Pergunta:
Tenho uma dúvida acerca da correcção do exame nacional de português do 12.º ano. Enderecei a dúvida ao GAVE, que me disse que "da questão colocada não decorre necessidade de esclarecimento", algo que é em si mesmo ridículo. Para mais, a dúvida parece-me legítima. Confiante de que a equipa do Ciberdúvidas, que muito prezo, me poderá esclarecer sobre a questão, decidi enviar-vos este e-mail.
A dúvida é a que se segue.
Como é que a resposta correcta à pergunta 1.1 das perguntas de escolha múltipla da versão 2 pode não ser a A? Afinal, ainda que no texto seja feita referência a uma defesa da Peregrinação, essa coincide na repreensão de que o autor é alvo por relatar acontecimentos falsos. Não coincidirá noutra repreensão que outras leituras críticas façam da obra, mas por certo coincide na repreensão de que o autor é alvo por relatar acontecimentos falsos, já que é escrita em defesa do autor, motivada por se afirmar em leituras críticas que Fernão Mendes Pinto relata acontecimentos falsos. Coincide, assim, nessa repreensão, que, sublinhe-se, não é uma repreensão qualquer: é a repreensão de que o autor é alvo por relatar acontecimentos falsos. Não a subscreve? Não.
Mas aborda-a. Incide nela. "Co-incidem" – as leituras da obra – nessa repreensão.
Resposta:
Embora o texto do Grupo II da Prova de Escrita de Português, do Exame Nacional do Ensino Secundário, de Ana Paula Laborinho, tenha como título «O Livro dos Fingimentos» (in Jornal de Letras, Artes e Ideias, de 29/12/2010 a 11/01/2011) — formulação que teve como referência o comentário (pouco conveniente) feito à Peregrinação pelo jesuíta João Rodrigues, antigo companheiro de Fernão Mendes Pinto, na sua obra História da Igreja do Japão —, da sua leitura depreende-se que o objetivo da autora é precisamente desconstruir essa imagem negativa de relato de fingimento passada pelo historiador jesuíta sobre a narrativa de Mendes Pinto, valorizando o recurso à ficção e à recriação da realidade.
Importa ter em conta que a Peregrinação de Fernão Mendes Pinto não é um documento histórico nem foi feito com essa intenção, pois está construído na 1.ª pessoa, o que retira qualquer possibilidade de se pensar que se poderia tratar de um texto fundado na objetividade e na imparcialidade das ações narradas e dos universos descritos. Esta obra foi escrita por um narrador (não por um historiador ou cronista da época) a partir das memórias das suas vivências e das suas viagens pelo Oriente, em que a subjetividade interfere na realidade observada e vivida, em que o olhar é fruto do sentir, em que as emoções e os sentimentos misturam verdade e ficção, o real e o imaginário, sem que o texto perca o seu valor. Não nos podemos esquecer de que se trata de um texto literário, de um relato de viagem e de aventura, e não de um texto histórico.
Por isso, desde o primeiro parágrafo se verifica a reabilitação da obra, enquanto texto literário, pois a autora vai evidenciando os argumentos em que contraria a ideia de «obra da mentira» veiculada por «poderosas vozes contra a veracidade do relato, sendo exemplar o comentário [...] de...