Edite Prada - Ciberdúvidas da Língua Portuguesa
Edite Prada
Edite Prada
65K

Edite Prada é consultora do Ciberdúvidas. Licenciada em Línguas e Literaturas Modernas, variante de Português/Francês, pela Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa; mestrado interdisciplinar em Estudos Portugueses, defendido na Universidade Aberta de Lisboa. Autora de A Produção do Contraste no Português Europeu.

 
Textos publicados pela autora

Pergunta:

Porque é que denominam de "lusofonia" escritas que de "phones" ou sons nada têm, sendo exclusivamente grafias?

Não se deveria escrever "lusografia"?

Penso que sim!

É um dos erros sistemáticos dos teóricos da "Língua Escrita" e digo assim porque não têm voz, com frequência de som, sua intensidade e duração cronológica do timbre vocálico que aparece escrito.

Grato por resposta.

Resposta:

A questão que coloca é interessante, sem dúvida, e creio que pode ser analisada segundos dois pontos de vista:

– por um lado, a utilização comum que todos fazemos da língua e do vocabulário que temos ao nosso dispor…

– por outro lado, a utilização pelos investigadores e teóricos da escrita.

No caso do uso geral da língua, é muitas vezes difícil explicar a razão que leva a que determinadas palavras se imponham em detrimento de outras. No caso em análise, uma possível explicação para a generalização de lusofonia poderá advir de uma prática que se foi impondo talvez porque inicialmente a difusão fosse sobretudo oral. Neste sentido e tendo em conta o uso de lusofonia e de lusografia, prevalece o vocabulário mais associado ao registo oral do que ao registo escrito: identificamos os falantes de uma língua e agrupamo-los em -fonias (lusofonia, anglofonia, francofonia…). E a verdade é que esta palavra se impõe a outras. Raramente usamos neste contexto termos como ouvinte, ou escrevente, ou leitor, ou lente.

No segundo caso, estamos a falar já não do vocabulário em geral, mas de uma terminologia, utilizada numa área de investigação, criada, ou definida, para essa área, em que, a cada conceito, tem de, necessariamente, corresponder apenas um termo. Neste sentido só os investigadores poderão explicar o motivo da opção que foi feita. Eventualmente, essa explicação poder...

Pergunta:

Como se classifica morfologicamente a palavra maravilhada? Por ex.: «Enquanto brincava, a mãe, maravilhada, observava os lindíssimos cabelos das suas filhas.»

Resposta:

Do ponto de vista morfológico, maravilhada é um adjectivo que está a qualificar o nome mãe, com o qual concorda em género e número. Do ponto de vista sintáctico, e seguindo Cunha e Cintra na Nova Gramática do Português Contemporâneo, estamos perante um adjectivo que tem valor predicativo, uma vez que surge separado por vírgulas do nome que predica, equivalendo a «(que) estava maravilhada». Do ponto de vista da TLEBS revista, embora não conste dos exemplos que são dados para o Modificador do nome apositivo, creio que essa seria a melhor classificação, pois a sua utilização é equivalente à que ocorre com uma frase relativa: «Enquanto brincava, a mãe, que estava maravilhada, observava os lindíssimos cabelos das suas filhas.»

Pergunta:

Gostaria de saber o emprego correto da palavra custo-benefício de acordo com a nova gramática da língua portuguesa. Gostaria ainda de saber se está correto o emprego da palavra "vigido", ou seja, por exemplo: «... do prazo em que tenham vigido.»

Resposta:

Creio que a palavra custo-benefício corresponde a um composto ocasional, cuja construção é tratada no ponto 7 da base XV do novo acordo ortográfico. Nessa medida, é uma palavra bem construída, sem que possa considerar-se uma palavra composta fixa. Trata-se, antes, de uma construção em que, ocasionalmente, se opta por ligar duas palavras, em vez de escrever uma expressão mais longa, do tipo «(a relação) entre o custo e o benefício».

Quanto à palavra vigido, trata-se do particípio passado do verbo viger, do latim vigere, que significa «estar em vigor». Apesar de o verbo viger não ser utilizado, usam-se sobretudo o particípio presente, vigente, e o nome deverbal, vigência. O termo vigido aparece em documentos oficiais. No exemplo que apresenta, «do prazo em que tenham vigido» significa que «tenham estado em vigor».

