Eunice Marta - Ciberdúvidas da Língua Portuguesa
Eunice Marta
Eunice Marta
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Licenciada em Filologia Românica pela Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa e mestre (Mestrado Interdisciplinar em Estudos Portugueses) pela Universidade Aberta. Professora de Português e de Francês. Coautora do Programa de Literaturas de Língua Portuguesa, para o 12.º ano de escolaridade em Portugal. Ex-consultora do Ciberdúvidas e, atualmente, docente do Instituto Piaget de Benguela, em Angola.

 
Textos publicados pela autora

Pergunta:

Gostaria de saber, nas frases seguintes, quais são os pronomes e quais são os determinantes possessivos:

«O meu lápis é grande; o teu é pequeno.»

«Esta é a minha borracha; a tua está no estojo.»

«Nós temos um dicionário; ele é nosso.»

«As nossas réguas medem 30 cm. E as vossas?»

«A Elsa e o Rui têm doze lápis. Eles são seus.»

Resposta:

Para que se possa distinguir um determinante de um pronome, basta que se saiba a diferença entre estas duas classes de palavras. Ora, um pronome substitui um nome ou um sintagma nominal, razão pela qual nunca precede o sintagma nominal a que se refere, enquanto um determinante o precede, contribuindo para o seu valor referencial.

Frequentemente, ocorrem na mesma frase determinantes e pronomes, como é o caso das frases que nos apresenta. Portanto, não é difícil identificar-se um e outro tipo de possessivo:

1. «O meu lápis é grande [meu lápis = determinante possessivo]; o teu é pequeno [teu = pronome possessivo].»

2. «Esta é a minha borracha [minha borracha = determinante possessivo]; a tua está no estojo [tua = pronome possessivo].»

3. «Nós temos um dicionário; ele é nosso [nosso = pronome possessivo].»

4. As nossas réguas medem 30 cm [nossas réguas = determinante possessivo]. E as vossas? [vossas = pronome possessivo].»

5. «A Elsa e o Rui têm doze lápis. Eles são seus [seus = pronome possessivo].»

Pergunta:

Ó mar salgado, quanto do teu sal
São lágrimas de Portugal!

A expressão «mar salgado» é um pleonasmo?

Resposta:

Não há dúvida de que se trata de um pleonasmo, usado intencionalmente pelo sujeito poético no poema Mar Português, pois quer fazer sobressair o valor amargo e desagradável/disfórico do adjetivo salgado, pois o mar foi visto/sentido pelos que ficaram como um obstáculo, um inimigo, como algo que lhes trouxe dissabores.

Repare que, nos dois versos que apresenta (que introduzem o poema), o sujeito joga com a simbologia do sal e das lágrimas, imagens de dor.

Cf. 10 pleonasmos comuns que deve evitar + Mensagem”, de Fernando Pessoa, apresentada por Maria Regina Rocha

Pergunta:

Qual a figura de linguagem na frase «e vai desmatando o amazonas de minha ignorância»?

Resposta:

As figuras de estilo que sobressaem na frase que nos apresenta são:

– a metáfora, em «o amazonas da minha ignorância» e em «desmatando», em que, na primeira, é feita a fusão de duas realidades — a da vasta e densa região do estado do Amazonas (com a célebre selva Amazónica) e da ignorância (do sujeito) — que têm algo em comum (extensão da selva = dimensão da ignorância), sem colocar o termo de ligação/comparação como; e, na segunda, em «desmatando», criando-se a imagem do desbaste (da selva), do corte progressivo da ignorância;

– a hipérbole, uma vez que é aí evidente «a amplificação […] por excesso» do estado da ignorância que o sujeito indica, recurso usado «de forma a provocar no leitor estranheza para além da realidade credível» (E-Dicionário de Termos Literários).

Pergunta:

Costuma-se dizer «abri um precedente» para referir que «foi aberta uma exceção». Contudo, em consulta ao dicionário, a palavra precedente não faz menção àquele adjetivo:

«Precedente: 1. Que precede; antecedente (adj. 2 g.).»

Em que ficamos?

Resposta:

Na frase que apresenta — «Abri um precedente» —, o termo precedente é um nome/substantivo, e não um adjetivo, o que faz muita diferença, pois os valores de cada um são distintos. Como substantivo/nome, a palavra precedente significa «procedimento ou circunstâncias anteriores que permitem explicar ou autorizar acontecimentos ou circunstâncias análogas» (Grande Dicionário da Língua Portuguesa, da Porto Editora), sendo praticamente sinónima de precedência, que, por sua vez, designa «preferência, primazia, direito de preceder» (idem).

Repare que se pode usar uma ou outra palavra para designar o mesmo (preferência, primazia):

«Abri um precedente» ou «abri uma precedência».

Por sua vez, enquanto adjetivo, precedente designa «antecedente, que está imediatamente antes; que pecede». Exemplo: «Nesta oração (subordinada), o pronome não desempenha nenhuma função sintática, mas, sim, na oração precedente (subordinante).»

Pergunta:

Gostaria de saber qual a forma mais correcta de grafar (com maiúsculas ou minúsculas) os nomes das guerras e das batalhas, de acordo com o novo AO.

Resposta:

A referência a uma batalha ou a uma guerra implica que se identifique com o respetivo nome cada uma das realidades históricas que se queira designar. Ora, como se trata de realidades que, «relativamente a um dado universo de referência, designam rigidamente um único referente pertencente à memória histórico-cultural coletiva» (Mira Mateus et al., Gramática da Língua Portuguesa, Lisboa, Caminho, 2003, p. 213), não há dúvida de que são nomes próprios1.

Portanto, como qualquer nome próprio, devem escrever-se com maiúscula inicial, o que já era previsto no Tratado de Ortografia (Coimbra, Atlântida, 1947, p. 335), de Rebelo Gonçalves, que indica o uso da maiúscula inicial «nas designações de factos históricos ou acontecimentos importantes e de atos ou empreendimentos públicos, de que são exemplo: Guerra Peninsular, Abrilada, Vila-Francada, Retirada dos Dez Mil, Revolução Francesa.

Nota: O Acordo Ortográfico mantém a regra do uso inicial da maiúscula nos nomes próprios, o que se pode depreender pelos artigos a) e b) do ponto 2 da Base XIX do (das maiúsculas e minúsculas) do AO e, também, pela seguinte observação: «As disposições sobre os usos das minúsculas e maiúsculas não obstam a que obras especializadas observem regras próprias, provindas de códigos ou normalizações específicas (terminologias antropológica, geológica, bibliológica, botânica, zoológica, etc.), promanadas de entidades científicas ou normalizadoras, reconhecidas internacionalmente.»