Eunice Marta - Ciberdúvidas da Língua Portuguesa
Eunice Marta
Eunice Marta
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Licenciada em Filologia Românica pela Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa e mestre (Mestrado Interdisciplinar em Estudos Portugueses) pela Universidade Aberta. Professora de Português e de Francês. Coautora do Programa de Literaturas de Língua Portuguesa, para o 12.º ano de escolaridade em Portugal. Ex-consultora do Ciberdúvidas e, atualmente, docente do Instituto Piaget de Benguela, em Angola.

 
Textos publicados pela autora

Pergunta:

Na frase «Em Barcelona faz muito calor», porque se põe o advérbio muito antes do substantivo?

 

Resposta:

Se tivermos em conta o valor do advérbio muito, apercebemo-nos facilmente de que é um modificador, conferindo valores de intensidade ou de quantificação ao constituinte que modifica, razão pela qual «se caracteriza [tal como outros advérbios com o mesmo valor] por ocorrer junto dos constituintes que modifica» (Mira Mateus et alii, Gramática da Língua Portuguesa, Lisboa, Caminho, 2003, p. 422).

Por isso, quando «modifica um substantivo (um adjetivo, um particípio isolado, ou um outro advérbio) coloca-se de regra antes destes» (Cunha e Cintra, Nova Gramática do Português Contemporâneo, Lisboa, Sá da Costa, 2002, p. 541).

Pergunta:

Quero saber de que parte de Portugal vem o apelido Nabaes.
Meu bisavô veio para a Argentina aquando da guerra... e sempre quis saber isso. Mais do que tudo, porque quero averiguar se existem parentes lá!

Resposta:

O apelido Nabaes é um dos apelidos portugueses de origem geográfica que se encontram registados nas Inquirições de 1220, segundo J. Leite de Vasconcelos, em Antroponímia Portuguesa (Lisboa, Imprensa Nacional, 1928, p. 163).

Relativamente à origem geográfica, José Pedro Machado, no seu Dicionário Onomástico Etimológico da Língua Portuguesa, regista que o topónimo Nabais (Nabaes) se situa na Figueira da Foz, Tábua.

Esta obra indica, também, a existência do apelido Nabais (Nabaes) em São Tomé, em 1499: «vivia huu quesse chamaua o Nabaaes».

Pergunta:

É correto o uso da expressão «boceta de Pandora»? Não se corre o risco de se ser inconveniente se a introduzirmos no nosso discurso?

Resposta:

Vasco Botelho do Amaral, no seu Glossário Crítico das Dificuldades do Idioma Português (Porto, Ed. Domingos Barreira, 1947, pp. 53-54), regista a expressão «boceta de Pandora» como «uma poética imagem [...] muito empregada pelos literatos», simbolizando todos os males trazidos por Pandora e que se espalharam pela terra.

Essa expressão tem a sua origem na mitologia, segundo a qual Zeus enviou Pandora — a primeira mulher, fruto do contributo de todos os deuses, sob a ordem de Zeus —, dentro de uma boceta, como presente a Epimeteu, irmão de Prometeu: «Darei de presente aos homens, diz Zeus, um mal com que todos, do fundo do seu coração, desejarão rodear de amor a sua infelicidade» (Jean Chevalier e Alain Gheerbrant, Dicionário dos Símbolos, Lisboa, Teorema, 1994).

Pandora é, assim, «num mito hesiódico, a primeira mulher, criada por Hefesto e por Atena, com o auxílio de todos os outros deuses, por ordem de Zeus. Cada um deles lhe atribuiu um dom: recebeu assim a beleza, a graça, a destreza manual, a capacidade de persuadir e outras qualidades. Mas Hermes colocou no seu coração a mentira e a astúcia. H...

Pergunta:

Estou a preparar um estudo toponímico da Vila de São Brás de Alportel.

Existe um arruamento, a Rua da Dubadoura, que penso estar mal grafada na placa toponímica. Será mesmo Dubadoura, ou Dobadoura?

Resposta:

O Dicionário Onomástico Etimológico da Língua Portuguesa, de José Pedro Machado, regista unicamente a forma (singular) Dobadoura para o topónimo de Paços de Ferreira, assim como a forma plural Dobadouras em Monte das Dobadouras, Odemira.

Estes topónimos derivam do nome/substantivo comum dobadoura «[dobrar + -doura], aparelho giratório onde se enfiam as lãs, ou outros têxteis, para serem enoveladas ou dobadas» (Grande Dicionário da Língua Portuguesa, da Porto Editora, 2010).

Trata-se, portanto, de topónimos — tal como alguns antropónimos — cuja origem é «alusiva a instrumentos de trabalho, utensílios e matérias-primas» (J. Leite de Vasconcelos, Antroponímia Portuguesa, Lisboa, Imprensa Nacional, 1928) que identificavam certos locais.

Não encontrámos nestas obras específicas registo da rua que nos indica (em São Brás de Alportel), mas a forma gráfica da placa toponímica (decerto antiga), em que ocorre u (em vez do o), deve tratar-se de um caso em que o seu autor não dominava a ortografia e procurou representar o som proferido de forma mais simples.

Não podemos esquecer-nos de que, apesar das indicações que havia do Tratado de Ortografia (Coimbra, Atlântida, 1947) de que «se deve fazer rigorosa distinção entre o e u em sílaba átona» (p. 116), a mesma obra não deixa de assinalar, também, que se «admite a coexistência de uma forma com o em sílaba átona e de uma variante na mesma sílaba, quando elas não são casos de duplicidade gráfica, mas variantes fonéticas, justificadas pela evolução [...],...

Pergunta:

«Tenho clientes á procura de...»

Essa frase está correcta?

Resposta:

Não, não está correta. A forma correta da frase implica a colocação de acento grave em à — contração da preposição a com o artigo/determinante feminino a = a (prep.) + a (art.), ficando do seguinte modo: «Tenho clientes à procura de...».

Nota: Ao, à, aos e às não são pronomes, mas casos de contração/crase da preposição a com as formas do artigo/determinante definido o [a (prep.) + o (art.) = ao], [a (prep.) + a (art.) = à], os [a (prep.) + os (art.) = aos], as [a (prep.) + as (art.) = às]. Exemplo: «Vou ao cinema e, depois, à pastelaria, porque quero levar uns bolos aos meus pais e às minhas irmãs.»

A forma com acento agudo — a palavra ás (o ás) — é masculina e designa «carta de jogar; peça do dominó ou face do dado que tem uma pinta», Grande Dicionário da Língua Portuguesa, da Porto Editora) que também é usada para nos referirmos a uma «pessoa notável na sua especialidade» (idem), ex.: «Ele é um ás no volante.»

De grafia e de valor totalmente diverso, mas com a pronúncia comum, são as formas do presente do indicativo do verbo haver: , hás. Exemplos: «Há muito fumo»; «Hás de ver o filme comigo».