Eunice Marta - Ciberdúvidas da Língua Portuguesa
Eunice Marta
Eunice Marta
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Licenciada em Filologia Românica pela Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa e mestre (Mestrado Interdisciplinar em Estudos Portugueses) pela Universidade Aberta. Professora de Português e de Francês. Coautora do Programa de Literaturas de Língua Portuguesa, para o 12.º ano de escolaridade em Portugal. Ex-consultora do Ciberdúvidas e, atualmente, docente do Instituto Piaget de Benguela, em Angola.

 
Textos publicados pela autora

Pergunta:

Gostaria de saber qual é a função sintática desempenhada por «à poluição», «relativamente» e «no cinema» nas frases apresentadas. Devemos incluí-los no predicativo do sujeito, ou considerar que à exceção de «relativamente», que faz parte do predicativo do sujeito, «à poluição» é o complemento indireto e «no cinema» o modificador do grupo verbal?

1. «Os homens parecem indiferentes à poluição.»

2. «O acento circunflexo é relativamente raro.»

3. «Os sinais são frequentes no cinema.»

Antecipadamente grata.

Resposta:

Observe-se o que diz o Dicionário Terminológico (DT) sobre o predicativo do sujeito, tendo em atenção os exemplos apresentados, assim como a explicitação das notas:

Predicativo do sujeito — função sintáctica desempenhada pelo constituinte que ocorre em frases com verbos copulativos, que predica algo acerca do sujeito. O predicativo do sujeito pode ser um grupo nominal (i), um grupo adjectival (ii), um grupo preposicional (iii) ou um grupo adverbial (iv-v). Exemplos:

(i) O João é [professor de Matemática].
(ii) Os alunos estão [muito interessados].
(iii) A Joana ficou [na escola].
(iv) A minha casa é [aqui].
(v) O teste é [amanhã]. Notas: O predicativo do sujeito contribui para a interpretação do sujeito, atribuindo-lhe uma propriedade, uma característica ou uma localização (temporal ou espacial). Neste sentido, diferencia-se dos complementos dos verbos transitivos (directos ou indirectos), cujo significado não contribui necessariamente para uma identificação de uma propriedade ou de uma localização atribuível ao sujeito. É possível constatar que expressões com valor locativo seleccionadas por verbos copulativos desempenham a função de predicativo do sujeito, porque podem ser coordenadas com outros constituintes com a mesma função, independentemente do seu valor:

(i) O João está [em Paris e muito doente].

A partir destas informações, verifica-se que o predicativo do sujeito pode ser constituído por uma ou mais palavras pertencentes a grupos diferentes (grupo nominal, adjectival, preposicional ou adverbial), o que significa que designam realid...

Pergunta:

Dada a frase «Senti alívio de imediato», como devo classificar «de imediato»? Como locução adverbial de tempo? Ou outra?

Grata pela atenção.

Resposta:

Uma vez que nos apresenta a expressão «de imediato» numa frase, coloca-se-nos a questão sobre o tipo de classificação que a consulente pretende.

Se o que a consulente deseja tem que ver com as classes de palavras (como nos parece), «de imediato» é, como sugere, uma locução adverbial. Trata-se de uma locução adverbial , porque é uma «sequência de palavras que funciona, sintáctica e semanticamente, como uma só» (Dicionário Terminológico – DT), mais precisamente, «que funciona como um advérbio (Celso Cunha e Lindley Cintra, Nova Gramática do Português Contemporâneo, 13.ª ed., Lisboa, Sá da Costa, 1997, p. 540). Tendo em conta «a tradição gramatical, que costuma organizar os advérbios [e as locuções adverbiais] em classes baseadas em critérios nocionais» (Mira Mateus et al., Gramática da Língua Portuguesa, Lisboa, Caminho, 2003, p. 418), e à semelhança das locuções «em breve», «de tempos a tempos», «de quando em quando», que expressam a ideia de tempo, «de imediato»  pode ser classificada como uma locução adverbial de tempo (de acordo com a proposta apresentada).

