Eunice Marta - Ciberdúvidas da Língua Portuguesa
Eunice Marta
Eunice Marta
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Licenciada em Filologia Românica pela Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa e mestre (Mestrado Interdisciplinar em Estudos Portugueses) pela Universidade Aberta. Professora de Português e de Francês. Coautora do Programa de Literaturas de Língua Portuguesa, para o 12.º ano de escolaridade em Portugal. Ex-consultora do Ciberdúvidas e, atualmente, docente do Instituto Piaget de Benguela, em Angola.

 
Textos publicados pela autora

Pergunta:

«Sentar na mesa», ou «sentar à mesa»? Se for «à mesa», porquê?

Resposta:

Se o verbo sentar(-se) for usado com o sentido de «pôr(-se) sobre um assento, as preposições corretas são em ou sobre. Exemplos:

«Sentou o filho na cadeira, nos (ou sobre os) joelhos.»

«Sentou-se na poltrona.»

«Sentei a menina na cama.»

«Sentara-me no sofá, e ela, no chão.»

«Sentou-se numa pedra, já cansado.»

Por sua vez, como verbo prononimal [sentar-se], quando a ideia é «junto de» e com o valor de «tomar lugar; colocar-se; assentar-se», usa-se a preposição a. Exemplos:

«Vá, sente-se à secretária e faça o relatório!»

«Ela, pela tardinha, senta-se à janela.»

«Naquele domingo, sentei-me à mesa numa cadeira muito alta.»

«Sentando-o à sua mesa e provendo-o das coisas que lhe escasseavam.» (Camilo, Consolação, p. 17)

É de referir que Celso Luft, no seu Dicionário Prático da Regência Verbal (2003), diz que, no Brasil, embora em linguagem culta formal se mantenha a sintaxe primitiva sentar-se a [para designar "junto a"], é usual também sentar-se em, como documenta Luiz Carlos Lessa, em O Modernismo brasileiro e a língua portuguesa (1976):

«Sentaram-se na mesa para tomar café.» (José Lins do Rego)

...

Pergunta:

Gostaria de saber se Tibúrcio é apelido de família ou também pode ser alcunha. Qual a origem?

Resposta:

Tanto o Vocabulário Ortográfico da Língua Portuguesa (Coimbra, Coimbra Editora, 1966), de Rebelo Gonçalves, como o Dicionário Onomástico Etimológico da Língua Portuguesa (Lisboa, Livros Horizonte, 2003), de José Pedro Machado, registam os nomes Tibúrcio (forma masculina) e Tibúrcia (forma feminina), o que nos leva a depreender que se trata de primeiros nomes próprios. No entanto, esta última obra indica, ainda, que Tibúrcio surge como apelido na Lista de Telefones de Lisboa de 1973/1974.

Por sua vez, Tibúrcio tem origem no latim, no nome masculino Tiburtīus, derivado de Tiburtīnus, natural de Tibur, hoje Tivoli, perto de Roma (Dicionário de Nomes de Pessoas, de Sebastião Laércio de Azevedo, 1993; Dicionário Onomástico Etimológico da Língua Portuguesa, ob. cit.). O primeiro registo em português data de 1265, «Tiburcio Martjjz», no Livro dos Bens de D. João de Portel, p. 23.

Nota: Não encontrámos nenhuma informação sobre este nome em Antroponímia Portuguesa (Lisboa, Imprensa Nacional, 1928), do professor José Leite de Vasconcelos.

Pergunta:

Gostaria de saber se a palavra desprovisionamento existe na língua portuguesa.

Resposta:

Os vocabulários ortográficos (Vocabulário Ortográfico da Língua Portuguesa, da Academia Brasileira de Letras, 2009; Vocabulário Ortográfico do Português, da responsabilidade do ILTEC; Vocabulário Ortográfico da Língua Portuguesa, da Porto Editora, 2009; Rebelo Gonçalves, Vocabulário Ortográfico da Língua Portuguesa, Coimbra, Coimbra Editora, 1966; Vocabulário Ortográfico da Língua Portuguesa, da Academia das Ciências de Lisboa, 1940) e os dicionários (Dicionário Houaiss da Língua Portuguesa, Rio de Janeiro, 2009 e 2001; Grande Dicionário da Língua Portuguesa, da Porto Editora, 2010; Dicionário da Língua Portuguesa Contemporânea, da Academia das Ciências de Lisboa, 2001) consultados não registam as formas "desproviosionamento" nem "proviosinamento".

No entanto, estas obras abonam as seguintes palavras:

provisionar (do latim provisiōne-, «previdência; precaução; ação de prover; provisão; abastecimento» + -ar), «conceder provisão (documento) a (alguém) para o exercício de algumas profissões»; «o mesmo que  aprovisionar»;

Pergunta:

Como se escreve o superlativo de delicioso? Deliciosíssimo? Delicíssimo?

Resposta:

Tendo como referência as regras da formação do superlativo absoluto sintético, que é feita «pelo acréscimo ao adjetivo do sufixo -íssimo» e «se o adjetivo terminar em vogal, esta desaparece ao aglutinar-se o sufixo» (Cunha e Cintra, Nova Gramática do Português Contemporâneo, Lisboa, Sá da Costa, 2002, p. 258), apercebemo-nos de que a forma correta é deliciosíssimo (tal como estudiosíssimo).

Nota: Só fazem o superlativo em -císsimo os adjetivos terminados em -z (idem) de que são exemplos capacíssimo [de capaz], felicíssimo [de feliz], atrocíssimo [de atroz], velocíssimo [de veloz] e, também, alguns cujo superlativo deriva da forma latina, sensivelmente diferente da da forma portuguesa do adjetivo (idem, p. 259), o que se observa em casos como amicíssimo [de amigo], dulcíssimo [de doce], inimicíssimo [de inimigo], simplicíssimo [ou simplíssimo, de simples].

Pergunta:

Gostaria de saber se, na frase «A Fada Rainha, com um manto de luz preso por uma estrela, sentou-se no seu trono de cristal», a palavra preso é um verbo (particípio passado de prender).

Resposta:

Na estrutura «com um manto de luz preso por uma estrela», o termo preso é, de facto, a forma (irregular) de particípio passado1 do verbo prender, pois a própria construção desse excerto tem caraterísticas de uma frase passiva [«manto foi/está preso por uma estrela»].

A questão apresentada deve-se, decerto, à incerteza entre tratar-se de um caso de particípio passado ou de adjetivo, pois, tal como acontece com muitos outros particípios — como, por exemplo, cansado, preocupado, educado, aberto, aborrecido, embaraçado, enfurecido, desolado, ferido, torturado —, preso (com o sentido de «que está ligado; atado») é um dos casos de «particípios verbais [que] funcionam sintaticamente como adjetivos, surgindo em posição predicativa ou atributiva e podendo ser modificados por expressão de grau» (Mira Mateus, Gramática da Língua Portuguesa, Lisboa, Caminho, 2003, p. 374).

Para se concluir se um particípio pode ser considerado adjetivo, deve verificar-se se é uma verdadeira forma verbal. Ora, «a prova da natureza verbal desses particípios é a possibilidade de serem acompanhados de advérbios temporais/aspetuais e a impossibilidade de surgirem em posição pré-nominal; quando as formas não admitem esses advérbios e quando ocupam a posição pré-nominal, são adjetivos:

«um manto de luz preso por uma estrela»/«um manto de luz recentemente preso por uma estrela»