Tem razão a consulente ao dizer que os termos mais precisos seriam renúncia e renunciar, até porque são os utilizados na declaração oficial do papa, como pode ser visto aqui.
A utilização pelos meios de comunicação social dos termos resignar e resignação, como forma de evitar a repetição de palavras e de tornar o discurso esteticamente mais interessante, não seria problemática, não fossem os seguintes aspetos:
a) os termos originais utilizados pelo papa foram preteridos pelos sinónimos resignar e resignação, utilizados frequentemente em títulos de notícias;
b) resignação tem outros valores semânticos que não estão presentes, por exemplo, em renúncia ou demissão, como observa o blogue em mirandês Froles Mirandesas, podendo ser dada uma carga negativa à palavra, associando-lhe termos como abandono, submissão ou conformação.
Independentemente da intencionalidade de quem optou por privilegiar resignar e resignação, aquilo que se verifica, numa análise possível de fazer neste espaço, é que essa escolha, além não ser precisa face ao termo utilizado por Bento XVI, não vai ao encontro daquilo que seriam as opções mais comuns dos falantes de português, nem daquilo que seria a terminologia do direito canónico. Assim:
1) O termo utilizado no Código de Direito Canónico, disponibilizado aqui pelo Vaticano, é renúncia:
Art. l
DA RENÚNCIA
Cân. 187 — Qualquer pessoa no uso da razão pode, por justa causa, renunciar ao ofício eclesiástico.
2) Na análise do corpus da Linguateca Público e Folha de São Paulo e do Corpus do Português Davies-Ferreira, verifica-se que há uma preponderância do termo renúncia em relação a resignação para referir o abandono de um cargo. Nos registos do português do Brasil, em 57 ocorrências de resignação não há uma única com o sentido acima referido, ao passo que no português europeu, em 604 registos de resignação, apenas uma pequena percentagem é utilizada para referir o abandono de um cargo. Por sua vez, a palavra renúncia (1340 ocorrências) é utilizada abundantemente nos jornais Público e Folha de S. Paulo para referir o abandono de um cargo.
3) Não se verifica que os falantes privilegiem o uso de resignação para cargos religiosos e de renúncia para outro tipo de cargos ou funções, como se verifica nos exemplos retirados do corpus da Linguateca Público e Folha de São Paulo abaixo transcritos.
«O vice-presidente do Conselho Nacional da Resistência Timorense (CNRT) , José Ramos-Horta, disse ontem que Suharto deve anunciar muito em breve a data da sua resignação.»
«Bispo de Leiria desde 1972, D. Alberto tinha pedido a renúncia em outubro de 1991, uma vez atingido o limite canónico dos 75 anos.»
Dada a preponderância a nível global dos meios de comunicação social anglófonos, talvez se possa considerar que os termos resignação e resignar tenham sido usados abundantemente nos órgãos de língua portuguesa devido a essa influência. Contudo, ao contrário do que sucede no português, resignation e resign não só são os termos usualmente utilizados para referir o abandono de um cargo — atesta o British National Corpus — como também o próprio direito canónico utiliza em inglês o termo resignation como equivalente de renúncia, pese embora o facto de a versão inglesa da mensagem do papa ter o verbo renounce.
Nem todos são permeáveis a essa eventual influência. Nos meios de comunicação franceses, por exemplo, encontramos os termos renonciation e démission nos jornais Le Monde, Courier International e Le Figaro.
Em suma, o uso dos sinónimos resignação e resignar peca por se sobrepor aos termos utilizados pela própria fonte, aos que seriam comummente usados pelos falantes e àqueles que, do ponto de vista jurídico, seriam os mais precisos. Mas tal não impede de se dizer, no devido contexto e na medida certa, que o papa resignou.