Fernando Pestana - Ciberdúvidas da Língua Portuguesa
Fernando Pestana
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Fernando Pestana é um gramático e professor de Língua Portuguesa formado pela Universidade Federal do Rio de Janeiro e mestre em Linguística pela Faculdade de Letras da Universidade do Porto. Atua há duas décadas no ensino de gramática voltado para concursos públicos e, atualmente, em um curso de formação para professores de Português.

 
Textos publicados pelo autor

Pergunta:

Gostaria de saber o porquê da Vunesp dar essa frase como correta:

«apontou a inutilidade de saber que a palavra cálculo originou-se do latim "calculus',»

Aquele "que" ali não seria palavra atrativa, puxando o pronome reflexivo ali antes do verbo?

Resposta:

São poucos os gramáticos normativos brasileiros a tratar desse caso específico de colocação pronominal. Evanildo Bechara, por exemplo, recomenda a próclise em casos semelhantes, como trouxe o consulente. Em concursos públicos, é assim que a maioria das bancas também entende.

No entanto, alguns gramáticos e poucas bancas, como a Vunesp*, pensam diferentemente.

Na página 249 da 5ª edição do livro A Gramática para Concursos Públicos, de Fernando Pestana, lê-se assim:

«... os gramáticos Napoleão Mendes de Almeida e Domingos P. Cegalla também entendem que, por razões enfáticas ou de eufonia, pode o pronome vir depois do verbo em frases em que haja um sujeito entre o conectivo que encabeça a oração subordinada e o verbo: "Ainda se acredita que os homens amam-se uns aos outros."»

Sempre às ordens!

* Consulte: VUNESP – Prefeitura de Morro Agudo/SP – Médico Cardiologista – 2020 – questão 7 (opção B).

 

Não é de hoje...
O português e o separatismo linguístico

«Já faz tempo essa ideia alarmista de que "daqui a X décadas", as variedades vão se separar de vez e se transformarão em línguas diferentes» – comenta o gramático Fernando Pestana a respeito da possibilidade de o português do Brasil se tornar uma língua autónoma, separada das atuais variedades do português. Apontamento publicado no mural deste autor no Facebook (31/10/2024).

 

Pergunta:

Na frase «A Internet é de Carlos», «de Carlos» pode ser considerado predicativo do sujeito?

Sinteticamente, entendo que o predicativo pode ser representado por um substantivo. Mas, nesse caso, qual seria o critério semântico, tendo em vista que «de Carlos» não exprime uma qualidade ou informação sobre o sujeito «a Internet»?

Resposta:

É uma falsa premissa considerar que, semanticamente, o predicativo do sujeito só exprime uma qualidade ou uma informação sobre o sujeito.

O predicativo do sujeito também pode indicar posse, como é o caso da frase da consulente: «A internet é de Carlos» – ou seja, o sentido é este: a Internet pertence a Carlos.

Ademais, o predicativo do sujeito introduzido pela preposição "de" pode encetar outros sentidos, como origem/procedência, matéria, partição, como se vê, respectivamente, em:

I. Este queijo é de Minas Gerais.
II. Esta taça é de cristal.
III. João é dos nossos.

Sempre às ordens!

Pergunta:

Eu normalmente não uso o a nesses exemplos. Falo «Comprei esse carro do Djalma».

Qual é o certo e porque quando busco na Internet aparece que comprar é um verbo transitivo direto?

Comprei esse carro a Djalma.

Vendi esse carro a João.

Comprei o carro a Carroção Veículos.

Esse tipo de coisa compra-se ao mangaieiro, que é mais certo ter.

Faça um bom desconto que eu só compro a você.

Desde já, obrigado.

Resposta:

Segundo os dicionários de regência verbal de Celso Pedro Luft e de Francisco Fernandes, o verbo "comprar", empregado como transitivo direto e indireto*, tem dupla regência — ambas as preposições estão corretas e ambas as frases apresentam o mesmo sentido, indicando que o vendedor do carro foi o Djalma:

– Comprei esse carro do Djalma.

– Comprei esse carro ao Djalma.

No entanto, as duas frases acima, a depender do contexto, podem gerar ambiguidade.

No caso da primeira frase, "do Djalma" pode não ser interpretado como objeto indireto, e sim adjunto adnominal, isto é, o Djalma passa a não ser tão somente o vendedor do carro, e sim o (ex-)dono do carro (carro do Djalma = carro dele = carro pertencente a ele).

No caso da segunda frase, o objeto indireto "ao Djalma" pode ensejar duas leituras: o Djalma foi o vendedor do carro ou o Djalma ganhou de presente um carro (aqui, a preposição "a" equivale a "para").

É preciso, pois, verificar qual construção se torna contextualmente mais clara para o sentido pretendido. Não sendo possível, faz-se necessário reescrever a frase para que sua compreensão não fique obscurecida.

Sempre às ordens!

 
* Por ser brasileiro o consulente, usou-se aqui a nomenclatura gramatical tradicional do Brasil.

Pergunta:

Tenho dúvidas na diferenciação das orações adjetivas restritivas e orações substantivas completivas nominais, como nos exemplos abaixo:

a) A recomendação de que saíssem tão logo daquelas terras não afugentou os grileiros.

b) A recomendação de que lhe falei ontem à noite deve ser levada a sério, rapaz!

Poderiam me esclarecer a melhor forma de identificar essas orações, por favor? Obrigada!

Resposta:

Para diferenciar a oração subordinada adjetiva restritiva da subordinada substantiva completiva nominal*, basta isolar as orações subordinadas e analisar o conectivo que a introduzi-las: se for conjunção integrante, não exercerá função sintática; se for pronome relativo, exercerá função sintática e poderá ser substituído pelo relativo «o qual» (e variações).
 
Veja:
 
(1) A recomendação / de que lhe falei ontem à noite / deve ser levada a sério, rapaz!
 
Note que o que é um pronome relativo, porque pode ser substituído por «a qual»: «A recomendação da qual (ou sobre a qual) lhe falei ontem à noite...». Esse pronome relativo funciona sintaticamente como objeto indireto (ou adjunto adverbial de assunto, segundo alguns gramáticos, como Evanildo Bechara). Desse modo, a oração «de que lhe falei ontem à noite» só pode ser subordinada adjetiva restritiva.
 
(2) A recomendação / de que saíssem tão logo daquelas terras / não afugentou os grileiros.
 
Observe que nesta frase não é possível substituir o que por «a qual» sem que a frase fique agramatical. Ademais, qual seria a função sintática do que, dentro da oração em que se encontra, uma vez que todos os elementos da oração (essenciais, integrantes e até acessórios) estão presentes em «saíssem tão logo daquelas terras»? Resposta: nenhuma. Isso prova que o que é uma conjunção integrante. Portanto, «de que saíssem tão logo daquelas terras» é uma oração subordinada substantiva completiva nominal que completa a regência do substantivo recomendação.
 
Sempre às ordens!
 
* Por ser brasileira a consulente, usou-se na resposta a nomenclatura gramatical tradicional do Brasil.