Eunice Marta - Ciberdúvidas da Língua Portuguesa
Eunice Marta
Eunice Marta
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Licenciada em Filologia Românica pela Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa e mestre (Mestrado Interdisciplinar em Estudos Portugueses) pela Universidade Aberta. Professora de Português e de Francês. Coautora do Programa de Literaturas de Língua Portuguesa, para o 12.º ano de escolaridade em Portugal. Ex-consultora do Ciberdúvidas e, atualmente, docente do Instituto Piaget de Benguela, em Angola.

 
Textos publicados pela autora

Pergunta:

Qual a melhor maneira de dizer: «mais grande», ou «maior»?

Resposta:

Embora nos possa parecer estranho, a realidade é que existem as duas formas de comparativo de superioridade do adjetivo grande — a irregular/especial, maior; e a regular/analítica, «mais grande» —, mas o uso da regular («mais grande») está restrito a uma situação específica, razão pela qual pode ser considerado um caso de exceção.

Assim, somente «quando se confrontam duas qualidades ou atributos do mesmo ser/objeto» (Cunha e Cintra, Nova Gramática do Português Contemporâneo, Lisboa, Sá da Costa, 2002, p. 262) é que é possível o emprego das formas analíticas de comparativo de superioridade de grande [assim como do dos outros adjetivos de forma especial: «muito mau»/pior; «muito bom»/melhor; «muito pequeno»/menor].

Repare-se que o uso das formas regulares, neste caso específico de exceção, torna a frase mais explícita, pois o emprego das formas irregulares dificultaria a sua compreensão, provocando estranheza em quem as lesse/ouvisse. Exemplos:

«Esta casa é mais grande do que bonita.» (*«Esta casa é maior do que bonita.»)

«O cão é mais grande do que perigoso.» (*«O cão é maior do que perigoso.»)

«Aquela tese está mais grande do que boa.» (*«Aquela tese está maior do que boa.»)

«Ele foi mais mau do que desgraçado.» (*«Ele foi pior do que desgraçado.»)

«Ele é mais bom do que inteligente.» (*«Ele foi melhor do que inteligente.»)

Portanto, em todas as outras situações, ou seja, «q...

Pergunta:

Ocorreu-me recentemente uma dúvida: mês é apenas um nome comum, ou é comum coletivo? Sendo comum coletivo, então, dia, hora, minuto... também o são?

Resposta:

Se tivermos como referência o Dicionário Terminológico, nome comum coletivo é todo o «nome que se aplica a um conjunto de objetos ou entidades do mesmo tipo», verificamos que essa classificação corresponde à da chamada gramática tradicional, que inclui nessa subclasse dos nomes comuns aquele que, «no singular, designa um conjunto de seres ou coisas da mesma espécie» (Cunha e Cintra, Nova Gramática do Português Contemporâneo, Lisboa, Sá da Costa, 2002, p. 178).

Por sua vez, a Gramática da Língua Portuguesa (Lisboa, Caminho, 2003, pp. 233-234), de Mira Mateus et alli, define como coletivos «os nomes que remetem para um dado conjunto que são uma parte plural encarada como um elemento (companhia, rebanho, equipa...), o que está em consonância com o defendido por Bechara, na sua Moderna Gramática Portuguesa (Rio de Janeiro, Nova Fronteira, 2009,pp. 115-116): «os nomes/substantivos que, na forma singular, fazem referência a uma coleção ou conjunto de objetos, de pessoas, de animais e de coisas.»

Ora, como mês designa «cada um dos doze períodos do ano em que o ano se divide» e «período de trinta dias» ou «período entre uma data qualquer de um mês até à data correspondente do mês seguinte» (Grande Dicionário da Língua Portuguesa, da Porto Editora, 2010), não corresponde a um nome coletivo, uma vez que não representa um conjunto de dias (que se possa dizer que sejam do mesmo tipo).

Por isso, e pela mesma ordem de ideias,...

Pergunta:

«Sejam cultivadores do amor, edificadores de vidas, e carregue/carreguem sempre no peito o orgulho de serem mestres.»

Nesta frase, qual é a forma certa, uma vez que o Word e o Google corrigem para «carregue», mas há alguns professores que diz ser «carreguem».

