Maria Regina Rocha - Ciberdúvidas da Língua Portuguesa
 
Textos publicados pela autora

Pergunta:

Popularmente diz-se «Quem tem boca vai a Roma», quando a forma correta seria: «quem tem boca vaia Roma.»

Considerando ser a segunda forma a correta, qual é a explicação de «vaia Roma»?

Agradecida pela colaboração.

Resposta:

A consulente começa por afirmar que a conhecida sentença «Quem tem boca vai a Roma» está incorrecta e que a frase correcta seria «Quem tem boca vaia Roma». Depois, pede a explicação da última frase.

A minha resposta vai, assim, conter um comentário sobre a eventual “correcção” das frases e a respectiva explicação.

Quanto à “correcção”, é óbvio que ambas as frases estão correctas. Agora, qual é a frase original? Os dados que tenho apontam no sentido de a frase original ser «Quem tem boca vai a Roma».

Desconheço em que é que a consulente se fundamenta para dizer que é a outra.

Considero que a primeira frase deverá ser a original por cinco motivos, que passo a enunciar.

1. É assim que ela está registada em obras de referência como, por exemplo, o Dicionário de Máximas, Adágios e Provérbios, de Jayme Rebelo Hespanha (1936), a Grande Enciclopédia Portuguesa e Brasileira (1948), o Grande Dicionário da Língua Portuguesa de António de Morais Silva (1949 a 1959), o Livro dos Provérbios Portugueses, da Editorial Presença (1999), o Dicionário de Provérbios, Adágios, Ditados, Máximas, Aforismos e Frases Feitas, da Porto Editora (2000).

2. Este provérbio tem variantes, o que demonstra a vitalidade da ideia aí defendida: «Quem tem língua vai a Roma»; «Quem língua tem a Roma vai e de Roma vem»; «Quem tem língua a Roma vai e vem».

3. Roma entrou no adagiário por causa da sua importância, do seu valor, do seu mérito, e não por aspectos negativos: «Roma locuta est...

Pergunta:

Que significa o provérbio «Mais vale um pássaro na mão que dois voando»?

Resposta:

No provérbio «Mais vale um pássaro na mão do que dois a voar», faz-se uma comparação entre o valor de um pássaro e o de dois. Em princípio, dois pássaros valem mais do que um, valem o dobro, como é lógico. Mas, se alguém tiver de escolher entre um pássaro que já tem preso na mão e a possibilidade de apanhar dois que ainda estão a voar, aconselha a prudência que escolha ficar com o que já possui (embora de menor valor) e não o entregue em troca da possibilidade de apanhar ou de caçar os dois que estão a voar, pois isso é incerto.

Deixando o significado literal e passando para a interpretação, para o que se pretende dizer, está aqui valorizado o seguro em relação ao inseguro, a segurança, a certeza em relação à incerteza, o facto em relação à hipótese, a realidade em relação à promessa. Com este provérbio pretende dizer-se que vale mais o que está seguro na nossa mão, embora de menor valor, do que algo melhor, mas que não é seguro e que pode ser apenas uma mera hipótese, um desejo não realizado: assim, não devemos trocar o certo pelo incerto.

Este provérbio pode ser utilizado em diversas situações. Três exemplos:

(1) Alguém que prefere ter o seu dinheiro numa conta que lhe dá um juro mais baixo mas certo, em vez de o aplicar em acções que podem valorizar o dobro, mas que também podem baixar (sendo incerto, portanto, o que acontecerá), poderá dizer que «mais vale um pássaro na mão do que dois a voar».

(2) Alguém que vende um apartamento por um valor que não era bem o que desejava, em vez de esperar que o mercado evolua positivamente, poderá dizer que «mais vale um pássaro na mão do que dois a voar». É que o mercado pode evoluir positivamente, mas também pode evoluir negativamente. O futuro é algo incerto.

(3) Alguém que prefere um emprego de remuneração ma...

Pergunta:

Gostava que comentassem esta frase (in Público de 17/07/2007):

«Helena Roseta é dos cabeças de lista vencedores uma das que mais competências tem na área autárquica e urbanismo, foi presidente da Câmara de Cascais, é arquitecta de profissão e preside à respectiva ordem.»

