Edite Prada - Ciberdúvidas da Língua Portuguesa
Edite Prada
Edite Prada
65K

Edite Prada é consultora do Ciberdúvidas. Licenciada em Línguas e Literaturas Modernas, variante de Português/Francês, pela Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa; mestrado interdisciplinar em Estudos Portugueses, defendido na Universidade Aberta de Lisboa. Autora de A Produção do Contraste no Português Europeu.

 
Textos publicados pela autora

Pergunta:

Sou brasileira, e a língua portuguesa é minha ferramenta de trabalho, mas atualmente vivo em Lisboa. Desejo estudar o português europeu para diferenciá-lo, com responsabilidade, do português que aprendi no Brasil. Por onde posso começar? Preciso de uma referência de gramática e de outra para a literatura.

Desde já agradeço muito, caso possam ajudar-me.

Resposta:

Poderá consultar com proveito a Nova Gramática do Português Contemporâneo, de Celso Cunha e Lindley Cintra, Editora Sá da Costa, e ainda Áreas Críticas da Língua Portuguesa, de João Peres e Telmo Móia, Editorial Caminho. Se domina bem a metalinguagem dos estudos linguísticos, poderá consultar a Gramática da Língua Portuguesa, de Mira Mateus e outras, Editorial Caminho. Quanto à literatura, qualquer das obras que encontra no mercado está escrita segundo as normas da língua-padrão. Alerto-a apenas para a possibilidade de encontrar desvios relativamente à pontuação em obras de José Saramago e de António Lobo Antunes.

Seja bem-vinda e felicidades!

Pergunta:

Ao ano de 1975, o significado de boutique poderia ser outro para além de loja de roupa?

Resposta:

A palavra boutique surge no Moderno Dicionário da Língua Portuguesa, Lexicoteca, Círculo do Leitores, 1984, com a definição: «pequena loja elegante onde se podem adquirir pequenos objectos de luxo e pronto-a-vestir».1

Com sentido aproximado é registada também no dicionário da Academia das Ciências, 1999, onde o termo boutique remete para butique: «loja de roupa e acessórios».

No Dicionário de Língua Portuguesa, da UNESP, 2004, o significado é semelhante. O mais inovador é o Dicionário Houaiss, cuja definição contempla, na versão portuguesa, 2002, por extensão, «qualquer loja pequena e elegante com artigos finos (b. de acessórios de automóveis; b. de vinhos)».

Pelas definições dos dicionários, só em 2002 se assume a existência de outros sentidos para a palavra, além de pronto-a-vestir e acessórios.

Pesquisando em Davies, Mark e Michael Ferreira, Corpus do Português (45 milhões de palavras, sécs. XIV-XX), encontrei, num total de 11 ocorrências para boutique e 6 para butique, alguns exemplos que ilustram o uso da palavra em outros contextos que não a moda ou o pronto-a-vestir:

(A) «Exposição colectiva Pintura em a boutique de o café A Delta Cafés abriu há já algum tempo um espaço bem no meio de a Rua de Santa Catarina, em o Porto. São três pisos cafetaria, salão de chá e boutique com cheirinho a café, onde pode parar para um cimbalino, um almoço ou para comprar uma chávena ou um lote especial 100% Colômbia» (Fonte: Público, 1995)

(B) «Essas boutiques de espionagem, que por lei ou acordo tácito apenas exerceriam a sua activid...

Pergunta:

A frase «Estudar diariamente é um dever de todos os alunos» é uma frase simples, ou complexa?

Do meu ponto de vista, é simples, pois «Estudar diariamente» equivale a «O estudo diário» e, por isso, é o sujeito da frase, havendo, portanto, uma única oração cujo núcleo do predicado é a forma verbal «é».

Do ponto de vista de um colega meu, é complexa, visto que «Estudar diariamente» é uma oração subordinada adverbial reduzida de infinitivo, pois que tem o verbo no infinitivo e desempenha uma função sintáctica em relação à outra oração.

Fiquei confusa...

Agradecia que me clarificassem as ideias.

Obrigada!

