Maria João Matos - Ciberdúvidas da Língua Portuguesa
Maria João Matos
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Maria João Matos, professora de Português do ensino secundário, licenciada em Filologia Românica pela Faculdade de Letras da Universidade Clássica de Lisboa.

 
Textos publicados pela autora

Pergunta:

Deve usar-se pontuação a seguir a uma citação que no final do seu período já contenha pontuação?

Exemplo:

«De quem é aquele cão?», perguntou a mãe do Pedro.

ou

«De quem é aquele cão?» perguntou a mãe do Pedro.

Muito obrigada.

Resposta:

O uso da vírgula a separar a fala do discurso directo da do indirecto está correcto, desde que o sinal de pontuação com que a frase termina não seja o ponto final. Admite-se o uso de vírgula a seguir a um ponto de interrogação, de exclamação ou de reticências.

Em vez da vírgula também se pode utilizar, com a mesma função, um travessão:

«De quem é aquele cão?» perguntou a mãe do Pedro.

Como é sabido, as línguas têm aquilo a que chamamos de “falsos amigos”. Pela semelhança que alguns vocábulos de uma língua apresentam com outra, há a tendência para os associar de imediato, considerando que significam a mesma coisa. Quando estudamos uma língua estrangeira, isso acontece com frequência.

Pergunta:

Qual a origem e significado do apelido Tubal (sem acento, com acento tónico na última sílaba)?

Obrigada.

Resposta:

Nada se sabe sobre o apelido em questão. José Pedro Machado, no Dicionário Onomástico Etimológico da Língua Portuguesa, regista as formas Tobal e Túbal como apelidos, mas não chega a nenhuma conclusão:

«Túbal, apel[ido] [...]. É o mesmo que Túbal [mítico fundador de Setúbal]? É o mesmo que Tobal, apel[ido] [...]? Neste caso a acentuação será aguda.»

Pergunta:

Qual é a palavra correcta a utilizar, com ou por, por exemplo, nestes casos:

«– Ele é muito despassarado – disse ela secamente.

– O que queres dizer com isso? – pergunta-lhe Alexandre com ar de quem realmente não entendeu.

– Com despassarado quero dizer distraído, vago – retorquiu ela claramente irritada – não dá conta dos recados, é o que é.»

«– Ele é muito despassarado – disse ela secamente.

– O que queres dizer com isso? – pergunta-lhe Alexandre com ar de quem realmente não entendeu.

– Por despassarado quero dizer distraído, vago – retorquiu ela claramente irritada – não dá conta dos recados, é o que é.»

Para mim, usar por nesta situação não é correcto, mas tenho visto esta construção de frases vezes sem conta.

A minha dúvida sobre a utilização de com ou por prende-se talvez com o inglês, em que dizemos, por exemplo, «What do you mean by scatterbrained?»

Portanto, devemos usar com, ou por?

Muito grata.

Resposta:

O correcto é usar-se a preposição com, já incluída na própria pergunta: «O que queres dizer com isso?» A resposta, naturalmente, será: «Com isso quero dizer…» No texto apresentado, o pronome demonstrativo isso é substituído pelo nome (omitido) mais o adjectivo:

«com isso» = «com (o termo) despassarado» = «com despassarado».

Neste contexto, não faria sentido utilizar-se «por isso». A locução «querer dizer» poderá vir seguida da preposição por apenas quando esta faz parte de uma determinada expressão, como «por seu turno», «por bem», «por extenso», «por meio de…», etc.

Pergunta:

A abstracção, na gramática, é, pelo que até agora dela estudei, algo frequente.

As noções de vogal e consoante são disso um exemplo. Primeiro, há a noção de fonema: os sons elementares que, combinados de determinada maneira, formam os vocábulos. E é na forma como certos fonemas são produzidos pelos órgãos humanos que se chega às noções atrás mencionadas: as vogais são produzidas expelindo o ar, sem que este encontre qualquer obstrução à sua passagem pelo aparelho fonador; as consoantes já encontram algum tipo de obstrução. É, pois, abstraindo-nos das diferenças que definem este ou aquele fonema e encontrando uma propriedade (ou, eventualmente, mais propriedades) comum a alguns deles que podemos definir novas noções, abstractas — as noções de vogal e de consoante.

Escrevo isto tudo, não para dar lições, mas para colocar uma questão e verificar se percebi bem os métodos da gramática.

A minha dúvida é — chegando ao que interessa — sobre as classes de palavras.

Se bem percebi, as dez classes de palavras são também resultado de uma abstracção. Para justificar a definição de tal noção, penso assim: na língua existe uma imensidade de palavras; os linguistas, ao percorrerem o léxico de uma língua, deram-se conta de que havia algumas delas que serviam para nomear pessoas, coisas, animais, ideias e concluíram que fazia sentido, para efeitos do conhecimento da língua e dessas palavras, apor-lhes uma mesma etiqueta: o substantivo; percorreram outras palavras e concluíram que algumas delas, para lá de aspectos que as diferenciam, convergiam na função que desempenhavam: por exemplo, o adjectivo, que serve para caracterizar o substantivo. E, no fim do caminho pelo léxico da língua, encontraram dez tipos de palavras que, no que à função a desempenhar diz respeito, convergiam.

Resposta:

Há necessariamente um certo grau de abstracção, quer no estabelecimento das classes gramaticais, quer na sua definição, pelo que a matéria se torna por vezes pouco acessível. A melhor forma de fugir à abstracção é através dos exemplos. Os dicionários podem ser uma ferramenta muito útil, pois, para além do significado das palavras, indicam as classes gramaticais e também apresentam exemplos.

Para a identificação da classe da palavra, muitas vezes o contexto é essencial. É o caso, por exemplo, da pequena palavra a, à qual correspondem três classes gramaticais: artigo, preposição e pronome. Também muitas palavras podem ser verbo ou nome, e só o contexto permite fazer essa distinção. É o que acontece com a palavra rubrica.

As classes gramaticais permitem entender melhor a forma como a língua está estruturada. São um instrumento de reflexão sobre a língua. Num nível mais elaborado, juntamente com as funções sintácticas, são uma ferramenta indispensável para explicar determinadas construções. Mas só o estudo, o treino, a reflexão permitem lidar com elas com relativo à-vontade.

Os textos relacionados que seleccionámos poderão ajudá-lo a compreender melhor esta matéria. De qualquer forma, mais importante do que dominar os conceitos gramaticais, é o domínio da leitura e da escrita, que requerem também muita prática. E, desde já, os nossos parabéns pelo seu interesse pela língua portuguesa!

Cf.: Classes de palavras