Fernando Pestana - Ciberdúvidas da Língua Portuguesa
Fernando Pestana
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Fernando Pestana é um gramático e professor de Língua Portuguesa formado pela Universidade Federal do Rio de Janeiro e mestre em Linguística pela Faculdade de Letras da Universidade do Porto. Atua há duas décadas no ensino de gramática voltado para concursos públicos e, atualmente, em um curso de formação para professores de Português.

 
Textos publicados pelo autor

Pergunta:

Deparei-me com a seguinte expressão: «Associar a quantidade de pão ao seu preço.»

Minha dúvida é: o sintagma «de pão» pode ficar no singular ou deve ficar no plural por ser um nome contável?

Se ambas as possibilidades forem possíveis, então qual a diferença semântica entre ambos?

Resposta:

Se se tomar a palavra pão como representante de qualquer tipo desse alimento, tal nome contável é recategorizado* como não contável, de modo que a expressão «quantidade de pão» passa a ser uma forma correta.

No entanto, se se decidir individualizar o alimento pão (levando-se em conta a sua diversidade de tipos), é tomado como nome contável, de sorte que a expressão «quantidade de pães» também está igualmente correta.

Desse modo, tanto faz usar «Associar a quantidade de pão ao seu preço» ou «Associar a quantidade de pães ao seu preço».

Sempre às ordens!

* Sugerimos, se possível, a consulta às páginas 961 a 963 do livro Gramática do Português, da Fundação Calouste Gulbenkian.

Pergunta:

Deparei-me com o seguinte período numa questão:

«Dois inimigos silenciosos vieram junto: o vírus da febre amarela e o mosquito Aedes aegypti, sendo a consequência uma série de surtos de febre amarela urbana no Brasil, com milhares de mortos.»

Quanto à oração destacada, qual sua classificação?

Fiquei em dúvida se ela é coordenativa conclusiva, explicativa ou mesmo outra. Embolo-me facilmente nessas situações. Gostaria que alguém pudesse me auxiliar.

Desde já, agradeço.

Resposta:

A oração «sendo a consequência uma série de surtos de febre amarela urbana no Brasil, com milhares de mortos» é reduzida de gerúndio*, porque apresenta como núcleo verbal um verbo no gerúndio e porque não é iniciada por conjunção ou pronome relativo.

Dito isso, tal oração estabelece uma relação de causa e consequência com a oração anterior («Dois inimigos silenciosos vieram junto: o vírus da febre amarela e o mosquito Aedes aegypti»), em que esta oração encerra a causa da consequência contida em «sendo a consequência uma série de surtos de febre amarela urbana no Brasil, com milhares de mortos».

Uma forma de paráfrase que torna mais clara essa relação semântica é a seguinte:

Dois inimigos silenciosos vieram junto: o vírus da febre amarela e o mosquito Aedes aegypti, de modo que a consequência foi uma série de surtos de febre amarela urbana no Brasil, com milhares de mortos.

Observe que a oração destacada é subordinada adverbial consecutiva, pois é introduzida por uma locução conjuntiva consecutiva («de modo que»).

Portanto, o segmento «sendo a consequência uma série de surtos de febre amarela urbana no Brasil, com milhares de mortos» é classificado como oração subordinada adverbial consecutiva reduzida de gerúndio.

Sempre às ordens!

 

* Por ser brasileira a consulente, foi usada na resposta a nomenclatura gramatical do Brasil.

Pergunta:

Trata-se de uma questão de prova. Estou em dúvida sobre a análise sintática dessa oração:

«Essa sua sensação, quando acende a luz da sala, de que está interrompendo alguma coisa.»

No caso a oração «de que está interrompendo alguma coisa» é um complemento nominal oracional?

É possível que se trate de uma oração completiva nominal se não existe a oração principal?

Como posso ter clareza de que o que é um pronome nessa oração? O que justifica o fato do que ser um pronome nessa oração?

Obrigada!

Resposta:

O trecho que a consulente apresenta é retirado do texto "Insônia", de Luís Fernando Veríssimo.

Sendo um texto próprio da linguagem literária, o autor se vale da licença poética para pôr o predicado da oração principal* em outro período.

