Eunice Marta - Ciberdúvidas da Língua Portuguesa
Eunice Marta
Eunice Marta
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Licenciada em Filologia Românica pela Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa e mestre (Mestrado Interdisciplinar em Estudos Portugueses) pela Universidade Aberta. Professora de Português e de Francês. Coautora do Programa de Literaturas de Língua Portuguesa, para o 12.º ano de escolaridade em Portugal. Ex-consultora do Ciberdúvidas e, atualmente, docente do Instituto Piaget de Benguela, em Angola.

 
Textos publicados pela autora

Pergunta:

Qual é o recurso estilístico presente na seguinte frase: «entre mim e a evidência paira uma névoa cinzenta» [António Gedeão, Forma de Inocência]?

Resposta:

Nessa frase há mais do que um recurso estilístico, destacando-se os seguintes:

— a personificação, uma vez que «a evidência» é colocada ao nível da pessoa do sujeito de enunciação, sendo-lhe atribuídas qualidades (a nível da capacidade de raciocinar) próprias do ser humano;

— a metáfora em «paira uma névoa», pois há aí a fusão de duas realidades sem o termo de ligação/comparação (é como se pairasse uma névoa), em que o sujeito recorre à imagem da névoa a pairar para procurar verbalizar a dificuldade que tem em «ver», em «compreender» algo que é considerado evidente;

— o pleonasmo em «névoa cinzenta», porque se está a repetir uma ideia, uma vez que a névoa é cinzenta. Com este pleonasmo, o sujeito quer evidenciar a cor cinzenta da névoa, tornando-a quase espessa, marcando o facto de o impedir de vislumbrar o que deveria «ver».

Pergunta:

A palavra diácono é abreviada diác., existe no meio religioso o uso de "Dc".

Minhas perguntas: Pode-se aceitar este uso? Eu acho que não, porque já existe uma abreviatura para este vocábulo, mas preciso de confirmação.

E no caso da forma feminina, não encontrei nada a respeito. Uso a abreviatura "Diácsa". Está de acordo, ou não?

Grata.

Resposta:

A forma registada pelo Vocabulário Ortográfico da Língua Portuguesa (VOLP), edição de 2009, da Academia Brasileira de Letras (ABL) — assim como pelo Vocabulário Ortográfico da Língua Portuguesa (2009), da Porto Editora — como abreviatura de diácono é diác., o que assinala que essa é a grafia oficialmente atestada para essa palavra.

Relativamente ao uso de Dc., é de referir que existem duas formas com essas duas letras que figuram como abreviaturas no VOLP da ABL, distintas da apresentada pela consulente: d. C. e D. C. para designarem «depois de Cristo». Portanto, nenhuma delas é reconhecida para representar a palavra diácono.

Quanto à formação de uma abreviatura para a forma feminina da palavra, a realidade é que não há nenhum registo da forma abreviada de diaconisa, o que indica que não há atestação da redução desse termo, uma vez que outras formas femininas figuram nesta obra, como por exemplo: D., d. e D.ª  como abreviaturas de donaDra. para doutora; eng. como abreviatura de engenheiro(a);

Pergunta:

Ouvimos frequentemente esta palavra aplicada à data de vencimento de um empréstimo. Será que já adoptamos o anglicismo maturity date? É que o significado tem que ver com alguém que já atingiu a idade madura, com responsabilidade, ponderação, bom senso.

Agradeço que me esclareçam.

Resposta:

Recomenda-se «data de vencimento».

O Grande Dicionário da Língua Portuguesa (2010), da Porto Editora, regista os seguintes significados para a palavra maturidade (do latim maturitate-) — «estado de maduro; pleno desenvolvimento; madureza; estado de espírito no seu  auge; perfeição» —, não se verificando nenhuma referência a qualquer tipo de associação deste termo às áreas da economia, das finanças, da banca, da gestão.

Consultando o sítio Linguee, verifica-se a tradução mais frequente de maturity date é «data de vencimento». Além disso, o Oxford Portuguese Dictionary e o Webster´s Dicionário Inglês-Português, de Antônio Houaiss e Ismael Cardim, indica quem, em linguagem financeira, maturity é equivalente a vencimento.

