Eunice Marta - Ciberdúvidas da Língua Portuguesa
Eunice Marta
Eunice Marta
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Licenciada em Filologia Românica pela Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa e mestre (Mestrado Interdisciplinar em Estudos Portugueses) pela Universidade Aberta. Professora de Português e de Francês. Coautora do Programa de Literaturas de Língua Portuguesa, para o 12.º ano de escolaridade em Portugal. Ex-consultora do Ciberdúvidas e, atualmente, docente do Instituto Piaget de Benguela, em Angola.

 
Textos publicados pela autora

Pergunta:

Qual seria o aumentativo da palavra estrela?

Resposta:

A formação do grau aumentativo pode ser feita por dois processos:
a) sinteticamente, mediante o emprego dos sufixos aumentativos usados em português: -ão (caldeirão, paredão), -alhão (vagalhão), -(z)arrão (homenzarrão, gatarrão, canzarrão), -eirão (asneirão, caldeirão), -aça (barbaça, barcaça), -aço (animalaço, ricaço), -ázio (copázio), -uça (dentuça), -anzil (corpanzil), -aréu (fogaréu), -arra (bocarra), -orra (cabeçorra), -astro (medicastro), -az (lobaz), -alhaz (facalhaz), -arraz (patrarraz);

b) analiticamente, acrescentando-se um adjetivo que indique aumento ou esteja relacionado com essas noções, tal como grande, enorme, etc.

Quando se fala em aumentativos, é comum pensar-se na forma sintética, esquecendo-nos do processo analítico, apesar de este ser bastante (ou, antes, mais) usual no discurso quotidiano. É esse o caso do aumentativo de estrela, que até é registado no Dicionário da Língua Portuguesa, da Porto Editora, como «estrela supergigante», uma vez que designa «uma estrela mais luminosa de qualquer tipo espectral».

No entanto...

Pergunta:

Se repetimos a palavra morto, assim: morto/morto/morto/morto, formamos uma nova palavra: tumor. Que nome se dá a essa construção?

Resposta:

Quando nos apercebemos de situações em que predomine (e se destaque) a repetição de sons (tanto em em textos literários como em discursos/textos não literários), entramos no domínio do trocadilho, da aliteração, da eufonia, da cacofonia, do cacófato, do eco, da colisão e do hiato, uma série de recursos expressivos que investem no valor sugestivo produzido por essa repetição.

Poderemos dizer que se trata de um caso particular de cacofonia, uma vez que há a repetição de sons desagradáveis numa determinada sequência (embora não estejamos perante uma sequência frásica) – mais precisamente o de cacófato, que se verifica quando nos encontramos perante «a ocorrência de sons iguais no final de uma palavra e no começo na seguinte» (E-Dicionário de Termos Literários, de Carlos Ceia).

É certo que o exemplo apresentado pela consulente não diz respeito a um texto escrito, mas, sim, a um discurso oral, enquadrando-se no campo da linguagem falada, área privilegiada do cacófato, pois joga com os sentidos gerados da articulação das sílabas, produtora de outras palavras.

Pergunta:

Qual a origem das palavras rudimentos, deixar e curar?

Resposta:

Segundo o Dicionário Etimológico da Língua Portuguesa, de José Pedro Machado, a palavra rudimento deriva «do latim rudimentum, “aprendizagem, princípios, ensaios, exercícios"», sentidos com que ocorre no séc. XVII, num excerto de Sermões I, de Padre António Vieira: «as obras da natureza são rudimentos dos mistérios da graça.»

Relativamente à origem do verbo deixar, têm-se levantado algumas dúvidas, atribuindo-se-lhe frequentemente relação com leixar. Segundo a fonte citada, deixar «corresponde ao castelhano dejar, ao catalão dexar, ao provençal ocidental dexa, ao siciliano dassari, e ao alto-italiano dassa», esclarecendo, também, que «tudo leva a crer na coexistência de laxare- "daxare", sem que se possa, de maneira concreta, afirmar o que era a segunda forma em relação à primeira. Esta relação deve-se ao facto de «o antigo português leixar assentar no latim laxare, "estender, alargar, diminuir, atenuar, prolongar o tempo, distender, relaxar, dar repouso"». Enquanto deixar aparece no séc. XIV, no Livro de Falcoaria, de Pero Menino («quando se derramar ou se  deixar de voar»), embora já houvesse registo de dexa, de

Pergunta:

Gostaria de saber a origem da palavra cicatriz.

Resposta:

Segundo o Dicionário Etimológico da Língua Portuguesa, de José Pedro Machado, a palavra cicatriz deriva «do latim cĭcātricīcem, "marca de uma ferida; esfoladela ou marca em árvore; fenda"», sentidos estes que se mantêm, embora não seja muito vulgar usar-se esse termo para designar o «sinal que a folha caída deixa no caule» (Grande Dicionário da Língua Portuguesa, da Porto Editora, 2010).

Nota: É de referir, também, a ocorrência de cicatriz metaforicamente para acentuar o estigma provocado por uma situação dolorosa, como algo que deixa marcas que não se conseguem apagar da memória.

Pergunta:

Segundo o Dicionário Eletrônico Houaiss da Língua Portuguesa, boxímane é a forma preferencial deste substantivo, mas no VOP publicado pelo ILTEC apenas se encontra a forma bosquímano, classificado pelo mesmo Houaiss como forma não preferencial. Muito agradecia que me esclarecessem quanto à razão duns e doutros e, nomeadamente, se é aceitável que o VOP consagre esta forma.

Resposta:

Há, de facto, discrepâncias entre o que está registado pelo Vocabulário Ortográfico do Português (referente ao português europeu e reconhecido pelo Estado português) e as indicações do Dicionário Houaiss da Língua Portuguesa (2009) elaborado a partir do novo acordo ortográfico (o que se deve, decerto, ao facto de respeitar, também, as atestações do Vocabulário Ortográfico da Língua Portuguesa, da Academia Brasileira de Letras), assim como as entradas do Vocabulário Ortográfico da Língua Portuguesa, da Porto Editora, de 2009. Trata-se, portanto, de um caso que requer uma análise do percurso da palavra na língua portuguesa (na variante do português europeu).

O termo boximane (substantivo e adjetivo) – sem acento gráfico – é o que derivou diretamente do holandês boschiman, «homem dos bosques», segundo o Dicionário Etimológico da Língua Portuguesa, de José Pedro Machado. Por isso, Boximanes (no plural e com maiúscula inicial: «povo do Centro de África») é a palavra que surge registada nos dicionários mais antigos1, anteriores a 1966, data da publicação do Vocabulário Ortográfico da Língua Portuguesa (Coimbra, Coimbra Editora), de Rebelo Gonçalves, que atesta duas novas formas – bosquímano (p. 177) e boximane (p. 178) –, como adjetivos e substantivos/nomes de dois géneros –, assim como mantém Boximanes (etnónimo masculino plural) para designar «povo nómada caracterizado pela sua pequena estatura e pele clara, que habita principalmente o deserto de Calaári, no Sudoeste de África».

Estranha-se, portanto, as seis variantes – boximane, boxímane, boximano, boxímano, bosquímano e bosquimano