Para além da deficiente pontuação, pergunto:

a) Helena Roseta é dos cabeças de lista ou das cabeças de lista? E cabeça de lista não devia escrever-se com hífenes (cabeça-de-lista), tal como cabeça-de-chave, cabeça-de-ponte, cabeça-de-vento, por exemplo?

b) «…uma das que mais competências tem», ou «…uma das que mais competências têm»?

Muito agradecido.

Resposta:

Por vezes, as frases estão construídas de tal modo, que não se adequam bem ao que se pretende dizer. É o caso desta, não só pelas incorrecções detectadas como pela estrutura escolhida. Assim, em primeiro lugar, vou reescrever a frase mantendo a estrutura e fazendo o mínimo de alterações; depois, justifico as opções feitas a respeito da pontuação, do termo cabeça-de-lista e da utilização do verbo ter no plural; finalmente, construo uma outra frase, que considero mais adequada ao que se pretende dizer.

1. Correcção da frase

«Helena Roseta é, dos cabeças-de-lista vencedores, um dos que mais competências têm na área autárquica e na do urbanismo: foi presidente da Câmara de Cascais, é arquitecta de profissão e preside à respectiva ordem.»

2. Justificação

2.1. Quanto à pontuação, as vírgulas agora utilizadas são exigidas para isolar o termo «dos cabeças-de-lista vencedores», que está intercalado entre o predicado «é» e o seu predicativo do sujeito «um dos que mais competências têm»; os dois pontos são necessários após a palavra «urbanismo», pois segue-se uma explicação, uma comprovação relativamente ao que fora dito.

2.2. O termo cabeça-de-lista já está dicionarizado com hífenes e é um substantivo comum de dois, ou seja, o artigo é que indica se se trata de uma mulher ou de um homem: o cabeça-de-lista, a cabeça-de-lista. No entanto, na frase em apreço, deverá usar-se o masculino plural, visto que a referência está feita a todos os cabeças-de-lista: ora, desde que um dos cabeças-de-lista fosse um homem, o termo teria de ser utilizado no masculino plural. Pela mesma ordem de ideias, deverá utilizar-se o indefinido «um», pois refere-se

Pergunta:

Gostaria de saber se é possível utilizar o plural da palavra telex, e nesse caso como se forma. Isto é, na expressão «O telex foi enviado pela Comissão Europeia ao Estado» pode passar-se o sujeito da passiva para o plural (os telexes?) ou deve reconstruir-se a frase, inexistindo plural da palavra telex?

Resposta:

A palavra telex tanto designa o sistema telegráfico que utiliza teleimpressores como a mensagem expedida ou recebida por esse meio.

Telex tem origem no inglês telex, abreviatura de teleprinter exchange (intercâmbio de teleimpressores), tendo sido aproveitadas as primeiras sílabas para a formação da nova palavra, e chegou ao português pelo francês télex.

Na frase que apresenta, é possível utilizar o plural da palavra, pois ela está a designar uma mensagem expedida ou recebida por meio de teleimpressores. O plural é telexes.

Pergunta:

Estou estudando sobre literatura e não estou entendendo muito bem o que é plurissignificação na literatura. Poderia me ajudar a entender?

Resposta:

Como verifiquei que nos escreve do Brasil, vou dar-lhe a explicação de acordo com o que Massaud Moisés refere na obra Dicionário de Termos Literários, citando Philip Wheelwright: a plurissignificação é uma característica da linguagem literária que consiste em um símbolo expressivo tender, em qualquer circunstância da sua realização, a conter mais do que uma referência legítima, de tal forma, que o seu sentido exacto se torna a tensão entre duas ou mais direcções da carga semântica.

Ou seja, em oposição ao discurso científico, que se caracteriza pela univalência dos signos, o texto literário (sobretudo o poético) tem um carácter ambíguo ou múltiplo, devido, naturalmente, ao facto de utilizar uma linguagem por excelência metafórica.