Fernando Pestana - Ciberdúvidas da Língua Portuguesa
Fernando Pestana
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Fernando Pestana é um gramático e professor de Língua Portuguesa formado pela Universidade Federal do Rio de Janeiro e mestre em Linguística pela Faculdade de Letras da Universidade do Porto. Atua há duas décadas no ensino de gramática voltado para concursos públicos e, atualmente, em um curso de formação para professores de Português.

 
Textos publicados pelo autor

Pergunta:

Primeiramente, ouvi de alguns professores de gramática que oração subordinada substantiva, quando reduzida, só pode vir com verbo no infinitivo.

Entretanto, me deparei com algumas frases que me fizeram crer que isso não procede.

Segue um exemplo: «Pedro ouviu José falando sobre o assunto.»

Minha dúvida é a seguinte: a segunda oração do período composto citado acima, «José falando sobre o assunto», é uma oração subordinada substantiva objetiva direta reduzida de gerúndio, pois, no meu ver, o verbo «ouviu» pede complemento verbo direto; ou tem outra função sintática?

Resposta:

Com o desenvolvimento da oração trazida pelo consulente e pela leitura que se faz dela, pode-se interpretar a oração gerundiva como objeto direto do verbo ouvir.

(1) Pedro ouviu José falando sobre o assunto.

= Pedro ouviu que José falava sobre o assunto.

Pedro ouviu o quê? João falando sobre o assunto. / que João falava sobre o assunto.

No entanto, em outra frase com estrutura semelhante, a leitura parece ser dupla, implicando dupla análise sintática. Acompanhe:

(2) Ninguém viu aqueles pais ajudando os filhos?

= Ninguém viu que aqueles pais ajudavam os filhos?

ou

= Ninguém viu aqueles pais que ajudavam os filhos?

Note que a oração gerundiva pode ser analisada, no primeiro caso, como subordinada substantiva objetiva direta reduzida de gerúndio ou, no segundo caso, como oração subordinada adjetiva restritiva reduzida de gerúndio*.

Sempre às ordens!

* Por ser brasileiro o consulente, usou-se na resposta a nomenclatura gramatical brasileira.

Pergunta:

Na expressão «estar a fim de algo/alguém», e.g., (1) «estou a fim de você» ou (2) «estou a fim de ver um filme», qual função sintática da locução «a fim de» bem como da partícula que a sucede: (1) «você» e (2) «ver um filme»?

Seriam iguais em ambos os casos ou assumiriam funções diferentes?

Desde já exprimo meu sentimento de gratidão e apreço pelo vosso trabalho!

Resposta:

Primeiro de tudo, agradecemos o elogio.

Sobre a construção trazida pelo consulente, os gramáticos Napoleão Mendes de Almeida, Domingos Paschoal Cegalla e Evanildo Bechara dizem ser usada em contextos informais/coloquiais – ou seja, «estar a fim de alguém/algo» indica desejo, vontade, interesse, predisposição.

Dito isso, Bechara entende que «estar a fim» constitui uma locução, uma espécie de expressão idiomática, em que «a fim» seria uma locução adjetiva, cujo núcleo (fim), segundo o Dicionário de regimes de substantivos e adjetivos, de Francisco Fernandes, exige um complemento nominal iniciado pela preposição de.

Desse modo, parece coerente analisar sintaticamente «de você» (em «Estou a fim de você») e «de ver um filme» (em «Estou a fim de ver um filme») como complementos nominais do substantivo fim, sendo a segunda construção uma oração subordinada substantiva completiva nominal reduzida de infinitivo*.

Sempre às ordens!

* Por ser brasileiro o consulente, usou-se na resposta a nomenclatura gramatical brasileira.

Pergunta:

Gostaria de saber o porquê da Vunesp dar essa frase como correta:

«apontou a inutilidade de saber que a palavra cálculo originou-se do latim "calculus',»

Aquele "que" ali não seria palavra atrativa, puxando o pronome reflexivo ali antes do verbo?

Resposta:

São poucos os gramáticos normativos brasileiros a tratar desse caso específico de colocação pronominal. Evanildo Bechara, por exemplo, recomenda a próclise em casos semelhantes, como trouxe o consulente. Em concursos públicos, é assim que a maioria das bancas também entende.

No entanto, alguns gramáticos e poucas bancas, como a Vunesp*, pensam diferentemente.

Na página 249 da 5ª edição do livro A Gramática para Concursos Públicos, de Fernando Pestana, lê-se assim:

«... os gramáticos Napoleão Mendes de Almeida e Domingos P. Cegalla também entendem que, por razões enfáticas ou de eufonia, pode o pronome vir depois do verbo em frases em que haja um sujeito entre o conectivo que encabeça a oração subordinada e o verbo: "Ainda se acredita que os homens amam-se uns aos outros."»

Sempre às ordens!

* Consulte: VUNESP – Prefeitura de Morro Agudo/SP – Médico Cardiologista – 2020 – questão 7 (opção B).

 

Não é de hoje...
O português e o separatismo linguístico

«Já faz tempo essa ideia alarmista de que "daqui a X décadas", as variedades vão se separar de vez e se transformarão em línguas diferentes» – comenta o gramático Fernando Pestana a respeito da possibilidade de o português do Brasil se tornar uma língua autónoma, separada das atuais variedades do português. Apontamento publicado no mural deste autor no Facebook (31/10/2024).

 

Pergunta:

Na frase «A Internet é de Carlos», «de Carlos» pode ser considerado predicativo do sujeito?

Sinteticamente, entendo que o predicativo pode ser representado por um substantivo. Mas, nesse caso, qual seria o critério semântico, tendo em vista que «de Carlos» não exprime uma qualidade ou informação sobre o sujeito «a Internet»?

Resposta:

É uma falsa premissa considerar que, semanticamente, o predicativo do sujeito só exprime uma qualidade ou uma informação sobre o sujeito.

O predicativo do sujeito também pode indicar posse, como é o caso da frase da consulente: «A internet é de Carlos» – ou seja, o sentido é este: a Internet pertence a Carlos.

Ademais, o predicativo do sujeito introduzido pela preposição "de" pode encetar outros sentidos, como origem/procedência, matéria, partição, como se vê, respectivamente, em:

I. Este queijo é de Minas Gerais.
II. Esta taça é de cristal.
III. João é dos nossos.

Sempre às ordens!