Eunice Marta - Ciberdúvidas da Língua Portuguesa
Eunice Marta
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Licenciada em Filologia Românica pela Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa e mestre (Mestrado Interdisciplinar em Estudos Portugueses) pela Universidade Aberta. Professora de Português e de Francês. Coautora do Programa de Literaturas de Língua Portuguesa, para o 12.º ano de escolaridade em Portugal. Ex-consultora do Ciberdúvidas e, atualmente, docente do Instituto Piaget de Benguela, em Angola.

 
Textos publicados pela autora

Pergunta:

Gostaria de saber a origem do meu nome, Teresa.

Resposta:

Teresa é, segundo J. Leite de Vasconcelos, um dos «nomes próprios portugueses de estirpe grega transmitido por intermédio da Igreja» (Antroponímia Portuguesa, Lisboa, Imprensa Nacional, 1928, p. 45), formado a partir da forma arcaica Tareja1, derivada do latim Therasia, esposa de S. Paulino (séc. IV), que, por sua vez, remete para o grego θηρασια, feminino de θηρασιοʂ, habitante da ilha de Therasia, no mar Egeu (cf. p. 47).

Por sua vez, José Pedro Machado, em Dicionário Onomástico Etimológico da Língua Portuguesa (vol. III), elucida-nos sobre a história deste antropónimo, recuando até à sua atestação, o que ocorre com o nome da «mulher de S. Paulino de Nola (Meropius Pontius Paulinus), bispo de Bordéus (353-431), [que] se chamava Therasia de Compluto (perto de Alcalá). Era de origem hispânica e esse nome manteve-se confinado à Península Ibérica durante alguns séculos», só saindo da península «por volta do séc. XVI, popularizado pela fama de Santa Teresa de Ávila (1515-1582) e, mais tarde, pela de Santa Teresa do Menino Jesus (1873-1897)».

Ainda segundo este autor, em Portugal, este nome entrou duas vezes, com várias formas. «A primeira, Tarasia (falso latinismo), documenta-se em 915 e 959; em 1096, há Taraxia, Tarazia, Taraxea (Leges

Pergunta:

Aquando do meu estudo sobre processos de construção das poesias medievais, confundiram-me conceitos como «coplas capdenals, capcaudais» com os conceitos de «dobre» e «mozdobre»; serão sinónimos?

Resposta:

Segundo o Dicionário de Termos Literários (1978), de Massaud Moisés, o termo galego-português dobre «designava, na poesia trovadoresca galaico-portuguesa1, a repetição de um vocábulo em dois ou mais lugares da estrofe, incluindo a fiinda». Elucida, ainda, que, regra geral, o dobre aparecia no primeiro e último verso de cada estrofe, mas podia ocorrer noutros passos: o importante é que a disposição adotada na primeira cobra/copla se reproduzia, simetricamente, nas demais. O termo repetido podia constituir a única rima em todos os versos de cada estrofe, como é o caso da cantiga de Pero Garcia Burgalês:

Ai eu coitad´! e por que vi

a dona que por meu mal vi!

Ca deus lo sabe, po-la vi,

nunca já mais prazer ar vi,

per boa fé, u a non vi;

ca de quantas donas u vi,

tão boa dona nunca vi.

É esta, decerto, a razão pela qual o dobre tem sido considerado «equivalente das rims equivocs (rimas equívocas) da poesia provençal, mas, ao que parece, trata-se de expedientes formais distintos» (idem, p. 160): enquanto o primeiro consistia na simples recorrência vocabular, por rimas equívocas «ent...

Pergunta:

Qual a origem da expressão «nunca mais é sábado»?

Resposta:

A origem da expressão «nunca mais é sábado!», significando «nunca mais chega o dia (para se descansar ou distrair)» (Dicionário das Expressões Correntes, de Orlando Neves), está, decerto, associada ao valor etimológico de sábado, palavra derivada «do latim sabbatu-, de origem hebraica — o shabbath, "descanso semanal" —, mas recebida por via do grego sábbaton, "o sábado, dia de repouso entre os Judeus"» (Dicionário Etimológico da Língua Portuguesa, vol. V, de José Pedro Machado).