Resposta:

Transcrevo a definição de frase complexa do Dicionário Terminológico:

«Frase em que existe mais do que um verbo principal ou copulativo. As frases complexas são frases que contêm mais do que uma oração.
Exemplos
Frases complexas:
(i) O João disse que vai ao cinema.
(ii) O João quer ir ao cinema.
(iii) O João fica feliz, se for ao cinema.
(iv) Chegando a casa, falo contigo.
(v) O João caiu e a Maria tropeçou.»

O critério para a existência de uma frase é a ocorrência de um verbo principal (os verbos auxiliares surgem em locuções verbais). Por seu lado, as frases podem ser finitas, as que têm o verbo conjugado, e não finitas, ou reduzidas. Estas podem ter o verbo no infinitivo, no gerúndio ou no particípio.

Nos exemplos do Dicionário Terminológico, em (ii) «O João quer ir ao cinema» e em (iv) «Chegando a casa, falo contigo» há orações não finitas. Uma subordinada substantiva completiva infinitiva em (ii) «ir ao cinema», que serve de complemento directo a «quer» e uma subordinada adverbial gerundiva de valor temporal em (iv) «Chegando a casa».

Na frase «Estudar diariamente é um dever de todos os alunos» há, efectivamente, duas orações: uma finita, «Estudar diariamente é um dever de todos os alunos», e outra não finita: «Estudar diariamente». A não finita é uma oração subordinada infinitiva. Quanto à função que exerce, poderemos considerar que se trata do sujeito, uma vez que ocorre à esquerda do verbo, e, nesse caso, será uma oração subordinada substantiva infinitiva subjectiva. Poderemos ainda considerar que se trata de um predicativo do sujeito e continuará a ser uma oração subordinada infinitiva, c...

Pergunta:

No contexto «... imediações da casa...» podemos classificar a palavra imediações como sendo um nome comum concreto?

Agradeço a quem me puder esclarecer esta dúvida.

Resposta:

Vale a pena recordar o que foi referido na resposta Sobre nome concreto e nome abstracto: ano sobre a dicotomia concreto-abstracto e ter em conta que essa dicotomia não existe de forma clara e uniforme, havendo graus ou níveis de abstracção, ou de concretude.

A palavra imediações, usada no plural, adquire o significado de proximidade. Não é uma palavra que designe algo concreto, claramente concreto, tangível, como casa, por exemplo. É, pois, menos concreta do que casa. Mas se a compararmos com espaço, creio que se torna um pouco menos abstracta, ou seja, parece-me que espaço designa uma realidade mais abstracta do que imediações, quando a palavra surge na construção que lhe é característica: nome + de + nome que designa um lugar específico, como acontece na expressão «imediações da casa». Podemos dizer mesmo que o grupo preposicional «da casa» contribui para tornar menos abstracto o termo «imediações». Mas dificilmente poderemos atribuir a imediações uma ideia de algo concreto, indiscutivelmente concreto.

Pergunta:

Gostaria de confirmar se ano é um nome comum abstracto. Sempre assim pensei, mas surgiram dúvidas na correcção de um exercício de Língua Portuguesa.

Obrigada.

Resposta:

Não é de fácil resposta a questão que apresenta. Com efeito, o conceito de abstracto não é tão fácil de delimitar, nem mesmo de descrever, como gostaríamos. Não foi por acaso que este conceito foi retirado da TLEBS ou, como agora se diz, Dicionário Terminológico.

Vejamos o que nos dizem os gramáticos. Segundo Cunha e Cintra, na Nova Gramática do Português Contemporâneo, os nomes concretos designam os seres propriamente ditos; «nomes de pessoas, de lugares, de instituições, de um género, de uma espécie ou de um dos seus representantes». Dão como exemplo: «homem, Pedro, Maria, cidade, Lisboa, Brasil, senado, fórum, clero, árvore, cedro, Acaiaca [município brasileiro], cão, cavalo, Rocinante». Os nomes abstractos designam «noções, acções, estados e qualidades considerados como seres». Dão como exemplo: justiça, verdade, glória, colheita, viagem, opinião, velhice, doença, limpeza, largura, optimismo, caridade, bondade, doçura, ira (págs. 177 e 178).