Pergunta:

«Consultei os mais renomados colegas (evidentemente, sem entrar em detalhes sobre a minha particular proximidade com a paciente); estes elegantemente procuraram disfarçar sua descrença na veracidade da minha descrição daquelas anormalidades psíquicas, chegaram mesmo a me olhar com desconfiança; era de esperar, pois se eu mesmo, o maior de todos eles, ainda duvidava...»

Gostaria de saber se, no período acima, a expressão «pois se» está correta. Se está, como se classificaria tal locução conjuntiva?

Obrigado.

Resposta:

A sequência está correcta e é utilizada, pelo menos, desde Eça de Queirós, como poderemos verificar no seguinte exemplo, extraído do Corpus do Português:

«O primo não imagina como anda a Feitosa. A ordem, o asseio, a regularidade, a disciplina.. Ela olha por tudo, até pela adega, até pela cocheira! Gonçalo esfregou radiantemente as mãos – Pois se daqui a um ano se realizar o grande acontecimento, hei-de gritar por toda a parte que foi a prima Maria que salvou a casa dos Ramires»

Eça de Queirós, A Ilustre Casa de Ramires

O que não quer dizer que deva ser entendida como um bloco, ou uma locução.

O Dicionário Houaiss aponta diversos valores para a palavra pois. Considera-a conjunção coordenativa com valores de explicação, conclusão e adversidade, e advérbio. Enquanto advérbio, atribui-lhe valores de concordância, dúvida, confirmação. Diz ainda que se trata de um vocábulo que pode, e cito, «variar de posição conforme o ritmo, a entoação, a ênfase que se queira dar a determinada unidade de sentido».

Abrindo um parêntesis, poderíamos dizer que é esta plasticidade do vocábulo pois que leva alguns a negar-lhe o valor de conjunção típica.

Analisemos, antes de mais, a frase que numero como (1) extraída do texto de Eça de Queirós e separemos a sequência pois se:

(1) «Gonçalo esfregou radiantemente as mãos — Pois

Pergunta:

Com relação à resposta n.º 12527, gostaria de um pequeno esclarecimento: como foi citado, os complementos do verbo desculpar podem ser diretos e indiretos, conforme o exemplo «desculpem-nos a nossa falha», em que «nos» é complemento indireto e «a nossa falha» é complemento direto. No final, há outro exemplo com a regência a:

«Não posso desculpar ao amigo a intromissão na minha vida.»

Nesse caso, «ao amigo» seria complemento indireto, e «a intromissão na minha vida» seria complemento direto. Poderia escrever dessa forma: «não posso desculpar o amigo à intromissão na minha vida»?

A minha dúvida é se o complemento direto e indireto pode indistintamente ser a pessoa ou o motivo do pedido de desculpa.

Muito obrigado!

Resposta:

Retomemos os exemplos que refere:

(1) «Desculpem-nos a nossa falha.»
(2) «Não posso desculpar ao amigo a intromissão na minha vida.»

Em ambas as frases, a acção de desculpar recai directamente sobre, respectivamente: «a nossa falha» e «a intromissão na minha vida». As duas expressões podem ser substituídas pelo pronome pessoal com caso acusativo, ou seja, com valor de complemento directo:

(1.1) «Desculpem-no-la
(2.1) «Não posso desculpá-la ao amigo.»

Por sua vez, o complemento indirecto é substituível pelo pronome pessoal com caso dativo:

(1.2) «Desculpem-nos a nossa falha.»
(2.2) «Não posso desculpar-lhe a intromissão na minha vida.»

Embora o verbo desculpar permita construções em que o complemento directo seja uma entidade humana, como em (3),

(3) «Desculpem-nos pela nossa falha»,

sempre que esteja presente um outro complemento directo, como é o caso em (1) e (2), a entidade humana representada deverá ser considerada complemento indirecto. Note-se, aliás, que o pronome nos que aparece em (2.2) e o pronome que aparece em (3) não estão no mesmo caso. Em (2.2) estamos perante um dativo enquanto em (3) estamos perante um acusativo, apesar de serem homónimos.

Uma frase como (4) não é aceitável num registo formal da língua portuguesa:

(4) *«Não posso desculpar o amigo à intromissão na minha vida.»

Com efeito, independentemente das possibilidades de construção do verbo