Nuno Carlos Almeida - Ciberdúvidas da Língua Portuguesa
Nuno Carlos Almeida
Nuno Carlos Almeida
3K

Licenciado em Linguística (com Ramo de Formação Educacional) e mestre em Língua e Cultura Portuguesas (especializado em Metodologia do Ensino do Português LE/L2) pela Universidade de Lisboa. Leitor de português na Universidade de Zadar, Croácia (desde 2011). Autor do livro Língua Portuguesa em Timor-Leste: ensino e cidadania.

 
Textos publicados pelo autor

Pergunta:

Ao trabalhar os tempos compostos e simples do conjuntivo, deparei-me com uma dúvida quanto à hipótese/concretização da ação expressa em cada um dos casos.

O tempo composto do conjuntivo, tanto no futuro, como no mais-que-perfeito, expressa menos possibilidade de concretização da ação do que o seu correspondente tempo simples (futuro e imperfeito do conjuntivo)?

Entendo que ambos remetem para a conclusão da ação, mas terá uma duração mais prolongada (a concretização da mesma) num caso do que no outro?

«Quando tiveres lido o livro, devolve-mo.»

«Quando leres o livro, devolve-mo.»

«Caso tivesse lido o livro, devolver-to-ia.»

«Caso lesse o livro, devolver-to-ia.»

Muito obrigada, mais uma vez, pela vossa ajuda e maravilhoso apoio dado a todos os que, como eu, temos na língua portuguesa a nossa ferramenta de trabalho.

Com os melhores cumprimentos.

Resposta:

Para responder muito diretamente à questão, e concebendo os exemplos apresentados em situações concretas de comunicação, diria que ambos os pares contêm frases equivalentes (ou que, pelo menos, serão facilmente interpretadas de modo equivalente), tanto em termos de probabilidade como de duração da concretização da ação.

Ainda assim, uma observação mais analítica sobre algumas das propriedades modais e aspetuais das construções em apreciação poderá evidenciar algumas diferenças, ainda que subtis.

Em primeiro lugar, deve dizer-se que não é fácil encontrar estudos sobre as diferenças de valores de modalidade entre as formas simples e compostas de um mesmo modo verbal, visto que é através do contraste entre os diferentes modos que a realização do sistema da modalidade tem sido amplamente estudada e descrita. De facto, há até quem defenda que, do ponto de vista semântico, não há razão para se considerarem as formas compostas como tempos autónomos, tanto no modo indicativo como no conjuntivo. Nesta perspetiva, postula-se que, no modo conjuntivo, o pretérito mais-que-perfeito composto, o pretérito perfeito composto e o futuro composto veiculam a mesma informação que, respetivamente, o imperfeito, o presente e o futuro. (Cf. Rui Marques. 2006. Sobre a semântica dos tempos do conjuntivo: 550-551).

No entanto, e agora já num registo especulativo e pessoal, o facto de as formas compostas explicitarem um ponto de perspetiva temporal posterior à realização da ação expressa pelo verbo (não realização, no segundo par de exemplos) parece reforçar a possibilidade/probabilidade da sua concretização (impossibilidade/improbabilidade, no segundo par de exemplos). Ao mesmo tempo, a própria presença da forma participial do verbo vem ajudar a e...

Pergunta:

Como se estruturam as orações temporais que implicam o uso dos modos indicativo e conjuntivo, nomeadamente os critérios para a seleção de um modo em detrimento de outro, no caso de conjunções/locuções conjuncionais que aceitam ambas as possibilidades?

Muito obrigada.

Resposta:

De facto, entre as conjunções/locuções conjuncionais introdutoras de orações subordinadas adverbiais temporais, há algumas que coocorrem tanto com o modo indicativo como com o conjuntivo. Na Gramática do Português (Fundação Calouste Gulbenkian, 2013: 1982-2007), por exemplo, são identificadas as seguintes: «até que» (com indicativo, é designada de «oração temporal narrativa»), quando, «logo que», «assim que», mal, «(de) todas as vezes que», «(de) cada vez que», «sempre que», «à medida que», enquanto.

Na mesma gramática (p. 673), diz-se, sobre o modo, que «realiza no sistema verbal valores do sistema da modalidade, entendida como a atitude que o enunciador ou (no caso de uma frase complexa) a entidade referida pelo sujeito da oração principal expressa relativamente ao estado de coisas descrito».

Assim sendo, nos casos em que se admite mais do que um modo verbal, a opção por um ou por outro depende da atitude face ao conteúdo proposicional da oração subordinada. Ou seja, sempre que se pretende veicular um valor mais factual, usa-se o indicativo; já quando não se pretende ou não se pode atribuir esse valor a uma proposição, opta-se pelo conjuntivo. Esta diferença é visível em cada um dos pares de enunciados abaixo, apresentados a título de exemplo:

a) «Assim que cheguei, telefonei-te.»/«Assim que chegar, telefono-te.»

b) «Quando vim a Lisboa, avisei toda a gente.»/«Quando vier a Lisboa, aviso toda a gente.»

c) «Sempre que precisas, ajudo-te.»/«Sempre que precises, ajudo-te.»