Mas, tratando-se da classificação de «de imediato» na frase, confonta-nos com uma outra perspectiva: a da função sintáctica dessa expressão. Neste caso, «de imediato» é um modificador — «função sintáctica desempenhada por constituintes não seleccionados por nenhum elemento do grupo sintáctico de que fazem parte. Por não serem seleccionados, a sua omissão geralmente não afecta a gramaticalidade de uma frase. Os modificadores podem ter diferentes formas (grupo adverbial, grupo preposicional e oração) e diferentes valores semânticos» (DT).

Pergunta:

Os complementos circunstanciais quando à direita do verbo pertencem ao predicado?

Na frase «A lágrima continuava na face da Rita», dever-se-á admitir «na face da Rita» como complemento circunstancial de lugar, sendo que continuava é um verbo significação? Faz parte, ou não, do predicado?

Obrigada!

Resposta:

As dúvidas que nos apresenta colocam-nos perante uma questão de perspectiva terminológica. Uma vez que não sabemos qual o ciclo de ensino a que esta questão diz respeito, optou-se por apresentar duas perspectivas terminológicas. Assim:

I) Se encararmos essa frase segundo a perspectiva tradicional (que respeita a Nomenclatura Gramatical Portuguesa de 1967), a sua análise sintáctica seria:

Predicado — «continuava» (neste caso, como verbo de significação definida)
Sujeito — «a lágrima»
Complemento circunstancial de lugar — «na face da Rita».

 

II) Se seguirmos o Dicionário Terminológico, a análise da frase é:

Sujeito — «a lágrima»
Predicado — «continuava na face da Rita»
«continuava» — verbo (copulativo)
«na face da Rita» — predicativo do sujeito.

 

Repare-se que, segundo o Dicionário Terminológico, o verbo continuar é classificado como verbo copulativo:

Costumam listar-se como verbos copulativos os seguintes: ser, estar, ficar, parecer (como em "parecer doente"), permanecer, continuar (como em "continuar calado"), tornar-se e revelar-se. Exemplos:

     (i) A Teresa está doente.
     (ii) A Ana é veterinária.
     (iii) A Margarida ficou calada.
     (iv) A Margarida continua em Lisboa.

Pergunta:

Que nome específico se dá, se o tiver, ao elemento paratextual citação que aparece, por vezes, em destaque, por exemplo, no início de um capítulo de um livro?

Resposta:

Trata-se de uma epígrafe, termo que designa uma «breve sentença ou citação no início de uma obra, logo a seguir à folha de rosto ou à dedicatória, ou imediatamente antes de um capítulo, de um discurso, de uma composição poética» (Dicionário da Língua Portuguesa Contemporânea, da Academia das Ciências de Lisboa, 2001).

Essa palavra ocorre, com alguma frequência, na expressão «em epígrafe», tal como se pode verificar no seguinte exemplo: «Antes de lerem o conto, comentaram a frase em epígrafe.»

Pergunta:

Gostaria de saber o significado do seguinte provérbio:

«Beleza não põe mesa.»

Desde já agradeço.

Resposta:

O provérbio «beleza não põe mesa», ou «beleza não se põe à mesa» (José Pedro Machado, O Grande Livro dos Provérbios, 3.ª ed., Lisboa, Ed. Notícias, 2005, p. 112), corresponde a uma forma mais simplificada de um outro provérbio, cujo sentido/significado é mais evidente: «Beleza e formosura não dão pão nem fartura» (idem).

Em tais provérbios sobressaem dois campos semânticos: o da beleza (e da formosura) e o da mesa (representada pelo pão, símbolo da alimentação, e da fartura, símbolo da abundância, do que se que se coloca na mesa). Entre esses dois bens, a beleza é desvalorizada em relação ao pão, à mesa, à fartura, sobressaindo o sentido prático da vida.

Com estes provérbios pretende-se passar a lição de que não nos devemos centrar na beleza, na aparência como valores primordiais, porque são supérfluos e vazios, destacando a sua inutilidade como fonte de vida e de saúde. Por sua vez, e em detrimento da beleza, o pão/a alimentação ganham destaque como elementos essenciais à sobrevivência, à saúde, à energia e ao bem-estar.