Edite Prada - Ciberdúvidas da Língua Portuguesa
Edite Prada
Edite Prada
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Edite Prada é consultora do Ciberdúvidas. Licenciada em Línguas e Literaturas Modernas, variante de Português/Francês, pela Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa; mestrado interdisciplinar em Estudos Portugueses, defendido na Universidade Aberta de Lisboa. Autora de A Produção do Contraste no Português Europeu.

 
Textos publicados pela autora

Pergunta:

Posso considerar sandália como sendo uma palavra da família de sapato?

Resposta:

Considera-se que são da mesma família palavras que provêm do mesmo radical. Ora, se consultarmos um dicionário, por exemplo, o da Porto Editora, que nos indica a origem da palavra, verificamos que sandália provém do grego sandalion, através do latim sandalia. Por sua vez, sapato provém do árabe sabbat, através do castelhano zapato.

São palavras com origem diferente. Não pertencem, pois, à mesma família, se entendermos família de palavras como o conjunto de palavras que provêm do mesmo radical.

No entanto, há um outro conceito que lhe permite relacionar sandália e sapato: campo lexical. Ambas as palavras pertencem ao campo lexical de calçado, se entendermos campo lexical como o conjunto de palavras que se associam a uma determinada realidade.

Podemos ainda considerar sapato e sandália hipónimos de calçado, por designarem partes do conjunto, ou hiperónimo, que é calçado.

Pergunta:

Gostaria de entender por que motivo têm aparecido na língua portuguesa umas designações de números "inovadoras". O Ciberdúvidas já contestou (e bem) aqueles que querem impor a expressão «centenas de milhar» em vez do usual «centenas de milhares». Outra "inovação" recente é dizer «81 milhão» em vez de «81 milhões». A primeira vez que ouvi tal coisa julguei tratar-se de pessoa ignorante. Mas, entretanto, tenho ouvido tal expressão absurda da boca de pessoas qualificadas (ontem foi Cândida de Almeida, procuradora-geral adjunta). Podem explicar?

Resposta:

À luz da norma-padrão do português, não há razão para se dizer «81 "milhão"», como se não deve dizer «21 "livro"».

A explicação para esse uso prende-se com um tipo de concordância psicológica, ou de proximidade, também designada por silepse. No entanto, num texto formal, devem evitar-se esses desvios.

Pergunta:

Gostaria de colocar aqui algumas dúvidas e espero que me ajudem a esclarecê-las.

A frase «O frasco era elegante, o perfume delicado» pode considerar-se uma frase complexa? Quais as funções sintácticas desempenhadas pelos seus constituintes?

Em casos de frases em que se estabeleçam relações de coordenação entre os seus constituintes (por exemplo: sujeito — «Tu e eu vamos ao cinema»), podemos considerá-las sindéticas?

Agradeço antecipadamente a atenção dispensada e muitos parabéns pelo excelente trabalho que desenvolvem.

Bem hajam.

Resposta:

1) «O frasco era elegante, o perfume delicado.»

A frase 1 é equivalente a «O frasco era elegante, o perfume era delicado». Estamos perante uma frase complexa, composta por duas orações relacionadas entre si por coordenação assindética. Na segunda oração ocorreu a elisão do verbo, o que é comum em estruturas semelhantes, podendo, mesmo, ser assinalada por vírgula: «O frasco era elegante, o perfume, delicado.»

Em cada uma das orações há um sujeito, «o frasco» e «o perfume», respectivamente, e um predicado, «era elegante» e «(era) delicado». Note-se que o núcleo do predicado da segunda oração foi elidido, mas é facilmente recuperado. Os predicados em apreço desdobram-se em verbo, «era», e nome predicativo do sujeito, «elegante» e «delicado», respectivamente.

2) «Tu e eu vamos ao cinema.»

A frase 2 é uma frase simples, pelo que não pode considerar-se ligada, ou coordenada, a outra. O que temos é um sujeito composto, esse, sim, por coordenação sindética. Recorda-se que a coordenação pode ocorrer com constituintes inferiores a frase ou oração. É o que acontece em 2.

Pergunta:

Na (correcta) resposta de Edite Prada a uma pergunta sobre o termo acima indicado, diz-se: «Não me parece que se trate de um vocábulo de que a língua precise. Poderá o consulente, se quiser, recorrer a termos como: encantadora, fascinante, esplendorosa, maravilhosa, radiosa, sedutora, deslumbrante, arrebatadora, etc., etc.», acrescentando-se mais adiante que o curso normal da língua decidirá da ulterior aceitação ou não da palavra.

Ora a verdade é que todos os possíveis "sinónimos" citados têm uma característica que não existe em «glamoroso», que é a de representarem uma qualidade, algo de positivo e de verdadeiro; só o «glamoroso» corresponde, porém, à mesma aparência, mas num registo falso.

Assim, acho que «glamoroso» faz mesmo falta na língua e ficará a ocupar esse lugar que estava vago.

Resposta:

Em 2003, escrevi que o tempo ditaria se a língua portuguesa precisaria ou não do termo glamoroso. Em 2010, o consulente garante-nos que a palavra faz falta à língua porque nenhum dos sinónimos cobre totalmente o seu sentido, que, se bem entendo, na sua opinião é sempre negativo.

No entanto, os dicionários não lhe atribuem essa conotação negativa. No dicionário em linha da Porto Editora, de glamoroso diz-se apenas «que tem glamour», mas para glamour surgem as seguintes definições: «charme e encanto que possui alguém ou algo (local, desporto, etc.) atraente, sofisticado, interessante e que está na moda.» No dicionário da Academia não surge o adjectivo, e a glamour associa-se encanto. Por seu lado, no dicionário da UNESP, S. Paulo, dão-se, para glamour, os seguintes sentidos: «encanto, magnetismo, charme», e a glamoroso, que aí surge registado como glamouroso, atribuem-se os sentidos de «charmoso, deslumbrante, encantador» e abona-se com a seguinte frase: «Aquele hotel é o mais glamouroso da cidade.»

Duas conclusões poderemos retirar: por um lado, o tempo parece ter corrido a favor da palavra. Entrou na língua portuguesa, provavelmente para ficar; por outro lado, nada indica que o sentido de glamoroso seja apenas negativo.

Pergunta:

O correto é «me olho no espelho», ou «me olho ao espelho»?

Resposta:

No Dicionário Prático de Regência Verbal, de Celso Luft, Editora Ática, ocorre apenas a regência com a preposição em, ou seja, «olhar-se no espelho». Todavia, embora não seja uma expressão que ocorra com muita frequência na literatura, numa consulta ao Corpus do Português, encontrei cinco ocorrências, duas «olhar-se ao espelho», ambas escritas em textos portugueses, e três «olhar-se no espelho», todas em textos brasileiros. O meu conselho é, pois, que escreva ou diga «olhar-se no espelho», pois parece haver preferência por essa estrutura no Brasil.