Fernando Pestana - Ciberdúvidas da Língua Portuguesa
Fernando Pestana
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Fernando Pestana é um gramático e professor de Língua Portuguesa formado pela Universidade Federal do Rio de Janeiro e mestre em Linguística pela Faculdade de Letras da Universidade do Porto. Atua há duas décadas no ensino de gramática voltado para concursos públicos e, atualmente, em um curso de formação para professores de Português.

 
Textos publicados pelo autor

Pergunta:

Aprendi que o pronome quem concorda com a terceira pessoa do singular.

Por que então há exceções?

Exemplo 1: «Quem são vocês?»

Exemplo 2: «Foram eles quem fizeram essa bagunça?»

Muitíssimo obrigado e um grande abraço!

Resposta:

Em «Quem são vocês?», há um caso especial de concordância do verbo ser, que concorda com o predicativo do sujeito, vocês. Em construções desse tipo, com pronomes interrogativos com função sintática de sujeito, o verbo ser sempre concordará com o predicativo. Esse verbo tem muitas peculiaridades na língua portuguesa, não só na concordância.

Quanto a «Foram eles quem fizeram essa bagunça?», há dupla possibilidade de concordância dentro da norma culta, a saber: em construções semelhantes a esta (verbo ser + pronome reto ou substantivo + quem + verbo), o verbo após o quem pode concordar com o quem, ficando na 3.ª pessoa do singular, ou com o seu antecedente, ficando na mesma pessoa e número dele. Exemplos:

– Foram eles quem fez a bagunça?
– Foram eles / os rapazes quem fizeram a bagunça?
– Fomos nós quem fez a bagunça.
– Fomos nós quem fizemos a bagunça.

Todas essas possibilidades são contempladas dentro da norma culta da língua portuguesa, segundo muitos gramáticos normativos.

Sempre às ordens!

Diferenças ortográficas entre o português brasileiro e o português europeu
Letras e acentos gráficos

«O Acordo Ortográfico não veio para pasteurizar a língua» – começar por declarar o gramático Fernando Pestana na apresentação de uma lista de diferenças ortográficas entre o português do Brasil e o português de Portugal. Apontamento publicado em 13 de fevereiro no mural que este autor mantém no Facebook e divulgado aqui com a devida vénia.

Pergunta:

Das estruturas abaixo, em relação às formas verbais, qual é a correta?

«Era seca» ou «era secada»?

«A roupa era seca ao sol.»

«A roupa era secada ao sol.»

Obrigada.

Resposta:

O verbo secar tem duplo particípio: seco(a/s) e secado.

Diz a gramática tradicional o seguinte: se antecedido dos verbos ser e estar, o particípio será irregular: seco(a/s); mas, se antecedido dos verbos ter e haver, o particípio será regular: secado.

Exemplos:

– A roupa era seca ao sol.
– A roupa estará seca pelo sol ainda esta tarde.

– A roupa já terá secado ao sol?
– A roupa havia secado ao sol.

Sempre às ordens!

Observação: na norma popular, diferentemente da lição acima, é normal (pelo menos no português brasileiro) usar a forma participial regular com os verbos ser e estar (A roupa era secada ao sol), conforme exemplifica a consulente.

Pergunta:

É correto usar a frase «Gente, gratidão é bom», sendo que a palavra gratidão está no feminino?

Deveria ser «Gente, gratidão é boa»?

Obrigado.

Resposta:

Há uma regra de concordância nominal na gramática da língua portuguesa que diz respeito ao verbo ser seguido de adjetivo (bom, necessário) ou particípio (permitido). Exemplos:
 
– Cerveja é bom.
– É necessário mudança.
– Não é permitido desorganização aqui.
 
A explicação para a forma no masculino singular de bom, necessário, permitido é a seguinte: quando o sujeito da frase (no caso, respectivamente, cerveja, mudança, desorganização) estiver empregado com valor genérico, sendo constituído de um substantivo não acompanhado por uma palavra determinante, o adjetivo/particípio não sofrerá flexão de gênero. Por isso, o certo é «Gratidão é bom».
 
Se determinados estivessem, a concordância nominal seria diferente, a saber:
 
– A cerveja é boa.
– É necessária a mudança.
– Não é permitida esta desorganização aqui.
 
Sempre às ordens!

Pergunta:

A frase exata «E caminhão demora mais a frear» deve ser interpretada como?

Num primeiro momento, pode-se interpretar como uma generalização de todos os caminhões, mas também se pode interpretar como um caminhão específico que está demorando para frear?

A ausência do artigo definido dá um caráter generalista à frase, ou isso não é algo absoluto?

Resposta:

Estas duas impressões do consulente estão corretas: 1) de fato, há um valor genérico atribuído à palavra caminhão, ou seja, na frase «E caminhão demora mais a frear», a palavra caminhão significa «todos os caminhões, qualquer caminhão»; e 2) a ausência do artigo definido realmente costuma imprimir um caráter generalista ao substantivo e, consequentemente, à frase.

Eis outros exemplos:

– Homem normalmente guarda os sentimentos.
– Meninos gostam mais de futebol.
– Aluno é tudo igual.
 

Note que os substantivos homem, meninos e aluno têm um valor genérico, contemplando todos os homens, todos os meninos, todos os alunos, o que prova o caráter generalista ensejado pela ausência do artigo definido.

No entanto, isso não ocorre sempre. Por exemplo, diante de nomes de pessoas ou de lugares, a ausência do artigo definido não confere esse tom generalizador/indeterminador, como se vê em «Pedro virá ao encontro de hoje, certo?» ou «Espanha é um belo país». 

Perceba que a ausência (ou a presença) do artigo definido antes de «Pedro» e de «Espanha» não altera o sentido das frases.

Sempre às ordens!

 

N. E. (12/02/2025) – A resposta é dada na perspetiva dos usos do português do Brasil, variedade em que a ocorrência de um substantivo (isto é, um nome) no singular, sem artigo definido e com valor genérico, é descrita, por exemplo, por Celso Cunha e Lindley, na Nova Gramática do Português Contemporâneo (Edições João Sá da Costa, 1984, p. 244; as abreviaturas remetem para as obras literárias que se encontram na fonte consultada e donde foram extraídas as abonações deste uso):  «Esta omissão aparece frequente...