Miguel Moiteiro Marques - Ciberdúvidas da Língua Portuguesa
Miguel Moiteiro Marques
Miguel Moiteiro Marques
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Licenciado em Línguas e Literaturas Modernas (Estudos Portugueses e Ingleses) pela Faculdade Letras da Universidade de Lisboa e mestrando em Língua e Cultura Portuguesa na mesma faculdade.

 
Textos publicados pelo autor

Pergunta:

A conjunção enquanto apresenta valor semântico de tempo e de proporção, mas em alguns contextos, mesmo que façamos a substituição por outra conjunção ou locução conjuntiva correspondente a esses valores, não é possível desfazer a ambiguidade. Ex.: «Enquanto o professor escrevia, os alunos conversavam.» Como resolver então essa questão? Há um meio de desfazer a ambiguidade, ou devemos considerar as duas respostas como possíveis e corretas?

Resposta:

Como referem Cunha e Cintra, a polissemia conjuncional leva a que o valor das conjunções esteja condicionado pelo contexto em que se inserem (cf. Nova Gramática do Português Contemporâneo, p. 586), pelo que, como refere a consulente, há casos em que, mesmo fazendo a substituição por outras conjunções, permanece a ambiguidade.

No caso da conjunção enquanto, certos autores referem que a sua classificação como conjunção proporcional (designação da nomenclatura gramatical brasileira, inexistente na tradição portuguesa) deve refletir uma dependência semântica entre as ideias apresentadas nas orações, i. e., para que uma ocorra em proporção, a primeira deve ser efetivada (cf. Maria Célia Lima-Hernandes, "Níveis no Processamento da Comparação no Português Contemporâneo [...]"). Quer isto dizer que, à margem da coocorrência temporal, terá de existir um nexo de causalidade entre os dois termos para se verificar o valor semântico de proporção.

O estabelecimento desse nexo dependerá, em boa medida, da interpretação dos falantes. No caso da frase apresentada pela consulente, poderemos considerar a conjunção como sendo proporcional se pensarmos que há um nexo entre a ação do professor (escrevendo no quadro, de costas viradas para os alunos) e a reação dos alunos (falando uns com os outros, aproveitando a desatenção do professor). Mas também poderemos considerar que as ocorrências são concomitantes e independentes.

Repare noutros exemplos.

1) «Enquanto o João viaja pelo mundo fora, a economia portuguesa piora.»

2) «Enquanto o João viaja pelo mundo fora, a sua mulher [do João] trabalha.»

Pergunta:

Gostaria de saber como classifico a palavra extraterrestre quanto ao seu processo de formação, dado que, nas minhas pesquisas, não consegui encontrar nada que comprovasse que extra- é um prefixo. Pela lógica, diria que à base terra se acrescentou um prefixo e um sufixo. Porém, queria confirmar se esse pressuposto está correto.

Resposta:

Pode encontrar no Dicionário Houaiss a classificação de extra- como prefixo culto com origem no advérbio/preposição/prefixo latino extra, com o significado de «externamente, fora de, além de, à exceção de». Alguns exemplos, para além de extraterrestre, são extrajudicial, extramuros ou extravagância. Não se trata, pois, de um caso de parassíntese, com prefixação e sufixação simultâneas, mas, sim, de derivação prefixal a partir da base terrestre.

Pergunta:

Há uma dúvida que me surge de tempos a tempos, e decidi recorrer uma vez mais aos vossos préstimos para tentar dissipá-la.

Quando alguém refere o nome de algo, como, por exemplo: «Este processo chama-se fotossíntese», «O João chamou-lhe gordo», «Os geólogos chamam-lhe Último Grande Bombardeamento», é correcto colocar «fotossíntese», «gordo» e «Último Grande Bombardeamento» entre aspas? Já vi legendagens que usam esta forma de destacar a palavra ou expressão que se está a definir, mas nunca sei ao certo se o devo fazer. Será algo meramente visual no caso das legendas, ou existe alguma recomendação gramatical para o uso das aspas nestas situações?

