Eunice Marta - Ciberdúvidas da Língua Portuguesa
Eunice Marta
Eunice Marta
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Licenciada em Filologia Românica pela Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa e mestre (Mestrado Interdisciplinar em Estudos Portugueses) pela Universidade Aberta. Professora de Português e de Francês. Coautora do Programa de Literaturas de Língua Portuguesa, para o 12.º ano de escolaridade em Portugal. Ex-consultora do Ciberdúvidas e, atualmente, docente do Instituto Piaget de Benguela, em Angola.

 
Textos publicados pela autora

Pergunta:

Eu gostava de saber se astro-rei tem hífen no novo acordo ortográfico.

Resposta:

A palavra astro-rei (nome/substantivo masculino) escreve-se com hífen, conforme se encontra registado no Vocabulário Ortográfico do Português, da responsabilidade do ILTEC, assim como no Vocabulário Ortográfico da Língua Portuguesa, da Porto Editora: «astro-rei [plural: astros-reis]».

Nota: Segundo o ponto 1 da Base XV (Do hífen em compostos, locuções e encadeamentos vocabulares) do Acordo Ortográfico de 1990, «emprega-se o hífen nas palavras compostas por justaposição que não contêm formas de ligação e cujos elementos, de natureza nominal, adjetival, numeral ou verbal, constituem uma unidade sintagmática e semântica e mantêm acento próprio, podendo dar-se o caso de o primeiro elemento estar reduzido: ano-luz, arcebispo-bispo, arco-íris, decreto-lei, és-sueste, médico-cirurgião, rainha-cláudia, tenente-coronel, tio-avô, turma-piloto, alcaide-mor, amor-perfeito, guarda-noturno,

Pergunta:

Queria saber se, quando o mas liga termos, e não orações, a vírgula é dispensada, facultativa ou obrigatória. Exemplo: Não fiz um trabalho exaustivo mas prazeiroso. A vírgula antes do mas é dispensada, facultativa, ou obrigatória?

Resposta:

Na frase «Não fiz um trabalho exaustivo mas prazeroso», em que mas não inicia uma oração adversativa, pois está usado com outro valor, o de exprimir a ideia de compensação (ou de retificação) entre dois termos/adjetivos da frase, a vírgula não é obrigatória, tal como sucede no exemplo apresentado por Cunha e Cintra, em Nova Gramática do Português Contemporâneo, Lisboa, Sá da Costa, 2002, p. 580):

«Uma luz bruxuleante mas teimosa continuava a brilhar nos seus olhos» (Miguel Torga, Vindima, p. 252).

Nota: É de referir que o Vocabulário Ortográfico da Língua Portuguesa, da Academia Brasileira de Letras, não regista o termo prazeiroso, talvez  porque se deva tratar de uma palavra usada no discurso oral e em contextos informais. Associado ao campo semântico e lexical de prazer, esse vocabulário acolhe somente prazeroso, adjetivo este que se encontra atestado, também, no Vocabulário Ortográfico do Português, da responsabilidade do ILTEC.

CfVirgula dep...

Pergunta:

No caso da frase «Fez dos alhos bugalhos», deverei usar uma vírgula a separar as duas últimas palavras?

Resposta:

Não, não deve usar a vírgula a separar os constituintes da frase, tal como sucede na expressão idiomática «mistura alhos com bugalhos».

Repare-se que na frase que nos apresenta a ordem das palavras está alterada, pois na ordem direta seria «Fez alhos dos bugalhos». Essa frase parece ter sido construída a exemplo de outra expressão —  «fez das tripas coração» —, em que é colocado em primeiro lugar o elemento usado para gerar a transformação, valorizando-se o poder e a arte de se conseguir obter algo que se deseja, superando os maiores e mais improváveis obstáculos.

Pergunta:

Encontro no dicionário: benquerer, benfazer. Não encontro benviver. Como fica bem-viver? Posso escrever com hífen: «A arte de bem-viver»? Muito grata.

Resposta:

A estrutura «bem viver» teria hífen, se se tratasse de «uma unidade sintagmática e se o segundo elemento começasse por vogal ou h» (Acordo Ortográfico de 1990), como é o caso de bem-estar, bem-aventurado ou bem-humorado.

Ora, não nos parece que «bem viver» se trate de um caso em que o advérbio bem forme uma unidade sintagmática com estar — embora possa parecer semelhante ao de bem-estar —, pois podemos alterar a ordem das palavras dessa estrutura, sem que o seu sentido se altere. Repare-se que o sentido da frase é o mesmo quer se diga «A arte de bem viver» ou a «A arte de viver bem». São palavras distintas que não formam um composto, razão pela qual mantêm a sua autonomia gráfica.

Nota: Como a Base XV (Do hífen em compostos, locuções e encadeamentos vocabulares) do Acordo Ortográfico de 1990 dedica o ponto 4. aos compostos formados com os advérbios bem e mal, considera-se pertinente transcrevê-lo: «Emprega-se o hífen nos compostos com os advérbios bem e mal, quando estes formam com o elemento que se lhes segue uma unidade sintagmática e semântica e tal elemento começa por vogal ou h. No entanto, o advérbio bem, ao contrário de mal, pode não se aglutinar com palavras começadas por consoante. Eis alguns exemplos das várias situações: bem-aventurado, bem-estar,

Pergunta:

«O Rui nem ligou nem deixou recado.»

«Não comi cerejas nem ameixas.»

Estamos perante duas orações coordenadas copulativas, ou disjuntivas?

Resposta:

A primeira frase — «O Rui nem ligou nem deixou recado» — é formada por duas orações coordenadas disjuntivas, pois as conjunções coordenativas correlativas «nem... nem» «precedem cada um dos elementos coordenados» (Dicionário Terminológico).

Já na segunda frase — «Não comi cerejas nem ameixas» —, estamos perante orações coordenadas copulativas, porque, neste caso, nem é uma conjunção coordenativa copulativa, significando «e não». Não se trata, portanto, de orações coordenadas disjuntivas, porque não estão ligadas «através de conjunção coordenativa que exprime um valor de alternativa face ao que é expresso pela oração com que se combina» (idem), o que só seria possível com a ocorrência da estrutura correlativa «nem... nem».

N. E. (26/04/2016) – A primeira frase foi corrigida: onde lia «duas orações coordenadas disjuntivas (ou correlativas)» passou a ler-se «duas orações coordenadas disjuntivas». Note-se que a expressão correlativa disjuntiva «nem... nem» é interpretável quer como disjuntiva quer como copulativa, podendo, portanto, substituir «não... nem...»: «... o operador de negação "não" e o coordenador "nem" [...] podem ser livremente substituídas por frases em que se empregue o operador descontínuo "nem... nem". Do ponto de vista da sua semântica, este operador pode ser interpretado tanto copulativamente como disjuntivamente.» (João A. Peres e Telmo Móia, Áreas Críticas da Língua Portuguesa, Lisboa, Editorial Caminho, 1995, p. 374.