Há, de facto, discrepâncias entre o que está registado pelo Vocabulário Ortográfico do Português (referente ao português europeu e reconhecido pelo Estado português) e as indicações do Dicionário Houaiss da Língua Portuguesa (2009) elaborado a partir do novo acordo ortográfico (o que se deve, decerto, ao facto de respeitar, também, as atestações do Vocabulário Ortográfico da Língua Portuguesa, da Academia Brasileira de Letras), assim como as entradas do Vocabulário Ortográfico da Língua Portuguesa, da Porto Editora, de 2009. Trata-se, portanto, de um caso que requer uma análise do percurso da palavra na língua portuguesa (na variante do português europeu).
O termo boximane (substantivo e adjetivo) – sem acento gráfico – é o que derivou diretamente do holandês boschiman, «homem dos bosques», segundo o Dicionário Etimológico da Língua Portuguesa, de José Pedro Machado. Por isso, Boximanes (no plural e com maiúscula inicial: «povo do Centro de África») é a palavra que surge registada nos dicionários mais antigos1, anteriores a 1966, data da publicação do Vocabulário Ortográfico da Língua Portuguesa (Coimbra, Coimbra Editora), de Rebelo Gonçalves, que atesta duas novas formas – bosquímano (p. 177) e boximane (p. 178) –, como adjetivos e substantivos/nomes de dois géneros –, assim como mantém Boximanes (etnónimo masculino plural) para designar «povo nómada caracterizado pela sua pequena estatura e pele clara, que habita principalmente o deserto de Calaári, no Sudoeste de África».
Estranha-se, portanto, as seis variantes – boximane, boxímane, boximano, boxímano, bosquímano e bosquimano – registadas no Dicionário Houaiss da Língua Portuguesa, de 2001, assim como as respetivas indicações/sugestões na entrada de boximane: «forma menos correta: boxímano, boximano; forma não preferencial: bosquímano e bosquimano». Para além da presença de uma nova palavra (acentuada e não acentuada) não atestada pelo Vocabulário Ortográfico de 1966 – boxímano e boximano –, é aí colocada a hipótese de se acentuar graficamente, ou não, cada um dos outros dois vocábulos – boximane e bosquímano.
Em consonância com o vocabulário ortográfico anterior (1966), o atual Vocabulário Ortográfico Português, da responsabilidade do ILTEC, regista as mesmas palavras – bosquímano e boximane (não acentuada graficamente) — dando a indicação de «não registada» para a palavra boxímane, (acentuada graficamente), o que é reforçado pelo Vocabulário de Mudança, que explicita que «A grafia da palavra bosquímano não muda com o novo acordo», assim como «A grafia da palavra boximane não muda com o novo acordo», ao passo que, relativamente a boxímane, esclarece que «A palavra "boxímane" não faz parte do vocabulário da MorDebe».
Portanto, se as duas palavras — boximane e bosquímano — se encontram registadas pelos dois vocabulários ortográficos adotados pelo Estado português, não há dúvida de que uma e/ou outra são igualmente atestadas como as formas corretas para o português europeu2.
1 Cfr. Artur Bivar, Dicionário Geral e Analógico da Língua Portuguesa, Porto, Ed. Ouro, 1948, p. 50; Caldas Aulete, Dicionário da Língua Portuguesa, 1958, vol. I, p. 719.
2 É de referir que esta atestação não coincide com a linha do Vocabulário Ortográfico da Língua Portuguesa, da Porto Editora (2010), que regista quatro formas – boximane, boxímane, bosquímane e bosquímano (p. 113), nem com a do Vocabulário Ortográfico da Língua Portuguesa, da Academia Brasileira de Letras, de 2009 (referente ao português do Brasil), que contempla sete formas – bosquimane, bosquímane, bosquímano, bosquimano, boximane, boximano e boxímano. Destaca-se que a forma boxímane (acentuada graficamente) ocorre unicamente no VOLP da Porto Editora.
Cf. DNA revela que os bosquímanos descendem do primeiro humano