Eunice Marta - Ciberdúvidas da Língua Portuguesa
Eunice Marta
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Licenciada em Filologia Românica pela Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa e mestre (Mestrado Interdisciplinar em Estudos Portugueses) pela Universidade Aberta. Professora de Português e de Francês. Coautora do Programa de Literaturas de Língua Portuguesa, para o 12.º ano de escolaridade em Portugal. Ex-consultora do Ciberdúvidas e, atualmente, docente do Instituto Piaget de Benguela, em Angola.

 
Textos publicados pela autora

Pergunta:

Como é que se variam estes adjetivos no grau superlativo absoluto sintético?

Brincalhão, guloso, comilão e assustador.

Resposta:

O grau superlativo absoluto sintético forma-se, geralmente, pelo acréscimo do sufixo -íssimo, o que sucede com dois dos adjetivos apresentados:

guloso gulosíssimo

assustador assustadoríssimo (forma pouco usada)

Por sua vez, como os adjetivos «terminados no ditongo -ão fazem o superlativo em -aníssimo», os outros adjetivos seguem esta regra:

brincalhão brincalhaníssimo

comilão comilaníssimo.

 Os adjetivos brincalhão e comilão, embora se encontrem no grau normal, confundem-se com formas de aumentativo, tornando estranhas as formas de superlativo sintético. Por isso, será aconselhável a preferência pelas formas analíticas de superlativo para qualquer das palavras indicadas: «muito guloso», «imensamente assustador», «muito brincalhão e comilão».

Cf. Cunha e Cintra, Nova Gramática do Português Contemporâneo, Lisboa, Sá da Costa, 2002, pp. 258-260.

Pergunta:

A construção «Ele estava sendo observado» pode ser considerada correta?

Já me deparei com críticas sobre o verbo estar seguido de gerúndio.

Resposta:

«Ele estava sendo observado» é uma frase correta, sem qualquer lugar para dúvida, equivalendo à construção de infinitivo gerundivo «Ele estava a ser observado», pois «existe comutabilidade entre o infinitivo preposicionado e o gerúndio nesta construção (Mira Mateus et alii, Gramática da Língua Portuguesa, Lisboa, Caminho, 2003, p. 643).

 

Basta recorrermos às gramáticas para verificarmos que o gerúndio pode ocorrer em locuções verbais, pois «combina com os auxiliares estar, andar, ir e vir, para marcar diferentes aspetos da execução do processo verbal» (Cunha e Cintra, Nova Gramática do Português Contemporâneo, Lisboa, Sá da Costa, 2002, p. 490).

Na frase apresentada, em que o gerúndio ocorre após o verbo estar, «indica uma ação durativa num momento rigoroso» (idem), tal como nos exemplos do poema de Manuel Bandeira:

«Estavam todos dormindo,/ Estavam todos deitados,/ Dormindo,/ Profundamente.»

Por sua vez, quando o gerúndio é usado após o verbo andar, «indica uma ação durativa em que predomina a ideia de intensidade ou de movimento reiterado»:

«João Fanhoso andava amanhecendo sem entusiasmo, sem coragem para enfrentar os problemas que enchiam aqueles dias compridos» (Mário Palmério, Vila dos Confins, 97).

«Andei bu...

Pergunta:

Tenho diversas dúvidas sobre a nossa língua que gostaria de ver esclarecidas. Como me surgiram na prática, remeto as frases em concreto em que as dúvidas se colocaram, pedindo que assinalem qual a hipótese correta e, se possível, qual a regra aplicável:

«Queres-la?»

ou

«Queres-a?»

ou

«Quere-a?»

ou

«Quere-la?»

Resposta:

Tudo depende do sujeito do verbo, razão pela qual são corretas as duas seguintes formas:

Quere-a — se se tratar da 3.ª pessoa do singular do presente do indicativo do verbo querer conjugado com o pronome a, um caso de exceção, uma vez que «a par de quer, 3.ª pessoa do singular do presento do indicativo, emprega-se também quere no português europeu, quando a forma verbal vem acompanhada de um pronome enclítico: quere-a» (Cunha e Cintra, Nova Gramática do Português Contemporâneo, Lisboa, Sá da Costa, 2002, p. 431). Exemplos: «quere-o(s)» e «quere-a(s)».

Quere-la — se o sujeito da forma verbal for um tu (2.ª pessoa do singular), o que implica que a forma do presente do indicativo da conjugação regular seja queres, que, quando conjugado encliticamente com os pronomes o, a, os, as, «suprime-se a consoante final -s, e o pronome assume as modalidades lo, la, los, las [regra que se aplica, também, quando as formas verbais terminam em -r ou -z]» (idem, p. 280).

Pergunta:

Tenho diversas dúvidas sobre a nossa língua que gostaria de ver esclarecidas. Como me surgiram na prática, remeto as frases em concreto em que as dúvidas se colocaram, pedindo que assinalem qual a hipótese correta e, se possível, qual a regra aplicável:

«Trata-se do direito dos assinantes de aceder a listas», «Trata-se do direito dos assinantes acederem a listas», ou «Trata-se do direito de os assinantes acederem a listas»?

Resposta:

«Trata-se do direito de os assinantes acederem a listas» é a forma correta da frase por duas razões:

— não se deve fazer a contração/crase da preposição de com o artigo/determinante definido os, porque se trata de um caso em que a preposição «está relacionada com o verbo, e não com o substantivo que o artigo/determinante introduz» (Cunha e Cintra, Nova Gramática do Português Contemporâneo, Lisboa, Sá da Costa, 2002, p. 211), ou seja, porque introduz uma construção de infinitivo («de os assinantes acederem»);

— é aconselhável o uso da forma flexionada do infinitivo (acederem), «quando o sujeito é claramente expresso» (idem, p. 485) — «os assinantes» —, uma vez que se verifica aí «o intuito ou necessidade de se pôr em evidência o agente da ação», situação analisada por Said Ali (em Gramática Secundária da Língua Portuguesa) e transcrita por Cunha e Cintra (idem, p. 487).

Pergunta:

Gostaria de perguntar se a frase «Foi mais fácil para mim aceitar a mim mesmo como um ser imperfeito [...]» seria considerada gramaticalmente correta.

Existe algum caso em que a formação mim + verbo seja considerada correta?

Resposta:

Parece-nos que seria de acrescentar à frase que apresentou o pronome -me após o infinitivo aceitar, o que seria reforçado pela estrutura a mim, ficando o enunciado da seguinte forma:

«Foi mais fácil para mim aceitar-me a mim mesmo como um ser imperfeito.»

Repare-se que as formas tónicas de pronome pessoal (mim, ti) regidas da preposição a usam-se , «acompanhando um pronome átono [clítico], para ressaltar o objeto/complemento (direto ou indireto)» (Cunha e Cintra, Nova Gramática do Português Contemporâneo, Lisboa, Sá da Costa, 2002, p. 300).

Relativamente à ocorrência de «para mim» (com valor de «na minha opinião»), não há nada que justifique incorreção, podendo ser colocada no início ou no final da frase:

«Para mim, foi mais fácil aceitar-me a mim mesmo como um ser imperfeito.»

«Foi mais fácil aceitar-me a mim mesmo como um ser imperfeito, para mim.»

Relativamente à segunda questão que nos apresenta:

Como sabemos, as formas tónicas de pronome pessoal [mim, ti...] só se usam antecedidas de preposição (para, por, em, de, entre, a) e podem ocorrer em várias posições na fase e desempenhando diferentes funções, não se conhecendo nenhuma regra que restrinja o seu emprego antes de verbo. Por exemplo: