Maria Regina Rocha - Ciberdúvidas da Língua Portuguesa
 
Textos publicados pela autora

Pergunta:

Sou aluna do 7.º ano de escolaridade e, por estar confusa, gostaria que me elucidassem sobre o seguinte aspecto:
No 2.º ciclo, aprendi que para fazer uma composição eu teria que, para além do tema, ir de encontro ao tipo de texto sugerido pela professora (carta, narrativo, comentário...).
Agora, no 7.º ano, a professora diz-nos: «Uma composição é uma reflexão pessoal sobre o tema com introdução, desenvolvimento e conclusão. O desenvolvimento é dividido em parágrafos onde se argumenta acerca do tema. Uma composição é uma dissertação que tenta ser o mais objectiva possível».
O que é, então, uma composição?

Resposta:

Composição é o termo genérico dado ao exercício escolar que consiste em escrever um texto sobre um tema proposto. O professor pode defini-la de uma ou outra forma e sugerir determinada estrutura, consoante o nível de escolaridade do aluno, de modo a melhor o orientar na sua realização.
O termo composição pode ser utilizado logo nos primeiros anos de escolaridade, para designar o exercício que as crianças realizam de “composição” de frases curtas sobre factos do mundo infantil. A extensão e complexidade da composição vai aumentando progressivamente até assumir características próximas de uma dissertação (exposição desenvolvida sobre matéria científica, filosófica ou artística).
Para terminar, queria corrigir uma expressão que utilizou: «ir de encontro a» significa «ir contra». Pretendia certamente escrever «ir ao encontro de», que significa «fazer de acordo com», «proceder em conjugação com», «corresponder a»: «ir ao encontro do tipo de texto...»

Pergunta:

Ao resolver uma ficha de trabalho para os meus alunos do 9.º ano, surgiu-me a seguinte dúvida: deverão os substantivos arrais, escanção e contra-regra ser considerados substantivos sobrecomuns ou comuns de dois géneros?

Resposta:

Substantivos sobrecomuns são os que têm só uma forma, masculina ou feminina, para os dois géneros: a criança (seja menino ou menina), a testemunha, a vítima (seja homem ou mulher), o cônjuge (seja marido ou mulher). Substantivos comuns de dois são os que têm a mesma forma, quer no masculino, quer no feminino, distinguindo-se um género do outro pelo respectivo artigo ou outro determinante: o dentista, a dentista; o doente, a doente; o estudante, a estudante; o intérprete, a intérprete; o pianista, a pianista.
Arrais significa «patrão ou mestre de um barco», e escanção, «especialista na degustação de vinhos». Os dicionários registam estes dois termos apenas no masculino (o arrais, o escanção), certamente por estas profissões terem sido exercidas, ao longo dos tempos, pelos homens.
Contra-regra significa «pessoa que marca as entradas dos actores em cena ou numa filmagem». Os dicionários registam este vocábulo como substantivo comum de dois: o contra-regra, a contra-regra.

Pergunta:

Quando se faz uma pesquisa na secção de Respostas anteriores, verifica-se, relativamente à expressão "eu parece-me", a existência de duas respostas distintas ao mesmo número de perguntas dos consulentes. Num caso, Maria Regina Rocha considera tratar-se de uma resposta incorrecta, noutro, José Neves Henriques entende-a como correcta, alegando cada um linhas de argumentação diferentes. É possível chegar-se a um consenso quanto a esta dúvida?

Resposta:

Está em discussão saber se «Eu parece-me...» é uma construção incorrecta, como referi em resposta anterior (de 25/9/2001), ou se é correcto o seu emprego, considerando-se um anacoluto utilizado para dar relevo à entidade a que o sujeito se refere (neste caso, «Eu»).

Trata-se, efectivamente, de uma construção anacolútica. O anacoluto é uma construção gramatical em que há falta de concordância entre relativo e antecedente, aposto e nome ou sujeito e predicado, que se ligam apenas pelo sentido evidente da frase, e não pelas regras da sintaxe. Uma ou mais palavras do início de uma oração não se ligam sintacticamente ao que vem depois, havendo uma falta de rigorosa concordância, regência ou ligação entre os elementos da oração. No anacoluto interrompe-se o membro inicial de um período, introduzindo-se uma outra sequência de discurso e retomando-se de seguida a referência a esse elemento inicial, mas sem concordância sintáctica.

