Maria Eugénia Alves - Ciberdúvidas da Língua Portuguesa
Maria Eugénia Alves
Maria Eugénia Alves
24K

Professora portuguesa, licenciada em Filologia Românica, pela Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa, com tese de mestrado sobre Eugénio de Andrade, na Universidade de Toulouse; classificadora das provas de exame nacional de Português, no Ensino Secundário. 

 
Textos publicados pela autora

Pergunta:

Gostaria de saber como pontuar frases do tipo: «Gosto de português/ não de matemática». Estou em dúvida se neste caso se aplica a regra pela qual utilizamos vírgula para marcar um termo elíptico (gosto) ficando a frase desta forma: «Gosto de português; não, de matemática». Ou se apenas é necessário o uso de uma vírgula separando as orações: «Gosto de português, não de matemática». Nesse segundo caso, se for correto, gostaria de saber a regra que se aplica. Outra dúvida é: se eu separar orações coordenadas com pontos, a união delas ainda continua sendo um período? Por exemplo: «Será uma vida nova. Começará hoje. Não haverá nada para trás.» Continua sendo um único período como em «Será uma vida nova, começará hoje, não haverá nada para trás.»?

Muito obrigado.

Resposta:

Temos aqui várias dúvidas que trataremos por pontos:

1. A frase «Gosto de português, não de matemática» contém, de facto, a ideia do termo elítico, isto é, «Gosto de português, mas não gosto de matemática». Terá a vírgula a marcar a oposição das ideias contidas, como se vê no desdobramento com a introdução da adversativa mas.

2. No caso de «Gosto de português; não, de matemática» a ideia expressa é diferente, isto é, quando o emissor diz «não, de matemática» está a corrigir o que expressou na oração anterior, pois o advérbio de negação, não, antecedido e isolado por vírgula, contradiz o que anteriormente disse, que gostava de português. Afinal, o que gosta é de matemática. Assim, temos uma frase que expressa uma ideia contrária à do ponto 1.

3. «Será uma vida nova. Começará hoje. Não haverá nada para trás» tem três frases distintas, uma vez que temos ponto final no fim de cada oração. Estamos perante uma opção estilística, que se socorre de pausas acentuadas no fim de cada frase, marcando um ritmo lento.

Por outro lado, a frase «Será uma vida nova, começará hoje, não haverá nada para trás» é construída por orações 

Pergunta:

«Os almoços no Ramalhete» – Sujeito; eram – verbo copulativo; eram sempre delicados e longos – Predicado; sempre delicados e longos –Predicativo do Sujeito. Está bem?

Obrigado.

Resposta:

«Os almoços no Ramalhete eram sempre delicados e longos» é uma frase do romance Os Maias, de Eça de Queirós, capítulo IV. 

 Análise sintática da frase:

Sujeito – os almoços

Predicado (cujo núcleo é o verbo copulativo «eram») - no Ramalhete eram sempre delicados e longos

Modificador do grupo verbal – no Ramalhete

Predicativo do sujeito – delicados e longos

Modificador do grupo verbal - sempre 

 

O modificador do grupo verbal faz parte do predicado, conforme atesta o Dicionário Terminológico.

Pergunta:

No dicionário do meu MacBook, aparece a seguinte nota de Gramática/Uso, no verbete de bólide: «Rebelo Gonçalves registra como corrente, mas errôneo, o empr. do gênero masc. nesta palavra». Sei que a nota é de português brasileiro, por isso, pergunto: em português europeu, qual o género de bólide?

Resposta:

Bólide tem, de facto, dois géneros, masculino e feminino.

Em todos os dicionários consultados, temos a mesma resposta: a origem etimológica é o grego bolís, -ídos, «objeto que se lança; dardo», e mais tarde o latim bolĭde-, «meteoro ígneo».

Segundo a Infopedia:

1.  Grande bloco (pedaço de antigo planeta) que se fragmenta na atmosfera terrestre e origina aerólitos, meteoritos ou uranólitos, que caem para a Terra, na forma de globos brilhantes que por vezes deixam um rastro luminoso. [termo da Astronomia].

2.  Estrela-cadente que chega muito próximo da superfície terrestre [idem].

3. Qualquer corpo que atinge grandes velocidades

4.  Carro de corrida; automóvel veloz

5. Carro, automóvel [termo coloquial]. 

Será esta última aceção, porventura, a mais usada no quotidiano e, por ser sinónimo de carro, se diz «um bólide». Exemplos não faltam desse uso: «Cristiano Ronaldo mostra o novo bólide», in O Jogo, 28/09/2017

No entanto, encontramos no romance

Pergunta:

Ao longo da releitura Capitães da Areia, de Jorge Amado, na sua edição de 1937, deparei com o adjetivo "injectado", referindo-se a olhos, em duas passagens: (i) «Volta Seca olhou agradecido. Seus olhos estavam injectados, seu rosto todavia mais sombrio.» (CA, 1937, p.238) e «Pedro Bala o espia com os olhos injectados. Sente cansaço, uma vontade doida de dormir. Bedel Ranulfo aventura uma pergunta: — Levo pra junto dos outros?» (CA, 1937, p.26O). Tentei decantar o sentido através do verbo injetar, mas pouco me ajudou a chegar ao sentido mais confiável ou adequado ao adjetivo em tela.

Vocês poderiam, mais uma vez, me esclarecer esta dúvida nesta viagem ou empreitada leitora da importante obra de Amado?

Um abraço cearense.

Resposta:

Este termo aparece com alguma regularidade na literatura com o seguinte significado: "injetado": vermelho, por afluxo do sangue; congestionado, in Dicionário Priberam da Língua Portuguesa.

Exemplos:

«Apesar dos toques de caracterização que quase o mascaravam, sobrancelhas de diabo, guias de bigode ferozmente exageradas - sentia-se bem a aflição em que vinha, com os olhos injectados, perdido, numa terrível palidez.» Os Maias, Eça de Queirós, cap. 9. 

«Ele cambaleou, vacilou, agarrou-se à mesa e tentou manter-se firme, encarando-me com olhos injetados, arquejante, a boca aberta.» in O Médico e o MonstroRobert Louis Stevenson.

«Reabriu os olhos injetados e, apoiando-se num braço, perguntou a Stubb; [...] », Moby Dick, Herman Melville.

Pergunta:

Gostaria que me esclarecessem sobre o processo de formação da palavra pormenor. É um processo de composição?

Obrigado

Resposta:

A palavra pormenor é formada a partir da união de duas formas de base, característica das palavras compostas, como se verifica no Dicionário Terminológico.

O Dicionário Etimológico da Língua Portuguesa, de José Pedro Machado, apresenta pormenor formado por por (preposição) + menor (adjetivo).

O Dicionário Houaiss considera que há uma contração das duas palavras. Exemplo:«Não posso encarecer a vossa senhoria quanto estimei, e se estimou n'este collegio, a relação pormenor do exercito que sua excellencia tem prevenido para esta campanha.», Pe. Ant.º Vieira (séc. XVII)*

Seguindo esta perspetiva, será uma composição morfossintática (formação de uma palavra a partir de duas ou mais palavras).

 

*António Vieira, Cartas, n.º 28, ed. de 1854.