Edite Prada - Ciberdúvidas da Língua Portuguesa
Edite Prada
Edite Prada
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Edite Prada é consultora do Ciberdúvidas. Licenciada em Línguas e Literaturas Modernas, variante de Português/Francês, pela Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa; mestrado interdisciplinar em Estudos Portugueses, defendido na Universidade Aberta de Lisboa. Autora de A Produção do Contraste no Português Europeu.

 
Textos publicados pela autora

Pergunta:

«Este livro reúne alguns dos textos que mensalmente e ao longo dos últimos anos fui publicando […]. A estranheza do título justifica uma explicação, para que ele não passe como um mero exercício de estilo.

Quando era pequeno – muito pequeno, talvez oito ou nove anos – lembro-me de estar deitado na banheira, em casa dos meus pais, a ler um livro de quadradinhos. Era uma aventura de David Crockett, o desbravador do Kentucky e do Tenessee, que haveria de morrer na mítica batalha do Forte Álamo. Nessa história, o David Crockett era emboscado por um grupo de índios, levava com um machado na cabeça, ficava inconsciente e era levado prisioneiro para o acampamento índio. Aí, dentro de uma tenda, havia uma índia muito bonita – uma “squaw”, na literatura do Far-West – que cuidava dele, dia e noite, molhando-lhe a testa com água, tratando das suas feridas e vigiando o seu coma. E, a certa altura, ela murmurava para o seu prostrado e inconsciente guerreiro: “Não te deixarei morrer, David Crockett!”

Não sei porquê, esta frase e esta cena viajaram comigo para sempre, quase obsessivamente. Durante muito tempo, preservei-as à luz do seu significado mais óbvio: eu era o David Crockett, que queria correr mundo e riscos, viver aventuras e desvendar Tenesses. Iria, fatalmente, sofrer, levar pancada e ficar, por vezes, inconsciente. Mas ao meu lado haveria sempre uma índia, que vigiaria o meu sono e cuidaria das minhas feridas, que me passaria a mão pela testa quando eu estivesse adormecido e me diria: “Não te deixarei morrer, David Crockett.” E, só por isso, eu sobreviveria a todos os combates. Banal, elementar.

Porém, mais tarde, comecei a compreender mais coisas sobre as emboscadas, os combates e o comportamento das índias perante os guerreiros inconscientes. Foi aí que percebi que toda a minha interpretação daquela cena estava errada: o David...

Resposta:

— Do ponto de vista da gramática tradicional, o advérbio é um complemento circunstancial de lugar quando ocorre numa frase. Se tivermos em conta o Dicionário Terminológico, estamos perante um advérbio de predicado, com função de modificador e valor locativo.

B — Mesmo tendo em conta o contexto, tenho dificuldade em aceitar como hipónimos de literatura vocábulos como infância ou ingenuidade, ou seja, não vislumbro uma relação de hiperonímia entre literatura e aqueles vocábulos, como a que existe face a livro e história. No caso de combates, se assumirmos literatura, na expressão «literatura do Far-West», no sentido de histórias ou enredos característicos de um género literário, poderemos considerar que há uma relação de hiperonímia.

Pergunta:

Tenho uma dúvida a respeito da forma como o verbo competir pode ser usado. Tenho algumas frases que formulei para um texto, mas não sei se estão corretas. Por exemplo:

«O que me permite, através da experiência e conhecimentos adquiridos com este trabalho, enriquecer e complementar o desenvolvimento das atividades e responsabilidades que me competem»

ou

«O que me permite, através da experiência e conhecimentos adquiridos com este trabalho, enriquecer e complementar o desenvolvimento das atividades e responsabilidades que competem a mim»

ou ainda

«O que me permite, através da experiência e conhecimentos adquiridos com este trabalho, enriquecer e complementar o desenvolvimento das atividades e responsabilidades que me competem esta instituição»?

Ou seja, que a instituição competiu a mim («competiu-me»?)

Como seria a forma certa?

Obrigada.

Resposta:

O verbo competir pode ser:

– Transitivo preposicionado, ou oblíquo, com o sentido de «concorrer a um mesmo lugar ou posição que outros»: «O João compete com os colegas pelo melhor lugar.»
– Intransitivo, com sentido próximo do anterior («querer ou lutar pelas mesmas coisas que outrem»): «Os dois amigos competiam muito.»
–  Transitivo indirecto, significando ser direito ou atribuição de alguém: «Compete ao João fazer este trabalho.»

