Eunice Marta - Ciberdúvidas da Língua Portuguesa
Eunice Marta
Eunice Marta
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Licenciada em Filologia Românica pela Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa e mestre (Mestrado Interdisciplinar em Estudos Portugueses) pela Universidade Aberta. Professora de Português e de Francês. Coautora do Programa de Literaturas de Língua Portuguesa, para o 12.º ano de escolaridade em Portugal. Ex-consultora do Ciberdúvidas e, atualmente, docente do Instituto Piaget de Benguela, em Angola.

 
Textos publicados pela autora

Pergunta:

Estou realizando uma pesquisa qualitativa, e nas entrevistas apareceu a expressão «dar trabalho». As pessoas idosas temem «dar trabalho» a alguém, no contexto de tornar-se dependente de alguém ou ficar incapaz de se cuidar.

Gostaria, por favor, de perguntar sobre a etimologia da expressão «dar trabalho», que, a meu ver, difere de «dar-se ao trabalho».

Resposta:

A questão que apresenta não está relacionada com a etimologia da(s) expressões «dar trabalho» e «dar-se ao trabalho», mas com a sintaxe do verbo dar, que acolhe vários tipos de construções às quais a semântica está, implicitamente, ligada.

Mediante as estruturas que o verbo seleciona, o seu valor altera-se, estando dependente das relações entre os constituintes da frase.

O uso do verbo dar como verbo transitivo direto e indireto — GN [sujeito] + V [verbo] + GN [comp. direto] + GP (a) [compl. indireto] — , o que implica estruturas com a preposição a («dar a»), confere-lhe novos significados, destacando-se os seguintes:

– oferecer, como, por exemplo, na frase: «Os netos deram um ramo de flores à avó.»

– entregar: «A secretária dará a correspondência ao paquete1

– conceder: «A nova fábrica dará emprego a 500 trabalhadores.» «O patrão deu ao funcionário mais responsabilidades.» «Dê um minuto da sua atenção àqueles idosos.»

– comunicar: «Esqueci-me de dar os parabéns ao Paulo.»

– fornecer: «A autarquia fornece habitação a munícipes carenciados.»

– ditar: «O tribunal dera uma pena pesada ao arguido.»

– aplicar: «A mulher deu um estalo ao filho.»

– ministrar: «Dê o xarope à criança.» «O professor dá português e francês à mesma turma.»

– produzir: «Estas uvas vão dar ...

Pergunta:

Na expressão «corpo humano», qual a classe morfológica da palavra humano?

Resposta:

A palavra humano, na expressão «corpo humano», equivalendo a «do homem ou relativo ao homem», é, sem dúvida alguma, um adjetivo que se refere a/carateriza/qualifica o nome (substantivo) corpo.

Para além deste sentido, o adjetivo humano designa também «bondoso, generoso, compassivo». Exemplo: «Ela mostrou-se extremamente humana naquela situação tão desagradável para todos.»

Nota: Embora a palavra humano ocorra, na grande maioria das situações, como adjetivo, não podemos deixar de referir que pode ser, também, nome/substantivo, sobretudo na sua forma plural, com o valor de «os homens». Exemplo: «Em muitas situações, os bichos são melhores do que os humanos.»

Pergunta:

Li isso em um anúncio e fiquei em dúvida:

«Estamos selecionando para contratação imediata, pessoas de ambos os sexos...»

Está certo, ou errado?

Resposta:

O uso da vírgula na frase apresentada é incorreto, porque está colocada antes do complemento direto da frase, separando-o do sujeito e do predicado.

No entanto, se a expressão «para contratação imediata» estivesse entre vírgulas, não haveria uma situação de incorreção, porque a presença das duas vírgulas a demarcar a expressão explicativa não provocaria a separação dos constituintes assinalados:

«Estamos selecionando, para contratação imediata, pessoas de ambos os sexos.»

Repare-se que tal expressão poderia ocorrer noutras posições na frase sem que o sentido da mesma se alterasse:

«Estamos selecionando pessoas de ambos os sexos, para contratação imediata.»

«Para contratação imediata, estamos selecionando pessoas de ambos os sexos.»

Pergunta:

Qual é a análise morfossintática da frase: «A doutora Isabel viajou a trabalho»?

Fico em dúvida sobre a classificação tanto sintática quanto morfológica das palavras «doutora» e «Isabel».

Resposta:

Análise sintática da frase «A doutora Isabel viajou a/em trabalho»:

Sujeito: «A doutora Isabel»

 

Predicado: «viajou a trabalho»

«viajou»: verbo

«a trabalho»: complemento preposicional (oblíquo)

Se, por sua vez, analisarmos cada um dos constituintes da frase, verificamos o seguinte:

— o sujeito — «A doutora Isabel» — é um sintagma nominal (SN) constituído pelo artigo/determinante definido (A) e por dois nomes/substantivos — doutora Isabel —, sendo doutora um nome/substantivo comum (título profissional) e Isabel um nome próprio.

— o predicado — «viajou a trabalho» — é constituído pelo núcleo verbal (viajou) e pelo complemento preposicional (a trabalho) selecionado pelo verbo.

Pergunta:

Antes de mais, parabéns pelo vosso trabalho!

Gostaria de saber qual a construção correta de frases com verbos ver, ouvir, etc.

1) «Vi-o fazer o bolo.»

2) «Vi-o a fazer o bolo.»

3) «Vi-os fazer o bolo.»

4) «Vi-os a fazer o bolo.»

5) «Vi-os a fazerem o bolo.»

6) «Vi-os fazerem o bolo.»

7) «Vi-te (a) fazer o bolo.»

8) «Vi-te (a) fazeres o bolo.»

Resposta:

Todas as construções das oito frases apresentadas são possíveis e corretas.

Embora possa parecer estranha a diversidade de situações, a realidade é que são possíveis construções de infinitivo flexionado e não flexionado, assim como preposicionado ou não, devido ao facto de se tratarem de casos dependentes do verbo sensitivo/percetivo ver [o que se aplica, também, ao verbo ouvir].

Tanto o verbo ver como o verbo ouvir, enquanto verbos percetivos, podem selecionar vários tipos de completivas (cf. Mira Mateus et alii, Gramática da Língua Portuguesa, Lisboa, Caminho, 2003, pp. 640-645):

— completivas com infinitivo flexionado, de que são exemplos as frases: 

6) «Vi-os fazerem o bolo.»
8) «Vi-te fazeres o bolo.»
 

— completivas com infinitivo não flexionado cuja construção «se carateriza por o verbo da completiva ocorrer no infinitivo não flexionado e por o sujeito da completiva ocorrer em acusativo [...], propriedade esta que levou a que a construção tenha recebido a denominação de marcação de caso excecional ou de infinitivo com sujeito acusativo» (idem, p. 642), de que são exemplos as frases: 

1) «Vi-o fazer o bolo.»
3) «Vi-os fazer o bolo.»
7) «Vi-te fazer o bolo.» 
 

— completivas com infinitivo gerundivo, que se devem ao facto de os verbos percetivos poderem selecionar como complemento frases infinitivas preposicionada que são parafrareáveis por frases em que ocorra o gerúndio na completiva. Devido à «comutabilidade entre infinitivo ...