Maria João Matos - Ciberdúvidas da Língua Portuguesa
Maria João Matos
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Maria João Matos, professora de Português do ensino secundário, licenciada em Filologia Românica pela Faculdade de Letras da Universidade Clássica de Lisboa.

 
Textos publicados pela autora

Pergunta:

A dúvida é se posso dizer que uma partida de futebol está empatando mesmo estando em 0 a 0. Exemplifico com a própria situação que me motivou a dúvida:

Estava assistindo a uma partida de futebol quando minha namorada questionou o placar. Respondi que o meu time estava empatando, mas ela reclamou que a partida não poderia estar empatando porque estava em 0 a 0 e se estava empatando teria que estar 1 a 1 e um dos dois times ter acabado de empatar.

Obrigado pelo grande serviço prestado e único.

Resposta:

Há empate sempre que o número de golos é o mesmo para cada equipa, quer seja 0-0, quer seja 1-1, pois ambas são situações em que não há vencedor em jogo. Mas, nesse caso, entendemos que «o jogo está empatado» e não que «o jogo está empatando»… Se disser que a sua equipa «está empatando», está apenas a referir-se ao momento exacto em que o empate acontece e, possivelmente, não é isso que pretende significar… Quando muito, se uma das equipas mete golo, e o jogo fica empatado, poderá dizer que «as equipas acabaram de empatar».

 

O verbo empatar indica uma acção que dura apenas um instante, não indica uma acção que se prolonga no tempo, como acontece, por exemplo, com o verbo assistir: «estou assistindo a uma partida de futebol». Deverá, pois, usar o verbo empatar no particípio passado (empatado) e não no gerúndio (empatando).

Pergunta:

A palavra assiduidade, no dicionário, apresenta-se escrita sem acentuação, mas no entanto a fonética da mesma, nomeadamente no ditongo ui, pronuncia-se como "uí". A minha pergunta é se a mesma não devia ser escrita como "assiduídade", ou pronunciada como "a- ssi - dui - da - de" e não "a- ssi -du - í -da - de".

Não sei se fui claro na exposição da minha dúvida, dado a mesma estar relacionada com a fonética.

Desde já grato pela atenção.

Resposta:

O acento agudo tem, por vezes, a função de separar duas vogais que sem ele formariam ditongo. É o caso de juíza, proíbe, saía, país, etc. Mas, atenção: a palavra só pode levar acento se este estiver em sílaba tónica, caso contrário transgride-se uma regra fundamental de acentuação, que é a de o acento (agudo ou circunflexo) servir para assinalar a sílaba tónica. Escrevemos, por exemplo, proíbe mas proibido, apesar de, em qualquer dos casos, as letras o-i se pronunciarem separadas.

Assim, como a palavra assiduidade é grave (a sílaba tónica é a penúltima), o hiato ui, que envolve sílabas átonas, não pode receber acento gráfico.

A título de curiosidade, refira-se que o trema, abolido em Portugal em 1911, e agora no Brasil com o Acordo Ortográfico de 1990, tinha precisamente a função de indicar que a letra sobre a qual recaía se pronunciava isoladamente. Por exemplo, escrevia-se saüdade, em vez de saudade; freqüente, e não frequente.

Pergunta:

Já há algum tempo que me deparo com esta dúvida: a expressão «até que enfim» é seguida de «que», ou não? Utilizando uma frase de exemplo: «Até que enfim que apareceu alguém!», ou «Até que enfim apareceu alguém!»?

Muito obrigado.

Resposta:

Embora frequentemente ouçamos a primeira forma, é a segunda que está correcta: «Até que enfim apareceu alguém!» É assim que o emprego desta locução adverbial vem atestado no Dicionário da Língua Portuguesa Contemporânea: «até que enfim/encontraram a solução». O seu uso, como podemos verificar no Corpus do Português, é também abonado por muitos escritores portugueses. Por exemplo:

 

«Ora até que enfim te vejo sorrir», in Tal e Qual o Que Era, de David Mourão-Ferreira

 

«… até que enfim elas vieram», in A Via Sinuosa, de Aquilino Ribeiro

Pergunta:

No regulamento interno da escola onde lecciono aparece a seguinte sentença:

«... não tem um número de presenças igual ou superior a metade dos tempos dados.»

A minha dúvida é na utilização de à ao invés de a, uma vez que em «... O meu carro tem um número de cilindros igual ou superior ao carro do João» emprega-se a preposição a e o artigo definido o.

Resposta:

A expressão corrente, no português de Portugal, é «superior a metade», em que a é uma preposição  simples. Já na segunda frase, a preposição a contrai-se com o artigo o («superior ao carro», ao = a + o).

 

O nome metade utiliza-se habitualmente sem artigo («ele tem metade da tua idade»; «cada um comeu metade do bolo»; «comprei o bilhete por metade do preço»), e o mesmo acontece com a expressão «superior a metade». No segundo exemplo, a expressão vem seguida de determinante e nome («o carro»), pelo que a preposição se contrai com o artigo («superior ao carro»).

 

Nota:  Em rigor, a frase deveria ser: «... O meu carro tem um número de cilindros igual ou superior ao do carro do João.»  Neste caso, a preposição a contrai-se com o pronome demonstrativo o, que está em vez de «o número de cilindros».

Pergunta:

Gostaria de esclarecer uma dúvida que surgiu em um debate sobre as famosas vírgulas. Na frase: «Alunos, nessa aula, falaremos sobre a importância da Língua Portuguesa.»

Nossa dúvida é se depois da palavra aula a vírgula é obrigatória. Acreditamos tratar-se de um adjunto adverbial deslocado.

Resposta:

A primeira vírgula, depois do vocativo, é obrigatória. Quanto ao modificador «nessa aula», poderá ficar entre vírgulas apenas se se pretender realçá-lo. Caso contrário, não se deve usar vírgula, por se tratar de um adjunto adverbial ligado directamente à forma verbal («nessa aula falaremos»). A colocação da vírgula quebraria a continuidade da ideia. 

Este procedimento aplica-se, geralmente, aos advérbios de tempo e de lugar (ou expressões adverbiais) colocados antes do verbo, por estarem directamente ligados ao predicado. Exemplos: 

«Alunos, aí falaremos sobre a importância da Língua Portuguesa.» 

«Alunos, agora falaremos sobre a importância da Língua Portuguesa.» 

Note-se que a vírgula a seguir a um elemento deslocado serve ou para o realçar, ou para dar maior clareza à frase e prevenir equívocos. Não se trata, no entanto, de uma regra taxativa, que não admite excepções.