Nos dois primeiros exemplos que apresenta, o verbo é transitivo indirecto, desempenhando «me», ou a locução pronominal «a mim» (equivalente à anterior), a função de objecto indirecto e designando a pessoa que tem a atribuição de realizar determinadas actividades. No entanto, sempre que o objecto indirecto é representado pelo pronome oblíquo (a mim, a ti…), é norma proceder-se à repetição do pronome me antes do verbo, pelo que, no segundo exemplo, falta esse pronome:

«… o desenvolvimento das atividades e responsabilidades que me competem a mim.»

No terceiro caso, creio que o verbo apropriado, na linguagem comum, é atribuir e não competir.

«… actividades e responsabilidades que me foram atribuídas por esta instituição.»

Ou seja, a instituição tem competência para atribuir funções; àqueles a quem as funções foram atribuídas, compete desempenhá-las.

Dos três exemplos que apresenta, o primeiro está correcto, o segundo carece da repetição do pronome, tal como acabo de referir, e, quanto ao terceiro, proponho a alteração que registei acima, substituindo o verbo competir por atribuir e fazendo as alterações...

Pergunta:

Usar a expressão «repete igual» está errado?

Resposta:

Em linguagem comum, não tem muita lógica que se utilize a expressão «repete igual». No entanto, em contextos específicos, é bem provável que possa utilizar-se a expressão, sem que pareça um pleonasmo desnecessário.

Com efeito, pode, por exemplo, repetir-se uma ideia, mas com palavras distintas, procedimento muito comum em documentos destinados a apresentação oral. Ou pode repetir-se uma dada entidade, através de elipse (não está expressa, mas reconhecemos a sua presença, que identificamos como subentendida), ou de pronominalização: «O João comprou um livro e [o João] leu-o.»

Ora, se é possível haver repetições parciais, ou com alguma variação, poderá também haver repetições em que valha a pena frisar que devem ser executadas de forma exactamente igual. Mas saliento que a expressão «repete igual» só se justificará se o contexto e o conhecimento dos interlocutores tornar clara e, até, necessária a explicitação que o adjectivo igual veicula.

Pergunta:

Pergunta: "prunácea" ou "prunoidea", derivados do latim prunus, podem utilizar-se em português?

Comentário: observo que em artigos brasileiros essas formas são utilizadas, mas os dicionários portugueses parece que as desconhecem.

Obrigado.

Resposta:

As palavras em apreço estão bem formadas em português e não há nada que impeça a sua utilização. São termos utilizados sobretudo no âmbito da fruticultura, para designar a ameixeira e similares, e constam do Grande Dicionário de Língua Portuguesa, de José Pedro Machado. O facto de não aparecerem em grandes dicionários mais recentes, quer editados em Portugal, quer editados no Brasil, como o Grande Dicionário da Língua Portuguesa, da Porto Editora, ou o Dicionário Houaiss, poderá indicar que se trata de palavras cuja utilização geral tenha diminuído, restringindo-se a trabalhos ou estudos mais específicos. Note-se que os dicionários registam ainda outras formas com a mesma base: em todos os que consultei surgem palavras como pruno ou pruniforme. No dicionário de José Pedro Machado ocorre ainda prunina.

Pergunta:

Como se diz «em bom português»?

«Impõe-se concluir no sentido de que, no presente caso, toda a prova viu a sua eficácia precludida», ou «Impõe-se concluir no sentido de, no presente caso, toda a prova viu a sua eficácia precludida»?

Eu escreveria (e escrevo) como na primeira alternativa. No entanto, uma colega minha duvida do que lhe disse.

Muito obrigado pela atenção e disponibilidade.

Resposta:

As expressões «no sentido de» e «no sentido de que» existem ambas e ambas podem ser utilizadas, ainda que não da mesma forma. Quando se utiliza «no sentido de», o verbo que vem a seguir deverá estar no infinitivo. Quando se utiliza «no sentido de que», o verbo deverá estar conjugado.

Assim, nas frases em apreço, a única que está correcta é «Impõe-se concluir no sentido de que, no presente caso, toda a prova viu a sua eficácia precludida». Para que a segunda fique correcta, importa fazer a alteração no verbo: «Impõe-se concluir no sentido de, no presente caso, toda a prova ter visto a sua eficácia precludida.»

Numa breve pesquisa pelo Google pareceu-me haver preferência pela primeira ocorrência, ou seja, pela expressão «no sentido de que», sempre que se tratava de textos jurídicos.