Veja o trecho:

«Essa sua sensação, quando acende a luz da sala, de que está interrompendo alguma coisa. São as poltronas e o sofá fazendo sala, como adultos repassando o dia depois que as crianças foram dormir.»

Agora veja como estaria escrito em linguagem escrita corrente, não estilizada:

«Essa sua sensação, quando acende a luz da sala, de que está interrompendo alguma coisa são as poltronas e o sofá fazendo sala...»

Ignorando-se as orações subordinadas («quando acende a luz da sala» e «de que está interrompendo alguma coisa»), temos a seguinte oração principal

«Essa sua sensação são as poltronas e o sofá fazendo sala...»

Dito isso, como o nome sensação exige um complemento nominal, a oração «de que está interrompendo alguma coisa» é classificada como subordinada substantiva completiva nominal, de modo que o que a introduzi-la só pode ser classificado como conjunção subordinativa integrante.

Sempre às ordens!
 
* Por ser brasileira a consulente, foi usada na resposta a nomenclatura gramatical do Brasil.

Pergunta:

Primeiramente, ouvi de alguns professores de gramática que oração subordinada substantiva, quando reduzida, só pode vir com verbo no infinitivo.

Entretanto, me deparei com algumas frases que me fizeram crer que isso não procede.

Segue um exemplo: «Pedro ouviu José falando sobre o assunto.»

Minha dúvida é a seguinte: a segunda oração do período composto citado acima, «José falando sobre o assunto», é uma oração subordinada substantiva objetiva direta reduzida de gerúndio, pois, no meu ver, o verbo «ouviu» pede complemento verbo direto; ou tem outra função sintática?

Resposta:

Com o desenvolvimento da oração trazida pelo consulente e pela leitura que se faz dela, pode-se interpretar a oração gerundiva como objeto direto do verbo ouvir.

(1) Pedro ouviu José falando sobre o assunto.

= Pedro ouviu que José falava sobre o assunto.

Pedro ouviu o quê? João falando sobre o assunto. / que João falava sobre o assunto.

No entanto, em outra frase com estrutura semelhante, a leitura parece ser dupla, implicando dupla análise sintática. Acompanhe:

(2) Ninguém viu aqueles pais ajudando os filhos?

= Ninguém viu que aqueles pais ajudavam os filhos?

ou

= Ninguém viu aqueles pais que ajudavam os filhos?

Note que a oração gerundiva pode ser analisada, no primeiro caso, como subordinada substantiva objetiva direta reduzida de gerúndio ou, no segundo caso, como oração subordinada adjetiva restritiva reduzida de gerúndio*.

Sempre às ordens!

* Por ser brasileiro o consulente, usou-se na resposta a nomenclatura gramatical brasileira.

Pergunta:

Na expressão «estar a fim de algo/alguém», e.g., (1) «estou a fim de você» ou (2) «estou a fim de ver um filme», qual função sintática da locução «a fim de» bem como da partícula que a sucede: (1) «você» e (2) «ver um filme»?

Seriam iguais em ambos os casos ou assumiriam funções diferentes?

Desde já exprimo meu sentimento de gratidão e apreço pelo vosso trabalho!

Resposta:

Primeiro de tudo, agradecemos o elogio.

Sobre a construção trazida pelo consulente, os gramáticos Napoleão Mendes de Almeida, Domingos Paschoal Cegalla e Evanildo Bechara dizem ser usada em contextos informais/coloquiais – ou seja, «estar a fim de alguém/algo» indica desejo, vontade, interesse, predisposição.

Dito isso, Bechara entende que «estar a fim» constitui uma locução, uma espécie de expressão idiomática, em que «a fim» seria uma locução adjetiva, cujo núcleo (fim), segundo o Dicionário de regimes de substantivos e adjetivos, de Francisco Fernandes, exige um complemento nominal iniciado pela preposição de.

Desse modo, parece coerente analisar sintaticamente «de você» (em «Estou a fim de você») e «de ver um filme» (em «Estou a fim de ver um filme») como complementos nominais do substantivo fim, sendo a segunda construção uma oração subordinada substantiva completiva nominal reduzida de infinitivo*.

Sempre às ordens!

* Por ser brasileiro o consulente, usou-se na resposta a nomenclatura gramatical brasileira.