quer «Não posso comê-lo», quer «Não o posso comer» são frases possíveis, estão correctas e têm o mesmo significado, tal como acontece com as suas correspondentes positivas «Posso comê-lo» e «Posso-o comer». A opção por uma ou outra forma é mais de cariz estilístico do que gramatical.

Pergunta:

Onde se encontra a alomorfia na palavra inimigo?

Resposta:

Segundo o Dicionário de Termos Linguísticos, alomorfia é «realização de um morfema sob condicionamento fonológico ou morfológico», e morfema, «a menor unidade gramatical de uma língua ou a menor unidade portadora de significado». Olhando para as palavras amigo, inimigo, amizade e inimizade e divindindo-as nos morfemas que as constituem:
       amig - o
  in -  imig  - o
         amiz - ade
  in -  imiz -  ade

verificamos que a presença ou ausência de prefixos ou sufixos faz com que existam quatro variantes (ou quatro realizações) do mesmo morfema, ou seja, quatro alomorfes (que se representam com chavetas: {amig}, {imig}, {amiz}, {inimi}.