Eunice Marta - Ciberdúvidas da Língua Portuguesa
Eunice Marta
Eunice Marta
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Licenciada em Filologia Românica pela Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa e mestre (Mestrado Interdisciplinar em Estudos Portugueses) pela Universidade Aberta. Professora de Português e de Francês. Coautora do Programa de Literaturas de Língua Portuguesa, para o 12.º ano de escolaridade em Portugal. Ex-consultora do Ciberdúvidas e, atualmente, docente do Instituto Piaget de Benguela, em Angola.

 
Textos publicados pela autora

Pergunta:

Fiquei com uma dúvida e resolvi enviar. Podem ajudar? Apesar de ter dado uma lida prévia em perguntas parecidas, não ficou claro para mim como proceder. Por favor, gostaria que esclarecessem:

Depois de interjeições, quando o nome for comum, usa-se minúscula ou maiúscula?

Exemplos: «Oh! quanta miséria!», «Nossa Senhora, que frio!», «Ai! meu Deus!»... ou «Oh! Quanta miséria!», «Nossa Senhora, Que frio!», «Ai! Meu Deus!»?

Resposta:

Como procuram representar representar as nossa emoções, sentimentos súbitos e espontâneos, traduzindo gritos instintivos e equivalendo a frases emocionais, «na escrita, as interjeições vêm de regra acompanhadas do ponto de exclamação [!]» (Cunha e Cintra, Nova Gramática do Português Contemporâneo, Lisboa, Sá da Costa, 2002, p. 588).

Ora, apesar de o ponto de exclamação ser considerado um dos sinais que marcam sobretudo a melodia, «tem na essência o mesmo valor do ponto final, apenas com a particularidade de imprimir à frase a entoação específica da exclamação, da admiração, do espanto, da surpresa» (Rodrigo de Sá Nogueira, Guia Alfabética da Pontuação, Lisboa, Clássica Editora, 1974, p. 65), o que implica o uso de maiúscula após esse sinal. Portanto, de regra, dever-se-á usar a maiúscula após as interjeições, desde que estas estejam seguidas de ponto de exclamação. 

São os casos dos exemplos seguintes em que são usadas interjeições: «Oh! Quanta miséria!» e «Ai! Meu Deus!».

Relativamente à outra frase —«Nossa Senhora, que frio!» —, importa referir que a expressão «Nossa Senhora» não se encontra registada como uma interjeição nem uma locução interjetiva. No entanto, poder-se-á considerar que tem valor semelhante à da locução interjetiva «valha-me Deus!», uma vez que as duas expressões manifestam o mesmo sentimento, o de invocação, um dos que se encontram enumerados na lista de sentimentos/interjeições (cf. Cunha e Cintra, ob. cit., p. 587). Quer se trate efetivamente, ou não, de uma locução interjetiva, a realidade é que a mesma representa uma invocação. Por isso, exerce a função de vocativo na frase, evidenciando um apelo, um chamamento do sujeito a Nossa Senhora. Por sua vez, «na escrita, o vocativo vem normalmente isolado por vírgulas, ou seguido de ponto de exc...

Pergunta:

Na frase «Há várias espécies de plantas como bananeira, jaqueira, laranjeira etc.», deve-se colocar vírgula antes ou depois do termo como?

Resposta:

Não haveria dúvida alguma do uso da vírgula antes da conjunção como, se este termo estivesse seguido de «por exemplo» — «como, por exemplo» —, em que é feita uma pausa explicativa, o que implicaria que estivesse isolado por vírgulas, e que a frase ficasse do seguinte modo:

«Há várias espécies de plantas, como, por exemplo, bananeira, jaqueira, laranjeira, etc.»

ou

«Há várias espécies de plantas, como, por exemplo: bananeira, jaqueira, laranjeira, etc.»

No entanto, tal como a frase se encontra, é facultativa a vírgula entre plantas e a conjunção como, separando os dois termos.

Quanto à sequência introduzida por como, esta conjunção introduz a enumeração de várias espécies (que constituem sucessões) entre as quais se deve empregar a vírgula (cf. Rodrigo de Sá Nogueira, Guia Alfabética da Pontuação, Lisboa, Clássica editora, 1974, p. 91).

Pergunta:

Gostaria de saber se os produtos com denominação de origem protegida (DOP) devem grafar-se com maiúscula ou com minúscula inicial (por exemplo: Queijo Serra da Estrela; Queijo Terrincho; Borrego Terrincho; Carne Marinhoa; etc.).

