Maria Regina Rocha - Ciberdúvidas da Língua Portuguesa
 
Textos publicados pela autora

Pergunta:

«Estupor do rafeiro! Tu levas um pontapé!» — ameaçou o Zé ao cão.

«O Bobi começou a rosnar de longe ao ouvir palavras tão ofensivas para o seu pedigree», ou

«O Bobi começou a rosnar ao longe ao ouvir palavras tão ofensivas para o seu pedigree»?

Qual das duas frases é que está correcta?

Muito obrigado.

Resposta:

Depende do que se pretende dizer.

«Ao longe» significa «a uma grande distância», «afastado». Exemplo:

«Vêem-se os barcos a passar ao longe.»

«De longe» significa «de uma grande distância». Exemplos:

«Eles vêm de longe, de muito longe.»

Assim, em função do ponto de vista, da perspectiva, se utilizará a preposição a ou a preposição de. Retomando uma das frases acima, e usando os pontos A e B, talvez se compreenda melhor:

«Vêem-se os barcos a passar ao longe.» — Quem observa está no ponto A e vê os barcos a passar ao longe: o longe onde estão os barcos é o ponto B.

«De longe, vêem-se os barcos a passar.» — Quem observa está no ponto A, e esse ponto A é o longe, sendo o ponto B o local onde estão os barcos.

Analisando agora as frases apresentadas, usar-se-á a locução «ao longe», se se considerar que alguém observa o rosnar do cão que, por acaso, se situa ao longe, isto é, a uma certa distância.

«De longe» usar-se-á se se pretender dizer que o Bobi, de uma certa distância (eventualmente a salvo de que lhe pudesse fazer mal, ou deslocando-se em direção a quem o estava a insultar), começou a rosnar.

Nota: Por vontade da consultora, mantém-se a ortografia conforme o Acordo Ortográfico de 1945.

Pergunta:

Gostava de saber qual a diferença de aventureiro e de aventuroso.

Obrigado.

Resposta:

Embora com um significado próximo, as palavras aventureiro e aventuroso não são propriamente sinónimas; não se podem usar indiferentemente.

Aventureiro é um adjetivo formado do substantivo aventura e que significa «que comete ação arriscada», «temerário», «arriscado», «incerto», «contingente».

Aventureiro também existe como substantivo com o significado genérico de «aquele que procura aventuras». Começou por designar «cavaleiro que andava buscando aventuras pelo mundo e de que tratam os livros de cavalaria» e «o que vai servir em guerra a príncipe estrangeiro, para fazer fortuna», passando a significar «homem sem estabelecimento fixo, que busca pelo mundo o seu viver, servindo a quem lhe paga, em paz ou em guerra»; e, em sentido figurado, «o que vaga, buscando fortuna ou modo de vida, entregando-se à sorte, ao acaso». Atualmente, esta palavra é normalmente usada com o significado de «quem se compraz em aventuras, a elas se expõe ou as procura», «aquele que é atraído pelo incerto, pelo perigo, e propenso a se envolver em empresas arriscadas» e «aquele que não tem meios de vida estáveis e vive de expedientes, de golpes, ou confia tudo à sorte». Esta palavra está registada em textos portugueses desde o século XVI.

Aventuroso é um adjetivo que significa «que se aventura», «que passa por aventuras», «que gosta de viajar por terras curiosas e pouco conhecidas», «que procura o inesperado, o invulgar», «ousado», «corajoso», «valente», «arrojado», «audaz» (relativamente a pessoas); «perigoso», «arriscado» (relativamente a empreendimentos). Também é usado com o significado de «propenso a aventuras amorosas»; «feliz», «aventurado», «venturoso».

Este adjetivo está registado em textos portugueses desde o século XIV.

Em síntese, a palavra aventuroso caracteriza o indivíduo ou a situação que têm, na essência, a audácia, o risco, enquanto a palavra aventureiro caracteriza ou designa os que têm ...

Pergunta:

Gostaria de um comentário a estes exemplos, retirados de um jornal:

«82,5% defende cortes nas despesa em vez de aumentos de impostos… [sem vírgula…]

«81,5% não aprova a acção deste governo.» [Em ambos os caso, estava implícito “dos inquiridos”, “dos portugueses”.]

«PS à frente nas intenções da amostra de voto. 81,5 % da amostra “desprova” acção do governo.»

«…. No barómetro “i”/Pitagórica, realizado já depois de serem conhecidas as linhas gerais do documento Gaspar,, 81,5% dos inquiridos “desaprova” a forma como o executivo está a governar o país.»