Resposta:

A forma correta tem o verbo no plural, dando continuidade e concordando com a pessoa da forma verbal do início do discurso:

«Sejam cultivadores do amor, edificadores da vida, e carreguem no peito o orgulho de serem mestres.»

A frase apresentada é uma frase imperativa em que sobressai um discurso exortativo/apelativo, dirigido a várias pessoas (representado pela «forma de tratamento vocês [...], que tem como destinatário o interlocutor do falante, e por isso semanticamente equivalente a uma segunda pessoa, embora gramaticalmente seja a terceira pessoa do plural» (Mira Mateus et alii, Gramática da Língua Portuguesa, Lisboa, Caminho, 2003, pp. 451-452).

Trata-se, portanto, de um caso de uma frase imperativa de uso do «conjuntivo presente na terceira pessoa do plural que surge como supletivo do imperativo» (idem, p. 452): «Sejam... e carreguem.»

Pergunta:

Gostaria de saber, se possível, a origem da expressão «ter a mania», quando nos referimos a alguém "gabarolas", que se julga importante/sabichão...

 

Resposta:

Pode parecer estranha, mas não é de modo nenhum ilógica a relação entre a palavra mania (hoje tão comum nos nossos discursos) e o respetivo valor etimológico.

Segundo o Dicionário Etimológico da Língua Portuguesa, de José Pedro Machado, mania deriva «do termo médico do latim mania, "loucura", proveniente «do grego manía, "loucura, demência, delírio profético, transporte, inspiração"».

É evidente que, atualmente, tal palavra não é associada a doença, mas a verdade é que se mantém o sentido um tanto ou quanto negativo — ou, mesmo, pejorativo — associado à ideia de ilusão e delírio de algumas pessoas que teimam em fazer-se passar por algo que não são.

Nota: Como o consulente usa, também, a palavra gabarola como sinónimo de alguém que «tem a mania», é de referir que esse termo se encontra registado como uma expressão popular portuguesa, usada para designar «pessoa vaidosa que se enaltece a si mesma; fanfarrão; jactancioso» (Guilherme Augusto Simões, Dicionário de Expressões Populares Portuguesas, Lisboa, Dom Quixote, 2000, p. 339). Na mesma linha de sentido, ocorre uma outra expressão popular «Gaba-te cesta» e/ou «Gaba-te, cesta, que vais para a vindima» que é dita «para uma pessoa que está a evidenciar virtudes que não tem» ou «a alguém que se auto elogia» (Orlando Neves, Dicionário de Expressões Correntes, Lisboa, Editorial Notícias, 1998, p. 200).

Nota: Veja-se, entretanto, o contributo do consulente Luís Cardoso.

Pergunta:

De acordo com a nova ortografia, caíram os acentos agudos em vogais abertas paroxítonas, correto? Pois bem, quero saber se esta nova regra se aplica aos nomes de cidades, estados, etc.

Resposta:

Como sabemos, as palavras paroxítonas/graves «não são em geral acentuadas graficamente» (ponto 1 da Base IX do Acordo Ortográfico de 1990), pois a língua portuguesa é uma língua grave, uma vez que a sílaba tónica da grande maioria das palavras recai na penúltima sílaba. Por isso, desde há muito tempo, e «em virtude desta lei fundamental da nossa língua, a acentuação das palavras paroxítonas/graves só se faz excecionalmente, isto é, nos casos em que a sua falta poderia levar a hesitações ou erro de leitura» (José Nunes de Figueiredo e António Gomes Ferreira, Compêndio de Gramática Portuguesa, Lisboa, Bertrand, 1965, p. 46).

É essa a razão pela qual as Bases IX e X do Acordo Ortográfico de 1990 estipulam que, no caso das palavras paroxítonas/graves, só se acentuam: 

Com acento agudo:

– As palavras paroxítonas que apresentam na sílaba tónica/tônica as vogais abertas grafadas a, e, o e ainda i ou u e que terminam em -l, -n, -r, -x e -ps, assim como, salvo raras exceções, as respectivas formas do plural, algumas das quais passam a proparoxítonas: amável (pl. amáveis), Aníbal, dócil (pl. dóceis), dúctil...