Este processo pode ser utilizado com intenções estilísticas e tornar-se um recurso que valoriza o tal termo inicial que não estabelece concordância sintáctica com o resto da oração, como acontece nos exemplos de anacolutos que transcrevo de seguida, nos quais está sublinhado o termo “abandonado” e o retomar da ideia que com ele se relaciona (sem concordância sintáctica):

1. «Este povo que é meu, por quem derramo/ as lágrimas que em vão caídas vejo,/ (...)por ele a ti rogando, choro e bramo» (Camões,

Pergunta:

Em conversa com algumas amigas alguém usou a expressão: «Isso é do tempo da outra senhora». A nossa dúvida surgiu quando uma de nós se lembrou de perguntar: Afinal, quem é a outra senhora? Já fizemos algumas pesquisas, mas sem sucesso. Podem ajudar-nos?
Pensámos em respostas como a censura ou a ditadura...

Resposta:

A expressão «o tempo da outra senhora» é hoje, realmente, muitas vezes utilizada quando nos referimos ao regime do Estado Novo em que havia censura e um regime de partido único. No entanto, a «outra senhora» não significa nem «censura» nem «ditadura», mas, sim, mesmo uma outra senhora.
Explicando, esta expressão é anterior ao 25 de Abril e tem origem nas relações domésticas. A Senhora era a dona da casa e aí punha e dispunha. Era ela que ditava as leis da organização da casa, a serem cumpridas pela criadagem. Quando a senhora da casa morria, havia uma nova senhora (a filha, a nora, a nova mulher do viúvo que entretanto casaria), a ditar a organização da casa, e essa organização sofria alguma alteração; a forma de gerir era, naturalmente, diferente. E surge então a expressão «o tempo da outra senhora», distinto do actual.
Quando muda o regime político, mudam as leis, muda a forma de organização do país e, por analogia, começa, então, a falar-se do tempo da «outra senhora» quando se pretende referir situações relativas a essa época anterior, situações essas que agora não existem ou foram alteradas.

Pergunta:

Qual o significado da palavra relengo?
Certo dia, estava na casa de minha namorada, reunido na porta de sua casa com seus familiares conversando.
Eis que surge meu cunhado, e faz a seguinte sugestão:
– Vamos fazer um relengo?!
Todos concordaram na hora menos eu, por não saber do que se tratava.
Resumindo, fizeram um churrasco meio que improvisado, compraram e prepararam tudo na hora.
Posteriormente, perguntei a cada um, a sua definição para relengo.
Ninguém sabia ao certo dizer o que era, só que era uma espécie de evento com comida e bebida que surge do nada...
Procurei no Aurélio mas não encontrei nada.
Provavelmente é uma gíria de algum estado do Brasil.
Peço a ajuda de vcs, para solucionar essa questão.
Desde já agradeço.

Resposta:

Em Portugal existe o termo relengo, um provincianismo beirão, que tem o significado de «moderação», «cautela». Mas este termo também é uma variante de relego, termo antigo que significava «lagar, adega, celeiro em que o senhor das terras recolhia os seus frutos», «privilégio de que gozavam os senhores de algumas terras para venderem o seu vinho sem concorrência, durante um certo período». Historicamente, o relego era o direito que o soberano ou o seu donatário tinha de poder vender livremente o vinho que se produzia nos seus reguengos, coutos e juradas, em certos meses e pelo prazo de dias; durante esse tempo marcado nos forais, provisões e cartas de mercê, ninguém podia vender vinho sem incorrer no pagamento do relego. Dava-se também o nome de relego ao lugar, tulha, adega ou celeiro em que tal vinho se produzia e guardava. Relego significa ainda «descanso, tranquilidade, pausa, sossego».
Esta informação foi recolhida na Grande Enciclopédia Portuguesa e Brasileira.