«…Numa escala de 0 a 20, 29% dos inquiridos avaliam o governo na faixa entre os 8 e os 14 pontos. Apenas 10,2% dos inquiridos se aproximam da avaliação entusiástica (na escala, entre os 15 e os 20).»

«82,1% prefere que o governo corte na despesa pública em vez de  de aumentar impostos.» [implícito: dos inquiridos.]

Resposta:

As frases correctas são:

1.ª «82,5% [dos inquiridos] defendem cortes nas despesas, em vez de aumentos de impostos…»  — O verbo vai para o plural e deve haver vírgula antes da locução «em vez de».

2.ª  «81,5% [dos portugueses] não aprovam a acção deste governo.»

3.ª «Numa escala de 0 a 20, 29% dos inquiridos avaliam o governo na faixa entre os 8 e os 14 pontos. Apenas 10,2% dos inquiridos se aproximam da avaliação entusiástica (na escala, entre os 15 e os 20).»

4.ª «PS à frente nas intenções da amostra de voto. 81,5 % da amostra desaprova a acção do governo.»

Observamos que, embora o símbolo de percentagem seja sempre um plural (82,5, 81,5, 29 e 81,5), nas três primeiras frases, o verbo vai para o plural, enquanto na última vai para o singular. Porquê?

A regra é a seguinte: quando o sujeito é composto por uma expressão de percentagem seguida de um termo preposicionado,  o predicado concorda com esse termo preposicionado, indo, pois, para a 3.ª pessoa do singular se esse termo for singular (81,5% da amostra), e para a 3.ª pessoa do plural se esse termo estiver no plural (82,5% dos inquiridos, 81,5% dos portugueses, 29% dos inquiridos). Exemplos:

«Pensa-se que 24% dos estudantes usam o computador em trabalhos escolares.»

«Pensa-se que 24% da população estudantil

Pergunta:

«Joana Marques Vidal é a primeira mulher a ocupar o lugar de procurador-geral da República em Portugal», ou «Joana Marques Vidal é a primeira mulher a ocupar o lugar de procuradora-geral da República»?

E, sendo o cargo masculino, é «Joana Marques Vidal, o novo procurador-geral da República», ou «Joana Marques Vidal, a nova procuradora-geral da República»?

Por exemplo, na página da Procuradoria-Geral da República, lê-se o seguinte: «A Procuradora-Geral Adjunta Dra. Joana Marques Vidal tomou posse como Procurador-Geral da República em 12 de Outubro de 2012.» Tomou posse como Procurador-Geral, ou como Procuradora-Geral?

Resposta:

A magistrada Joana Marques Vidal foi empossada como procuradora-geral da República. Este termo tem masculino e feminino, tal como a palavra principal que o compõe: procuradorprocuradora. Assim, está correta a expressão: «Joana Marques Vidal, a nova procuradora-geral da República».

No entanto, se nos quisermos referir ao cargo, a designação de um cargo tem, na língua portuguesa, o género masculino, visto o masculino ser o género de referência na gramática portuguesa. Assim, está correta a construção «Joana Marques Vidal é a primeira mulher a ocupar o lugar de procurador-geral da República em Portugal».

Mas esse cargo só tem designação masculina se não estiver diretamente ligado à sua titular, pelo que será de evitar a frase «A procuradora-geral adjunta Joana Marques Vidal tomou posse como procurador-geral da República». Efetivamente, se a referência à titular preceder a designação, se já se souber quem é, na realidade, a titular do cargo, e se é a pessoa que está a ser caracterizada (e não o cargo), o termo deverá ir para o feminino, perdendo a neutralidade. Exemplos: «A procuradora-geral adjunta Joana Marques Vidal tomou posse como procuradora-geral da República.» «A magistrada Joana Marques Vidal desempenha as funções de procuradora-geral da República.»

Em suma, se a titular do cargo for uma mulher, a designação do mesmo só fica no masculino nos casos mais raros em que se está a falar do cargo, da ocupação de um cargo ou de um lugar, e não especificamente da mulher em causa. Exemplos: «O cargo de procurador-geral da República é agora desempenhado pela mag...

Pergunta:

Embora haja uma anterior resposta sobre a regência do verbo parecer, continuo com a dúvida. Devo dizer «Não és nada parecido com o teu irmão» ou «Não és nada parecido ao teu irmão»?

Resposta:

O adjetivo parecido é utilizado com a preposição com: «Não és nada parecido com o teu irmão.» A preposição que introduz os complementos dos verbos, dos adjetivos e dos substantivos da mesma família é normalmente a mesma: parecer-se com, ser parecido comter parecenças com.