Obrigado uma vez mais e os meus parabéns ao Ciberdúvidas por ter conseguido manter novamente a existência deste espaço de tão vital importância para a língua portuguesa e seus falantes.

Resposta:

Agradecemos as suas palavras de apreço e de incentivo.

Quanto à questão que apresenta, a utilização das aspas e, do mesmo modo, do sublinhado, do itálico ou do negrito (bold) serve o intuito de realçar algo.

Nos casos apresentados pelo consulente, podemos usar as aspas ou a forma itálica para destacar um elemento, mas não é, de todo o modo, uma recomendação gramatical. Há situações em que se pode usar as aspas — até acompanhadas de letras maiúsculas — quando uma expressão complexa (mais do que uma palavra) remete para uma unidade, de modo a facilitar a compreensão.

1. «Os geólogos chamam-lhe o "Último Grande Bombardeamento".»

vs.

2. «Os geólogos chamam-lhe o último grande bombardeamento.»

Já nas outras frases que apresenta («Este processo chama-se fotossíntese» e «O João chamou-lhe gordo»), o uso das aspas serviria apenas para acentuar o valor significativo da palavra ou da expressão, como referem Cunha e Cintra (cf. Nova Gramática do Português, p. 657-659).

Na frase «O João chamou-lhe "gordo"», mais do que uma citação, as aspas destacam certos valores associados à expressão (que, conforme o contexto, poderá ser de ironia, violência, surpresa ou até para marcar contrastes, como no caso de a pessoa que chama a outra de "gordo" sofrer de obesidade ou ser um magricela anorético).

Já no caso de «Este processo chama-se fotossíntese», não parece ser necessário usar aspas, mas uma vez mais o contexto poderá levar ao seu uso para realçar um determinado valor semântico da palavra (por exemplo, pode ser um contexto em que o locutor de um documentário culmina uma explicação sobre a fotossíntese e pretende realçar o sentido etimo...

Pergunta:

Qual o nome coletivo para designar um conjunto de planetas?

Resposta:

A designação utilizada na astronomia é «sistema planetário», não há um nome coletivo; o conceito de «sistema planetário» refere-se não só ao conjunto de planetas, mas a todos os corpos celestes cujas órbitas se desenvolvem em torno de uma ou mais estrelas, também ela(s) parte do conjunto.

A referência «sistema solar» é utilizada, por vezes, para referir um qualquer sistema planetário organizado em torno de uma estrela, por analogia ao sistema planetário que habitamos, mas em rigor o termo «sistema solar» designa o conjunto específico de corpos celestes que giram em torno do Sol, incluindo o próprio astro-rei (cf. Introdução à Astronomia e à Astrofísica, do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais).

Pergunta:

Hoje, durante uma aula, num exercício que pedia o feminino de embaixador, surgiram os vocábulos embaixatriz e embaixadora, os quais têm sido motivo de dúvidas esclarecidas neste espaço.

Um aluno questionou-me: «Então como se chama o marido da embaixadora? Não pode ser embaixador, porque não ocupa o cargo!»

Respondi que não sabia e, por isso, solicito (e agradeço desde já) a vossa preciosa ajuda.

Resposta:

Não há um termo específico para designar o marido da embaixadora. A diferenciação entre embaixadora e embaixatriz foi uma acomodação feita pelos falantes, provavelmente do meio diplomático e quase apenas na tradição europeia continental (e não no mundo anglo-saxónico, cf. revista Diplomat), para diferenciar as mulheres que começaram a desempenhar o cargo (embaixadora) daquelas que acompanham o titular do cargo (embaixatriz). Mas, até agora, não parece ter havido necessidade de fazer algo semelhante para integrar os (poucos) casos de maridos de embaixadoras, como pode ver nesta notícia do jornal Expresso.