Poderá parecer-nos estranho o facto de não se ter utilizado o domingo como o atual dia de referência do repouso, o dia feriado de origem religiosa (de comemoração do Domingo Pascal, que passou a ser o dia de oração e repouso). Mas não nos podemos esquecer, também, de que a nossa cultura é judaico-cristã, razão pela qual se manterão vivos os valores de uma e da outra religião.

Pergunta:

Poderão, por favor, elucidar-me sobre a origem da expressão, usada antigamente, para com as pessoas que não eram confiáveis: «És mesmo um galego»?

Resposta:

É de origem segura a expressão «trabalhar como um galego», significando «escravo de trabalho» (Dicionário de Expressões Populares Portuguesas, de Guilherme Augusto Simões) ou «trabalhar muito mais do que o habitual» (Dicionário de Expressões Correntes, de Orlando Neves).

O atributo galego ocorre simultaneamente com valor positivo, para significar o trabalho árduo, estrénuo, incansável, daquele que se esforça, mas também negativo, o trabalho baseado apenas na força física, equiparável ao do animal de tração. Expressões como «anda, galego», de incitamento ao trabalho, «filho d’um galego», «parece que pariu a galega», utilizada como fórmula de espanto ou de admiração em ajuntamentos de pessoas, ou simplesmente «à galega», ou seja, à bruta ou de qualquer maneira, são exemplos dessa forte carga negativa.

Registem-se ainda as expressões «galegada» ou «galeguice», significando «grosseria», «incivilidade» ou algo de difícil compreensão por ser dito muito depressa, ou o facto de o vocábulo «labrego», no sentido de rude ou grosseiro, significar originalmente o camponês galego. Tudo expressões ou vocábulos de forte conotação pejorativa resultantes de uma antiga tradição de cariz negativo em relação aos galegos, com raízes na História.

Devido ao facto de a Galiza ser uma região rural e pobre ou como modo de fugir ao serviço militar, aliado à proximidade fronteiriça e às afinidades linguísticas, fizeram de Portugal um destino de emigração galega. Desde a Reconquista Cristã e dos primórdios da nacionalidade que há registo da presença de galegos no território português. De forma mais expressiva, porém, a partir do século XVII, favorecido pela dominação filipina, recrudescendo no início do ...

Pergunta:

Um familiar meu está a fazer um estudo em registos paroquiais do século XIX, e tem frequentemente encontrado a expressão «filhos da Igreja».

Quererá essa expressão significar «órfãos» ou «expostos da roda»?

Resposta:

Não encontrámos nenhum registo, nas obras1 consultadas, da expressão «filhos da Igreja», mas de uma outra idêntica — «filho de Deus» —, identificada como alentejana2 (por Guilherme Augusto Simões, no seu Dicionário de Expressões Populares Portuguesas, p. 325), cujo significado está relacionado com o valor dado pelo consulente à expressão sobre a qual nos apresenta a questão: «enjeitado», «filho exposto», ou seja, «aquele que foi abandonado pelos pais; aquele cuja paternidade se desconhece» e que era, habitualmente, recolhido pela Igreja (razão pela qual ficou também conhecida a expressão «colocado na roda», que recua a épocas remotas, em que o bebé era colocado numa roda que havia no exterior dos mosteiros/conventos).

É interessante notar as várias expressões populares usadas para designar o filho enjeitado, recusado pelo pais, evidenciando o abandono a que a criança é votada e a entrega a uma entidade superior (filho de Deus) e à natureza: «filho das ervas3», «filho das tristes ervas», «filho das malvas» e «filho das ervas e neto das águas correntes».

1 Da bibliografia específica sobre as expressões correntes, populares e idiomáticas portuguesas: Dicionário de Expressões Correntes (Lisboa, Ed. Notícias, 1998), de Orlando Neves; Dicionário de Expressões Populares Portuguesas (Lisboa, Dom Quixote, 2000, de Guilherme Augusto Simões; Novos Dicionários de Expressões Idiomáticas (Lisboa, Ed. Sá da Costa, 1990), de António Nogueira Santos.

2 Guilherme Augusto Simões indica como referência a obra Vocabulário Alenteja...