Maria João Matos - Ciberdúvidas da Língua Portuguesa
Maria João Matos
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Maria João Matos, professora de Português do ensino secundário, licenciada em Filologia Românica pela Faculdade de Letras da Universidade Clássica de Lisboa.

 
Textos publicados pela autora

Pergunta:

Gostaria de saber se em português é correcto o gerúndio substituir um pronome relativo. É possível dizer «Pegou fogo ao armazém, provocando um grande alvoroço» significando «Pegou fogo ao armazém, o que provocou um grande alvoroço»?

Vi algumas respostas suas acerca do gerúndio, mas não encontrei exactamente o que procurava.

Obrigado.

Resposta:

O emprego do gerúndio — posposto à oração subordinante e indicando uma acção posterior — está correcto. A expressão «provocando um grande alvoroço» constitui uma oração reduzida de gerúndio, que pode ser substituída por uma oração equivalente desenvolvida.

A transformação da oração reduzida numa desenvolvida apresenta mais do que uma hipótese: 

Hipótese 1 — oração coordenada copulativa:
«Pegou fogo ao armazém, e provocou um grande alvoroço
Hipótese 2 — oração subordinada adverbial consecutiva:
«Pegou fogo ao armazém, de modo que provocou um grande alvoroço
Hipótese 3 — oração subordinada adjectiva relativa:
«Pegou fogo ao armazém, o (= coisa, facto) que provocou um grande alvoroço
 

A formulação apresentada pelo consulente está, pois, correcta.

Pergunta:

Hoje encontrei à venda numa livraria uma gramática da Impala onde constava que havia as seguintes pessoas gramaticais: 1.ª pessoa gramatical, 2.ª pessoa gramatical, 3.ª pessoa gramatical, 4.ª pessoa gramatical, 5.ª pessoa gramatical e 6.ª pessoa gramatical. Foi a primeira vez na vida que vi uma coisa destas. Será que pode ser?

Resposta:

Trata-se de um erro. Em português distinguem-se três pessoas gramaticais, variando cada uma delas em número:

a) A primeira é aquela que fala e corresponde aos pronomes pessoais eu, no singular, e nós, no plural.

b) A segunda é aquela a quem se fala e corresponde aos pronomes pessoais tu, no singular, e vós, no plural.

c) A terceira é aquela de quem se fala e corresponde aos pronomes pessoais ele, ela, no singular, e eles, elas, no plural.

Pergunta:

A frase «Por amar a natureza, preservamos a vida» pode ser considerada versão estendida do gerúndio presente na frase: «Amando a natureza, preservamos a vida»?

Resposta:

O gerúndio traduz uma acção simultânea de outra: «Amando [ao amar] a natureza, preservamos a vida.» 

Já na sua primeira frase, está implícita uma relação de causa: «Por amar [porque amamos] a natureza, preservamos a vida.» 

Trata-se, pois, de duas construções diferentes, com significados, embora muito próximos, também diferentes. Já a expressão «ao amar» é equivalente ao gerúndio, «amando».

Pergunta:

Não sei bem qual a diferença entre compota e doce (ex.: «doce de tomate»). Parece-me que as pessoas usam os dois termos indiscriminadamente, mas sei que há seguramente uma diferença. Podem, por favor, esclarecer-me?

Fico muito grata.

Resposta:

Frequentemente usados como sinónimos, há, de facto, distinção entre os termos compota e doce, embora a diferença não seja óbvia, mesmo nos livros da especialidade.

O Livro de Pantagruel distingue entre «conservas de compotas» e «doces para conservar». Na confecção das conservas de compotas, utiliza-se a fruta crua ou com uma «leve cozedura prévia» — depende do tipo de fruta —, que se guarda em frascos devidamente esterilizados e se cobre com uma calda feita a partir de açúcar e água. Depois desta operação, colocam-se as borrachas, as tampas e as molas de arame, e os frascos são metidos numa panela e fervidos de novo, a fim de se completar o processo de esterilização e, desta forma, assegurar que a fruta não se estrague.

Os «doces para conservar» são, segundo a obra citada, «os autênticos doces de família, os que vieram de mães para filhas ao longo de gerações e gerações». Nestes, a fruta, depois de convenientemente preparada, é cozinhada juntamente com o açúcar. O preparado deverá cozer em lume brando, até que o açúcar atinja o ponto pretendido. A fruta é por vezes batida ou triturada.

Em suma, as compotas têm uma consistência mais fluida, o processo de preparação é mais rápido, e geralmente a fruta encontra-se inteira ou em pedaços. Os doces têm uma consistência mais espessa, são de preparação mais elaborada e apresentam-se muitas vezes sob a forma de puré. Na confecção destes preparados, utiliza-se, como é sabido, não apenas fruta, mas também legumes, como a cenoura.

Pergunta:

Antes de mais nada, gostava de dar os meus parabéns à equipa do Ciberdúvidas pela criação deste sítio. É excepcional!

A dúvida que gostava de expor ao Ciberdúvidas reside na colocação do advérbio também. Agradeceria que comentassem a sua colocação nas frases seguintes:

a) «Eu também fui a Vila Real.»

b) «Também eu fui a Vila Real.»

c) «Eu fui também a Vila Real.»

d) «Eu fui a Vila Real também.»

Empiricamente, uso a alínea a), mas encontro muitas pessoas a usarem a alínea b) e algumas a usarem a d). Como fui ensinada a colocar alguns advérbios junto ao verbo, parto do princípio que a alínea c) também está correcta; no entanto nunca a uso, pois a frase não parece fluir tão bem como a a).

Agradeço desde já a atenção dada à minha questão.

Resposta:

Muito agradecemos as suas simpáticas palavras. Em relação às frases, estas apresentam uma subtil diferença de sentido:

  — Em a) infere-se que o sujeito também participou do acto de ir a Vila Real.

  — Em b) o sujeito enfatiza o facto de também ele ter ido a Vila Real.

  — Em c) e d), o advérbio encontra-se mais próximo do nome, parecendo estar implícita a deslocação a uma outra cidade e também a Vila Real. Por exemplo: «Ontem fui ao Porto e fui também a Vila Real/e fui a Vila Real também.»

Mas as diferenças são de facto ténues e só um contexto nos permitiria formular um melhor juízo. De qualquer forma, são as frases em que o advérbio está junto à forma verbal — a), b) e c) — as mais agradáveis ao ouvido, e penso que também as mais usadas pelos falantes.