Note-se que parece haver uma tendência para usar o conjuntivo nos casos em que o verbo da oração subordinada se refere a uma ação posterior ao momento da enunciação. É, aliás, por ...

Pergunta:

«Fui eu quem/que solicitou a água», ou «foi eu quem solicitou a água»?

Resposta:

As ligações abaixo, que tratam da questão do uso de «fui... quem»/«fui... que», respondem à questão colocada:

O uso dos pronomes quem e que.

O uso de quem e de que.

 No entanto, esta questão é oportuna para fazer uma breve observação quanto ao contexto de utilização do verbo solicitar, uma vez que, a nosso ver, nos exemplos apresentados, a utilização do verbo sinónimo pedir teria sido mais adequada.

a) «Fui eu quem pediu a água.»

b) «Fui eu que pedi a água.»

De facto, em algumas situações comunicativas privilegiadas pela oralidade e espontaneidade (muitas vezes caracterizadas também por alguma informalidade), o verbo pedir parece ser aquele que mais se utiliza, enquanto o uso do verbo solicitar se verifica preferencialmente em situações formais, referindo-se quase sempre a uma diligência mais cuidada:

c) «Fui em quem solicitou a audiência.»

d) «Fui eu que solicitei a audiência.

 

Cf

Pergunta:

Porque dizemos «fui à escola» e «fui a casa», «cheguei a casa» e «cheguei à escola»?

Resposta:

Nos dois pares de exemplos em apreciação, a diferença reside na presença do artigo definido, antes de escola, e na ausência dele, representada por (–), antes de casa, como podemos ver abaixo:

«Fui à escola» [IR a + a escola]; «Cheguei à escola» [CHEGAR a + a escola]

«Fui a casa» [IR a + (–) casa]; «Cheguei a casa» [CHEGAR a + (-) casa]

Este tipo de estruturas, em que casa só pode ser interpretada como «lar», «residência», «lugar onde se mora», caracteriza-se pela ausência de artigo. Com efeito, a Nova Gramática do Português Contemporâneo, de Celso Cunha e Lindley Cintra (pp. 222), regista esta particularidade dizendo que dispensam o artigo os adjuntos adverbiais de lugar em que entra a palavra casa desacompanhada de determinação ou qualificação, no sentido de «residência», «lar», dando exemplos como «entrou em casa» e «voltou para casa».

Agora, quanto ao motivo pelo qual isto acontece, dado que não encontrei qualquer explicação concreta na bibliografia que consultei, sou levado a supor que a justificação mais plausível esteja relacionada, por um lado, com as idiossincrasias que caracterizam o processo de evolução sintática e semântica de certas estruturas e, por outro lado, com o que poderíamos apelidar de «cristalização idiomática», fatores que levam à existência de certas expressões fixas nas línguas, com significados particulares.

Pergunta:

«Acabaria por comprar a casa, a qual, passados dois meses, vendeu a um amigo.»

Agradecia que me dissessem se é correcto usar «vendeu». Não devia ser «venderia», já que a frase começou com «acabaria»? Tudo isso vem a propósito de quê? Se, na redacção de um texto com verbos no pretérito perfeito, é necessário haver uma uniformidade das formas verbais, ou podemos alternar consoante o nosso gosto, como aconteceu na frase acima?

Resposta:

Para a formulação de uma resposta à pergunta do consulente, tomemos como ponto de partida as seguintes explicações, retiradas da Gramática do Português (ed. Fundação Calouste Gulbenkian, 2013):

«O pretérito perfeito apresenta as situações como estando localizadas temporalmente no passado em relação ao tempo da enunciação […]. Quando ocorre uma sucessão de frases coordenadas ou sequencialmente ordenadas num texto com os verbos no pretérito perfeito, representa-se usualmente uma sucessão de eventos. Neste caso, o tempo de cada situação representada por um verbo funciona como referência para o tempo da situação representada pelo verbo seguinte, formando uma progressão narrativa em que a ordenação temporal das situações corresponde à sua ordenação no texto» (secção 15.2.1.2).

«O condicional [futuro do pretérito] pode ter um valor temporal de “Futuro do Passado”, pouco usual na fala e escrita correntes, localizando uma situação no passado, mas ocorrendo posteriormente ao tempo de uma outra situação também passada, tomada como tempo de referência, explicitamente representada na frase quer por um adjunto adverbial de valor temporal quer por uma oração ou frase com o verbo no pretérito perfeito» (secção 15.2.1.7).

É difícil responder sem ter acesso ao contexto onde ocorre a frase em análise. Desde logo, a primeira estrutura verbal no condicional com valor de futuro do pretérito não seria aceitável sem a presença de um antecedente como, por exemplo, «Depois da aprovação do crédito…» ou «Visitou a casa e ficou interessado nela…». De facto, observando a frase isolada, se quiséssemos usar o condicional, apenas no segundo momento seria possível fazê-lo, depois de usar o pretérito perfeito: «Acabou por comprar a...