Resposta:

Embora, de facto, se trate dos nomes dos produtos com denominação de origem protegida, não nos parece que os vocábulos queijo, borrego, carne (e de outros produtos) se escrevam com maiúscula inicial, porque se trata de nomes comuns a que se associam os respetivos nomes próprios, os das regiões de origem, que se escrevem com maiúscula inicial, porque se trata de topónimos [conforme 2.b) da Base XIX do Acordo Ortográfico de 1990].

Portanto, considera-se que a forma correta será: queijo serra da Estrela, queijo Terrincho, borrego Terrincho, carne Marinhoa, etc.

Poder-se-á estranhar o uso da minúscula no produto (queijo, carne, borrego,etc.), restringindo a maiúscula aos nomes da regiões que representam (que constitui o nome próprio do produto), pelo facto de a sigla DOP [denominação de origem protegida] se grafar com maiúsculas, mas este é um1 dos casos previstos pelo Acordo Ortográfico 90.

Nota: Não podemos, no entanto, deixar de referir uma observação do AO sobre o uso das maiúsculas que deixa aberta a possibilidade da decisão das entidades normalizadoras, reconhecidas internacionalmente: «As disposições sobre os usos das minúsculas e maiúsculas não obstam a que obras especializadas observem regras próprias, provindas de códigos ou normalizações específicas (terminologias antropológica, geológica, bibliológica, botânica, zoológica, etc.), promana...

Pergunta:

Colaboro na correcção de dados bibliográficos para uma comunidade online de leitores. Os títulos em inglês devem levar quase todas as palavras "importantes" em maiúscula inicial, mas a minha ideia é que nas línguas latinas, apenas a primeira palavra e os nomes próprios devem levar maiúscula. Ora bem, também sei que, até o século XIX, o costume português era parecido ao inglês (por exemplo, Amor de Perdição).

Deveria corrigir a ficha para Amor de perdição? Para já, estou a deixar os títulos antigos com quase todas as maiúsculas e limito-me a corrigir os títulos contemporâneos.

Resposta:

Até à aplicação do atual acordo — o Acordo Ortográfico de 1990 —, nas obras de língua portuguesa os títulos escreviam-se com maiúsculas iniciais, como, por exemplo: A Cidade e as Serras, O Primo Basílio, Novos Contos da Montanha, etc.

Mas, a partir da entrada em vigor do Acordo Ortográfico de 1990, só é obrigatória a maiúscula inicial na primeira palavra do título das obras, podendo escrever-se as restantes com minúscula, conforme está indicado na alínea c) do ponto 1 da Base XIX: «Nos bibliónimos/bibliônimos (após o primeiro elemento, que é com maiúscula, os demais vocábulos podem ser escritos com minúscula, salvo nos nomes próprios nele contidos, tudo em grifo): O Senhor do Paço de Ninães, O Senhor do paço de Ninães, Menino de Engenho, Menino de engenho, Árvore e Tambor ou Árvore e tambor.

Portanto, como é facultativo o uso de maiúsculas/minúsculas a partir da primeira palavra do título dos livros, poderá escrevê-lo das duas formas: Amor de Perdição e Amor de perdição.

Pergunta:

A que herói o sujeito poético se refere no poema O Infante?

Resposta:

No poema O Infante da segunda parte, Mar Português, de Mensagem (Fernando Pessoa), o sujeito poético dirige-se a um tu, lembrando-lhe a sua marca distintiva de eleito, escolhido e elevado à imortalidade por Deus — «Sagrou-te, e foste desvendando a espuma» (1.ª estrofe), «Quem te sagrou criou-te português. / Do mar e nós em ti nos deu sinal» (3.ª estrofe).

Ora, este tu, português «que [foi] desvendando a espuma», é alguém que dedicou a sua vida a desvendar os mistérios desconhecidos do mar, reunindo à sua volta os investigadores e estudiosos que pudessem colaborar na descoberta dos novos mundos. Repare-se que o emprego do gerúndio «desvendando» evidencia, precisamente, um tempo que se prolongou no processo da preparação para as descobertas na Escola de Sagres, criada pelo Infante D. Henrique, o príncipe que se entregou ao sonho das descobertas marítimas.

É ele este tu (marca de proximidade do sujeito), elevado ao estatuto de herói, pelo seu contributo no engrandecimento do seu povo e como referência, como modelo de um ser superior que não desiste dos seus sonhos. Por isso, desde o início do poema, é hiperbolizado com a carga semântica da «sagração», campo lexical com que é marcado pelo sujeito poético.

 

Cf.