Apesar disso, refira-se que em pesquisa realizada na Internet, nos demos conta do uso da palavra maturidade pela banca e em textos do domínio da economia e da gestão, com o sentido indicado pela consulente, como se pode observar através dos excertos retirados:

«BCP planeia venda de dívida com maturidade de três anos. O Banco Comercial Português pretende realizar uma emissão de títulos de dívida em euros com uma maturidade de três anos» (Negócios online).

«Bilhete do Tesouro (BT) — valor mobiliário repre...

Pergunta:

Supondo que um professor pergunte aos alunos se na frase «Todos vamos à praia» as regras de concordância foram respeitadas, o aluno deveria responder o quê? E a pergunta mais importante: a silepse (de qualquer tipo) é um desvio gramatical (um erro de concordância)?

Grato!

Resposta:

Relativamente à concordância com o quantificador universal todos, aconselha-se a consulta da resposta sobre esse caso, em que se pode verificar que todos (e ambos) podem ser seguidos de pronomes pessoais (nós, vós, eles e elas) e/ou demonstrativos (estes, esses, aqueles), o que implica a respectiva concordância da forma verbal.

Portanto, pressupõe-se que na frase «Todos vamos à praia» tenha havido a omissão do pronome nós («Todos nós») — que está aí subentendido — para que a forma verbal ocorresse desta forma. Trata-se, assim, de uma situação de elipse — uma vez que estamos perante uma situação de «omissão  de uma expressão que o contexto linguístico ou a situação permitem recuperar» (Mira Mateus et al., Gramática da Língua Portuguesa, 5.ª ed., Lisboa, Caminho, 2003, p. 871) —, conduzindo, por sua vez, a um caso de silepse de pessoa, o que não corresponde a uma situação de erro ou incorre{#c|}ção gramatical. Repare-se na explicação formulada pelos gramáticos Cunha e Cintra para a silepse de pessoa — «quando a pessoa que fala ou escreve se inclui num sujeito enunciado na 3.ª pessoa do plural, o verbo pode ir para a 1.ª pessoa do plural» (Celso Cunha e Lindley Cintra, Nova Gramática do Português Contemporâneo,13.ª ed., Lisboa, Sá da Costa, 1997, p. 626) —, em que todos surge como sujeito num dos exemplos apresentados: «Todos entramos imediatamente.»

Pergunta:

Qual é a forma correta?

— tomar uma opção

— fazer uma opção

Resposta:

De imediato, surgem-nos as seguintes construções/estruturas, decerto, por se tratar daquelas que mais frequentemente ouvimos/lemos/dizemos: «tomar uma decisão», «tomar uma atitude» e «fazer uma opção».

De qualquer modo, para que possamos responder com maior rigor, importa verificar a etimologia e o significado de cada uma dessas palavras.

Assim, opção (do latim optiōne-) designa «acto ou efeito de optar; optação; livre escolha; preferência; tomada de posição; aquilo que se escolhe, ou por que se opta» (Grande Dicionário da Língua Portuguesa, da Porto Editora, 2010).

Por sua vez, o verbo fazer — «do latim facĕre, “fazer; executar; exercer uma profissão; fazer de maneira que; supor; representar; fingir; procriar; formar; modelar; criar; eleger; calcular, estimar; ser conveniente; ser adequado» (José Pedro Machado, Dicionário Etimológico da Língua Portuguesa, 4.ª ed., Lisboa, Livros Horizonte, 1987) — significa «dar existência ou forma a; criar; produzir; gerar; construir; inventar; realizar; arranjar; representar; completar; concluir; alcançar; percorrer; formar; conceder (título, graça ou mercê) a; causar; haver» (Grande Dicionário da Língua Portuguesa, op. cit.).

Por outro lado, tomar («de origem incerta», segundo o Dicionário Etimológico da Língua Portuguesa) tem os seguintes significados: «pegar em; agarrar; apanhar (ar); conquistar (território); prover-se de; apoderar-se de; ficar com; ingerir (alimento, bebida, medicamento); confiscar; apreender; roubar; escolher; optar por; adoptar; assumir; adquirir (aspecto, estado); utilizar; receber; aceitar; ocupar; gastar; consumir; fazer perder; considerar; julgar; interpretar» (idem).

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