Maria Regina Rocha - Ciberdúvidas da Língua Portuguesa
 
Textos publicados pela autora

Pergunta:

Peço que me ajudem a esclarecer o que quer dizer a expressão que julgo ser arcaica e que é relevante para eu entender o sentido de um parágrafo inteiro de um texto que estou a estudar. A expressão é: «se tens pederneira forte, trabalha; senão, deixa-te disso!»

Obrigado.

Resposta:

Para a correcta compreensão do significado de uma expressão ou de uma frase, é necessário o contexto, que não foi referido. Assim, apenas me vou pronunciar sobre três possíveis significados da frase, com as reservas de que num determinado contexto pode ter uma leitura diferente.

Pederneira é o nome vulgar dado ao sílex, uma das variedades criptocristalinas do quartzo, de cor acastanhada, que se apresenta muitas vezes em concreções nodulosas ou achatadas, inclusas nos calcários. É chamada «pedra de ferir lume»: trata-se de uma pedra duríssima que produz faísca quando ferida por um fuzil, isto é, uma pedra de aço própria para se fazer lume na pederneira.

A palavra pederneira é, por vezes, utilizada na expressão «pessoa com coração de pederneira», que significa pessoa dura, insensível, indiferente ou cruel.

Na frase enviada, «pederneira forte» poderá querer dizer ânimo, resistência, força, capacidade de enfrentar uma situação difícil ou de ser duro em relação a algo. Também poderá querer dizer meios, possibilidades, recursos, ajudas, suporte, apoios que o sustentem numa determinada actuação ou iniciativa. Poderá ainda querer dizer um bom material, um bom recurso, algo à prova de qualquer agressão.

Assim, a frase poderá significar:

1)    «Se tens capacidade de enfrentar o que vais encontrar, trabalha nesse sentido; se não tiveres esse ânimo firme ou essa rudeza de carácter, então, o melhor é deixares-te disso»;
2)    «Se tens meios, recursos, algo em que te baseies ou que sustente o que vais fazer, continua; se não tens um apoio firme, então, o melhor é não te meteres nisso»;
3)    «Se tens um bom material, um recurso a toda a prova, se aquilo com que vais trabalhar é segur...

Pergunta:

Será possível esclarecerem o significado da expressão «ter brasileiro em casa», que parece ter sentido depreciativo? Deparei-me com ela num texto de Camilo Castelo Branco.

Muito obrigado!

Resposta:

Com as reservas de se tratar de uma expressão descontextualizada, «ter brasileiro em casa» poderá querer dizer «estar rico». No século XIX, brasileiro era a designação dada ao português que ia para o Brasil e regressava anos depois com desafogo económico, muitas vezes fazendo uma bela casa na sua terra natal, fruto do dinheiro que ganhara.

A palavra brasileiro, no século XIX, era associada ao dinheiro ganho no Brasil e, por vezes, a um esbanjamento de novo-riquismo. Assim, a pergunta «tens brasileiro em casa?» poderá ser irónica e conter uma crítica a manifestações de riqueza ou a dinheiro mal gasto.

Pergunta:

Gostaria de saber qual o significado do seguinte provérbio: «Não é por muito madrugar que amanhece mais cedo.»

Obrigada pela colaboração.

Resposta:

Esta pergunta fez-me lembrar um episódio que se passou comigo há 25 anos, em Coimbra. Entrei numa loja da baixa perto das 7 horas da tarde, quase a fechar, e, em 10 minutos, olhei, vi, provei e comprei um vestido de um preço significativo. Na loja estavam apenas a proprietária, a empregada e eu, única cliente no momento. Ao sair do estabelecimento, ouvi a dona comentar para a empregada: «Está a ver? Não é por muito madrugar que amanhece mais cedo.»

Queria a senhora certamente dizer que teriam feito pouco negócio durante o dia, tendo apenas naquele momento, quase ao fechar da porta, vendido uma peça de valor.

Se analisarmos o provérbio, verificamos que, literalmente, ele significa o seguinte: as pessoas podem levantar-se muito cedo, de madrugada, mas não é por isso que o dia vai amanhecer antes do previsto; dito de outro modo, o dia amanhece a uma determinada hora, independentemente de as pessoas se levantarem. O levantar está associado ao nascer do dia, ao nascer do Sol, mas não é o facto de as pessoas se levantarem que faz com que o Sol nasça antes, com que amanheça mais cedo, pois as pessoas não interferem no amanhecer.

Ora, o amanhecer simboliza um bom acontecimento. No provérbio, pretende, assim, dizer-se que, muitas vezes, não está na nossa mão a possibilidade de fazer com que algo de bom aconteça. Pode até ser que uma pessoa faça todos os esforços para que algo de bom aconteça, e tal não se verifique, porque os bons acontecimentos não dependem só da vontade e do esforço de quem os deseja.

O gerúndio é uma forma verbal terminada em -ndo — cantando, dizendo, partindo, pondo —,  invariável, e que provém do latim. Utiliza-se em várias situações, ora exprimindo o modo, ora integrada na conjugação perifrástica.

Exemplos do emprego do gerúndio na expressão de modo:

Pergunta:

Tem-se verificado o uso da expressão «armas de destruição maciça» enquanto penso que a expressão correcta deveria ser «armas de destruição massiva».

O que acha?

Resposta:

Deverá dizer-se sempre «armas de destruição maciça», e não “massiva”.

O termo português correspondente ao francês massif e ao inglês massive é, sempre foi — registado nos mais diversos dicionários de há séculos —, maciço, que significa «compacto», «sólido», «robusto», «qualidade de quantidade de coisas muito chegadas, muito apertadas», «basto», «cerrado», «qualidade daquilo que existe em grande quantidade».

Quando se começou a falar de armas de destruição que têm um terrível efeito devastador (nucleares ou químicas, por exemplo), aplicou-se a essa destruição o adjectivo maciça: «destruição maciça» («cerrada, densa, que atinge tudo, inclusivamente grandes massas de pessoas»). Como em inglês maciça se diz massive e em francês também massive (feminino de massif), em português recentemente começou a ouvir-se o termo "massiva", tradução literal de uma palavra estrangeira cuja correspondência já existia em português, ou seja, uma palavra desnecessária.

 

N.E. (25/02/2021) – Até meados do século XX e mesmo depois, entre autores normativos, condenava-se o adjetivo massivo, considerado «galicismo grosseiro», como dizia, por exemplo, Vasco Botelho de Amaral (Grande Dicionário de Subtilezas e Dificuldades do ...