Pergunta:
No livro 1000 erros de português da atualidade, o autor, o famoso gramático Luiz Sacconi, no item 854, intitulado "não faça isso, não", escreveu:
«Usa-se sempre vírgula antes do não, como nessa frase [não faça isso, não]. Outro exemplo: Eu nunca diria uma coisa dessas, não. *** Não vou lá, não.»
Gostaria de saber se a repetição do não ao fim da frase é realmente aceita pela gramática normativa; se sim, se ela precisa ser precedida imediatamente por vírgula, como diz o autor; se sim, por qual razão, em que obras esse uso aparece nos nossos melhores escritos e quais gramáticos, além do citado, abonam esse uso.
Além disso, a aceitação desse uso não estaria em conflito com o que ensinou o gramático Celso Cunha (2014, p. 442), no livro Gramática Essencial, ao escrever: «os [= os advérbios] de negação antecedem sempre o verbo: Não aparece vivalma. (V. DE CARVALHO) Não dormi, tampouco estive acordado. (DA COSTA E SILVA)»?
Obrigado.
Resposta:
De início, cumpre observar que a lição dada pelo gramático Celso Cunha não tem ligação nem semelhança com a estrutura de dupla negação, completamente correta e existente na norma culta escrita lusófona (há séculos!) e documentada por gramáticos normativos tradicionais.
Sobre as suas questões, acompanhe:
(1) A repetição do "não" ao fim da frase é realmente aceita pela gramática normativa?
Sim, é. Já se encontra isso em João Ribeiro, na sua Grammatica Portugueza (1889: 257). Em Julio Ribeiro, na sua Grammatica Portugueza (1911: 301). Em Alfredo Gomes, na sua Grammatica Portugueza (1913: 343). Em Maximino Maciel, na sua Grammatica Descriptiva (1914: 363). Em Domingos P. Cegalla, no seu Dicionário de dificuldades da língua portuguesa (2012: 268). Em Celso Cunha e Lindley Cintra, na sua Nova gramática do português contemporâneo (2017: 169). Certamente há outros gramáticos não elencados aqui a ensinar o mesmo.
(2) O "não" repetido precisa ser precedido imediatamente por vírgula; se sim, por qual razão?
Sim, é a prática escrita, o uso que determina a norma. A razão é a ênfase, o reforço, a intensidade atribuída ao sentido negativo que se deseja imprimir à frase.
(3) Esse uso aparece nos nossos melhores escritores?
Sim, tanto nos portugueses quanto nos brasileiros: Miguel Torga, Júlio Dinis, Almeida Garrett, Antonio Callado, José de Alencar, Coelho Neto, José Lins do Rego, Rachel de Queiroz, Cecília Me...