Fernando Pestana - Ciberdúvidas da Língua Portuguesa
Fernando Pestana
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Fernando Pestana é um gramático e professor de Língua Portuguesa formado pela Universidade Federal do Rio de Janeiro e mestre em Linguística pela Faculdade de Letras da Universidade do Porto. Atua há duas décadas no ensino de gramática voltado para concursos públicos e, atualmente, em um curso de formação para professores de Português.

 
Textos publicados pelo autor

Pergunta:

Na frase «Ela se parece com o pai»:

1) O vocábulo se é parte integrante do verbo ou qual a função sintática?

2) Qual a transitividade do verbo parece?

3) Qual a função sintática do termo «com o pai»?

Obrigado

Resposta:

Segundo se deduz dos dicionários de regência verbal de Celso Pedro Luft e Francisco Fernandes, o se é parte integrante do verbo* – ou seja, é um pronome que sempre figura na conjugação deste verbo quando este exige um complemento preposicionado (cuja preposição pode ser a, menos usual no português brasileiro, ou com, mais usual no português brasileiro). Importa saber que o se integrante do verbo nunca exerce função sintática.

Assim, em «Ela se parece com o pai», o verbo é transitivo indireto e o termo preposicionado é seu objeto indireto.

Sempre às ordens!

 

* Visto ser brasileiro o consulente, usou-se na resposta a nomenclatura gramatical brasileira, por razões didáticas.

Pergunta:

Mais uma vez venho pedir a vossa ajuda.

Nos momentos de orações comunitárias, quase sempre se deve, o que é responsável por conduzir a oração, informar os presentes como devem ser feitos os salmos das Horas Canônicas. Qual é o modo mais correto de dizer:

1.º Façamos [o próximo salmo] em dois coros em estrofe.

2.º Façamos [o próximo salmo] a dois coros em estrofe.

3.º Façamos [o próximo salmo] a dois coros por estrofe.

4.º Façamos [o próximo salmo] em dois coros por estrofe.

Não estou seguro quanto ao modo certo.

Eu fico cá aguardando a vossa explicação.

Antecipadamente, obrigado.

Resposta:

Se a ideia é de que, a cada estrofe, haverá dois coros fazendo o(s) salmo(s), deve-se dizer «Façamos (o próximo salmo) a/em dois coros por estrofe».

A justificativa é simples: as preposições a ou em (menos frequentemente* a preposição em, segundo se infere da frequência de usos encontrados no Corpus do Português) são empregadas em expressões que indicam modo/companhia, como em «O concerto a duas vozes realizou-se ontem»; «A apresentação em duas vozes impactou a audiência». Quanto ao uso da preposição por em «por estrofe», a intenção comunicativa justifica a sua presença para marcar a ideia de partição (cada estrofe).

Sempre às ordens!

* Talvez a baixa frequência de em (no trecho «em dois coros») se deva à sutileza semântica de "divisão" trazida por essa preposição – ou seja, ao usarmos «em dois coros», o sentido não necessariamente indica que ambos os coros estarão juntos, isto é, esses dois coros podem estar em separado (no tempo), o que implicaria um sentido diferente do que se pretende comunicar.

Pergunta:

«[...] se faz NECESSÁRIO uma intervenção do governo federal.»

«[...] se faz NECESSÁRIA uma intervenção do governo federal.»

Ao meu ver, o «necessário» deve concordar, pois o «faz-se» pode concordar, ou seja, o adjetivo não faz parte de uma expressão indeterminadora do sujeito.

«É feita NECESSÁRIA uma intervenção do governo federal.»

Mas... como alguns professores contrariam a minha opinião, preciso da opinião dos Senhores.

Desde já, agradeço a atenção.

Resposta:

A palavra necessário é um adjetivo. Como tal, concorda em gênero e número com o substantivo a que se refere, a saber: «intervenção», núcleo do sintagma nominal «uma intervenção do governo federal».

Note que intervenção é um substantivo feminino e singular. Logo, deve-se usar necessária, para que se estabeleça a concordância nominal.

Pelo critério da pronominalização, vê-se claramente o estabelecimento da concordância: «... ela (a tal intervenção federal) se faz necessária».

Sempre às ordens!

Pergunta:

Períodos que contenham orações predicativas podem ser estruturados com outros verbos além do ser?

Por exemplo em «O tempo parece que passa depressa», eu vejo uma predicativa antecedida do verbo parecer, mas um professor faz a classificação assim:

«O tempo parece que passa depressa» = «parece que o tempo passa depressa»

Daí é subjetiva.

Afinal, qual a classificação correta?

Resposta:

Evanildo Bechara, em seu livro Lições de português pela análise sintática, afirma que, neste caso trazido pelo consulente, há um fenômeno sintático chamado prolepse: «é a colocação de uma expressão antes do lugar que a rigor lhe compete», diz o gramático.

Assim, na frase «O tempo parece que passa depressa», o termo «o tempo» é o sujeito do verbo passar, deslocado de sua posição original por motivo de ênfase.

Na ordem normal, a frase seria assim: «Parece que o tempo passa depressa.» Dessa forma, a oração «que o tempo passa depressa» se classifica como subordinada substantiva subjetiva*.

Dito isso e já respondendo objetivamente à pergunta do consulente sobre a possibilidade de orações predicativas terem como verbo de ligação (na oração principal) algum verbo diferente de ser, tal possibilidade não se encontrou – em forma de exemplo – em nenhuma gramática normativa tradicional elaborada por estudiosos brasileiros, como Napoleão M. de Almeida, Rocha Lima, Evanildo Bechara, Domingos P. Cegalla, Celso Cunha. Também foi consultado o livro Gramática do Português, da Fundação Calouste Gulbenkian. Todos apresentaram somente exemplos com o verbo "ser" constituindo a oração principal.

Sempre às ordens!

* Por ser o consulente do Brasil, adotou-se a nomencla...

Pergunta:

Há alguns anos, quando ainda eu estava cursando o ensino médio, comecei a estudar gramática por um livro de português (da década de 1960) intitulado Português ao Alcance de Todos, de Nelson Custódio de Oliveira, no qual havia a inclusão da locução «de modo que» e suas equivalentes («de maneira que» ,...) no exemplário de conjunções explicativas, sem, aliás, citar nenhum abono.

Daí, como tenho uma curiosidade exasperada, resolvi pesquisar a fundo esse caso e encontrar abonações de usos por algum autor consagrado na literatura ou em algum manual de gramática, então encontrei três fontes a mencionarem tal uso:

Em Gramática Expositiva – Curso Superior, de Eduardo Carlos Pereira, de 1941, no qual há o seguinte exemplo do uso de «de modo que» como conjunção causal; ex.: «Ele guardou, de modo que não lhe viesse a faltar.»

Em Gramática Normativa da Língua Portuguesa – Curso Superior, de Francisco da Silveira Bueno, de 1973, no qual o autor arrola no exemplário das causais, «de modo que», «de forma que», «de maneira que», abonando um exemplo de causal com «de maneira que» apenas: «Não mais, Musa, não mais, que a lira tenho destemperada...»; «De maneira que por todas as vias lho deveis ...» (Ulíssipo,11).

E, por fim, em Bueno e Spalding, fornecidos pelo consulente; já em (2), a locução indica finalidade porque o verbo se apresenta no modo subjuntivo (ou conjuntivo), consoante se confirma no exemplo de Pereira, também trazido pelo consulente.

Não foi encontrada nenhuma fonte normativa ou descritiva na qual «de modo que» se classifique no grupo das conjunções causais ou explicativas.

Sempre às ordens!