Maria João Matos - Ciberdúvidas da Língua Portuguesa
Maria João Matos
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Maria João Matos, professora de Português do ensino secundário, licenciada em Filologia Românica pela Faculdade de Letras da Universidade Clássica de Lisboa.

 
Textos publicados pela autora

Pergunta:

Poder-me-iam-dizer se a expressão «para além de» é um articulador do discurso?

Resposta:

Sim, pode considerar-se um articulador do discurso que serve para reforçar uma ideia (adição), à semelhança de «além de» e «além disso».

Os articuladores do discurso, também chamados conectores, são as conjunções ou locuções conjuncionais, às quais se acrescentaram outras classes gramaticais ou expressões que ajudam a dar coesão ao discurso.

É com alguma perplexidade que nos apercebemos de formas de pronúncia de palavras impensáveis de ouvir há alguns anos.

A propósito do caso Face Oculta, escutámos, tanto na rádio como na televisão portuguesas, a pronúncia do apelido Noronha (de Noronha do Nascimento) com o fechado na primeira sílaba, em vez de u. Ou seja, ouve-se /Nôrônha/ em vez de /Nurônha/, como sempre se ouviu dizer.

Pergunta:

Tenho dúvidas em relação ao verbo gozar.

«Sentia-se melhor, gozando a frescura matinal...»

Pensando na parcela «gozando a frescura matinal», não sei se a frase ficaria bem construída. Limito-me a utilizar gozar, verbo intransitivo, tal como utilizaria o verbo transitivo apreciar. Está correcto?

Resposta:

Sim, a frase está correcta: o verbo gozar, neste contexto, é sinónimo de apreciar, usufruir de. Apenas um reparo: o verbo gozar também é transitivo directo, à semelhança de apreciar, uma vez que «a frescura matinal» é sempre complemento directo, quer com um verbo quer com o outro.

O verbo gozar pode ainda ser transitivo indirecto («gozar de boa saúde»), intransitivo («os nobres não trabalhavam, só gozavam») e pronominal («gozei-me de bons ares») — cf. Dicionário Houaiss.

Pergunta:

Gostaria de saber se a palavra "transático(a)" existe mesmo, no que se refere a alguém em transe (estado transático) ou fã de trance music, pois já não é a primeira vez que tal oiço, soa-me mal e não encontro a palavra dicionarizada.

Obrigado mais uma vez.

Resposta:

De facto, a palavra não aparece em nenhum dicionário consultado, português ou brasileiro, nem tampouco nos dicionários em linha. Consegui encontrar o termo apenas num ou noutro texto na Internet, ao inseri-la no motor de busca Google

Em português de Portugal utilizam-se expressões como «estado de transe», «entrar em transe», «sentir-se em transe», para designar um «estado particular de êxtase». O termo transe relaciona-se com o verbo transir, que significa «penetrar», «repassar». O particípio passado deste verbo é transido, e aplica-se especialmente a sensações muito fortes de medo, dor ou frio: «transido de medo», «transido de dor», «transido de frio».

Uma vez que o termo “transático” lhe soa mal, o melhor mesmo é não o utilizar, prestando dessa forma um bom serviço à língua portuguesa.

Pergunta:

Por que razão deve escrever-se maré-cheia (resposta 22616) e maré alta (resposta 23506)? Acrescento que nem todos os dicionários estão de acordo com estas opções, tal como, de resto, com muitas outras que envolvem o emprego do hífen.

Obrigado.

Resposta:

De facto, não há consenso entre os dicionários consultados. No Dicionário da Língua Portuguesa Contemporânea, da Academia das Ciências de Lisboa, encontram-se as formas maré alta e maré cheia, sem hífen, a par de outras expressões, como maré baixa, maré crescente, maré decrescente, maré negra, maré oposta, maré vazia, maré viva, etc. Já o dicionário brasileiro Houaiss regista maré-cheia (com hífen), sinónimo de maré alta (sem hífen). As demais expressões, neste dicionário, surgem sem hífen: maré alta, maré baixa, maré atmosférica, maré crescente, maré descendente, etc.1

Emprega-se o hífen quando os termos unidos por esse sinal gráfico constituem uma unidade de sentido e formam um novo vocábulo, composto pelos dois termos que o originam (por exemplo, preia-mar, baixa-mar), e que por vezes se aglutinam, como em girassol.

A diferença verificada nas expressões em apreço (maré cheia/maré-cheia) deve-se, possivelmente, a uma diferente interpretação na aplicação da regra de uso do hífen, conforme se considere cheia um adjectivo qualificativo do substantivo maré (maré cheia) ou se considere o conjunto como um todo (maré-cheia, substantivo feminino).

Por uma questão de coerência, parece-me preferível o critério adoptado pelo Dicionário da Língua Portuguesa Contemporân...