Eunice Marta - Ciberdúvidas da Língua Portuguesa
Eunice Marta
Eunice Marta
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Licenciada em Filologia Românica pela Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa e mestre (Mestrado Interdisciplinar em Estudos Portugueses) pela Universidade Aberta. Professora de Português e de Francês. Coautora do Programa de Literaturas de Língua Portuguesa, para o 12.º ano de escolaridade em Portugal. Ex-consultora do Ciberdúvidas e, atualmente, docente do Instituto Piaget de Benguela, em Angola.

 
Textos publicados pela autora

Pergunta:

Por favor, posso considerar a locução verbal «deve fazer» com valor de imperativo?

Exemplo: «Você deve fazer uma ilustração sobre o tema.»

Sei que algumas locuções pertencem ao modo imperativo, como: «Escolha ficar em silêncio!», pois trata-se de uma ordem. Mas e no primeiro caso?

Resposta:

De facto, tal como a consulente sugere, «o modo imperativo está relacionado com a modalidade deôntica» (Mira Mateus et al., Gramática da Língua Portuguesa, Lisboa, Caminho, 2003, p. 247) que está presente na frase «Você deve fazer uma ilustração sobre o tema» devido ao valor deôntico do verbo modal dever1, relacionado com «obrigação e permissão» (idem, p. 245), verbo este que se constrói com outros verbos no infinitivo.

Na frase apresentada, é evidente a expressão de obrigação que o verbo dever transmite, transparecendo a perspetiva do enunciador sobre a obrigatoriedade do recetor em relação a determinada situação, dando a ideia de uma proposta, de um conselho ou de uma ordem. Ora, indiretamente, está implícito o valor imperativo desse discurso. E se tivermos como referência a especificidade do modo imperativo, verificamos que este «se diferencia dos outros modos na medida em que se especializou na expressão da modalidade deôntica, relacionada com a ordem» (idem, p. 259).

Para além disso, não há dúvida de que se trata de uma frase imperativa, uma vez «que expressa um ato ilocutório diretivo, ou seja, com que, através do seu enunciado, o locutor visa obter num futuro imediato a execução de uma determinada ação ou atividade por parte do ouvinte» (idem, p. 449).

1 Sobre o verbo dever, a Gramática da Língua Portuguesa (ob. cit.) dedica um capítulo (cap. 9) a «Modalidade e Modo» (pp. 243-272), debruçando-se sobre a especificidade dos verbos modais dever, poder e ter de, do seu valor ou tipo de modali...

Pergunta:

Em qual dessas alternativas a pontuação está errada?

a. «Você sabia a resposta?»

b. «Seu silêncio, era um sofrimento.»

c. «Era linda como uma rosa!»

d. «Ele sempre a oferecia flores: adálias, jasmins e rosas.»

Resposta:

É a  frase b que tem  a pontuação errada. A vírgula está a separar o sujeito («Seu silêncio») do predicado («era um sofrimento»), violando essa regra básica da pontuação. Determina ela que «os termos essenciais e integrantes da oração ligam-se uns aos outros sem pausa; não podem, assim, ser separados por virgula». (Cunha e Cintra, Nova Gramática do Português Contemporâneo, Lisboa, Sá da Costa, 2002, p. 645).

Assim, para que a frase estivesse correta, não teria vírgula: «Seu silêncio era um sofrimento.»

Pergunta:

Tenho duas dúvidas:

– Quando queremos agradecer a alguém por escrito, qual das duas formas é a mais adequada: «Obrigado, João!» ou «Obrigado João!»? A vírgula deverá, ou não, ser colocada?

– Já agora, quando usar «Obrigada» e «Obrigado», também ao nível dos agradecimentos?

Resposta:

Como qualquer outro adjetivo (participal), o termo obrigado deve concordar – em género (masculino e feminino) e em número (singular e plural) – com o sujeito/emissor que o diz, ou seja, com a pessoa que agradece. Portanto, o consulente deverá dizer «Obrigado, João», mas, se for uma rapariga que o disser, deverá fazer o feminino: «Obrigada, João!»

Relativamente à colocação (ou não) da vírgula, ela é, de facto, obrigatória nesta situação, porque é ela que marca a presença do vocativo (a pessoa que se chama – João). Este é um dos casos particulares do emprego da vírgula, em que deve ser usada «para isolar o vocativo» (Cunha e Cintra, Nova Gramática do Português Contemporâneo, p. 641), como forma de destacar o apelo a determinada pessoa, o destinatário da nossa mensagem.

 

Cf. Um episódio só para dizer «obrigado»

Pergunta:

Gostaria de saber quando começamos um e-mail profissional ou pessoal, geralmente, colocamos o nome da pessoa ou um pronome de tratamento e logo depois uma virgula. Esta virgula está correta? E porquê?

Outra dúvida é sobre a expressão «gostaria de saber alguma coisa». Esse «gostaria de saber» está correto no início da oração?

Resposta:

Uso da vírgula após o nome da pessoa a quem nos dirigimos está correto, porque segue a regra da colocação da vírgula «para isolar o vocativo», o destinatário (Cunha e Cintra, Nova Gramática do Português Contemporâneo, Lisboa, Sá da Costa, 2002, p. 641).

Um e-mail é correio eletrónico. Portanto, para que se elabore corretamente qualquer mensagem (pessoal ou profissional), dever-se-á seguir as fórmulas e as regras próprias de uma missiva, da correspondência.

O problema é que — e talvez devido à "moda" de se poupar no número de carateres nas mensagens eletrónicas — se têm desvirtuado muitas das práticas específicas do texto de correspondência.

Ora, se nos dirigimos a alguém (usando o nome próprio, um cargo ou função), devemos marcar que a estamos a invocar, razão pela qual se usa a vírgula.

Relativamente à questão sobre o uso da fórmula «gostaria de saber...»:

O uso do condicional simples (ou futuro do pretérito, na nomenclatura brasileira), «como forma polida de presente, denotadora de desejo» (idem, p. 461), evidencia a delicadeza em se formular aquilo que se deseja saber, transparecendo o cuidado em não dizer abruptamente o que quer saber. Por isso, é correto que ocorra no início da frase, porque é correta, também, a forma como constrói o seu discurso.

Pergunta:

Na frase «Vou-vos contar uma história», qual a diferença entre usar o pronome e o verbo na segunda pessoa do plural? Por que não uso «Vou-lhes contar uma história»?

Resposta:

Na frase «Vou contar-vos uma história», o emissor dirige-se diretamente às pessoas a quem vai contar a história. Este pronome pessoal vos (forma átona referente à 2.ª pessoa do plural, com a função de complemento indireto) corresponde «a vós; a vocês».

Por sua vez, quando se usa o pronome lhes em «Vou-lhes contar uma história», o sujeito refere-se a outras pessoas que não são aquelas a quem se dirige. Esse lhes corresponde «a eles/elas». Repare-se nas seguintes frases:

«Eu estou aqui convosco e vou-vos contar uma história.»

«Eu fico com as crianças e vou contar-lhes uma história.»

Nota: A forma verbal não altera, o que muda é o pronome que designa a quem se vai contar a história.

Importa assinalar, também, que estas indicações só se aplicam ao português europeu. Para a realidade do português do Brasil, os consulentes podem consultar as seguintes respostas: «O uso de lhe como complemento direto» e «O uso do lhe em variadas situações».