Pergunta:
Aproveitando a oportunidade que o site Ciberdúvidas oferece, apresento-lhes a minha dúvida relacionada com o emprego de pronomes (directos ou indirectos) nas orações subordinadas finais por eu não ter encontrado exemplos literários para encontrar uma possível solução.
Segundo a gramática de Cunha e Cintra, como regra geral da colocação dos pronomes átonos, no apartado para orações com um só verbo estabelece-se como lícita a próclise ou a ênclise dos pronomes que acompanham infinitivos soltos («Canta-me cantigas para me embalar»; «Para não fitá-lo, deixei cair os olhos»; «Para assustá-lo, os soldados atiravam a esmo»). Apesar de que a possibilidade existe, tem-me sido impossível encontrar casos semelhantes aos dois últimos exemplos.
Mas nas três orações dadas, os infinitivos embalar, fitar e assustar estão subordinados a outros (cantar, deixar cair e atirar respectivamente) através da preposição para. O que é que se entende então por oração com um só verbo e oração com infinitivo solto? Refere-se ao facto de a oração subordinada começar o período oracional, ou seria também lícita uma outra ordem sintáctica («Os soldados atiravam a esmo para assustá-lo»), mantendo assim a ênclise no infinitivo?
Grato pela atenção.
Resposta:
Em Portugal, no ensino não superior, tem havido alguma tradição, cada vez mais combatida, de considerar o tipo de finais que está em apreço, não como orações, mas como complementos circunstanciais de fim. Talvez por isso surja a referência a infinitivos soltos, embora na página 153 da mesma gramática, quando se fala dos adjuntos adverbiais de fim, se não dê nenhum exemplo em que ocorra um verbo. Além disso, na página 609, dá-se como exemplo de final infinitiva «Conheces-lhe a vida para poderes afirmar tal coisa.»
Concordo, pois, consigo, e, ao que parece, a própria gramática de Cunha e Cintra também. Nos exemplos que apresenta, e que repito numerados, estamos perante frases complexas, em que a subordinada é uma oração infinitiva final.
1) «Canta-me cantigas para me embalar.» (Guerra Junqueiro)
2) «Para não fitá-lo, deixei cair os olhos.» (Machado de Assis)
3) «Para assustá-lo, os soldados atiravam a esmo.» (Carlos Drummond de Andrade)
A colocação do pronome nos exemplos 2 e 3 também me causa muita estranheza. Creio tratar-se de uma característica do português do Brasil, que, curiosamente, ainda que os dois autores citados sejam brasileiros, não é referida como específica daquele país nas áreas da gramática citada em que esses aspectos são focados. Para me situar e mais facilmente poder ajudá-lo a encontrar outros exemplos, consultei o Corpus do Português. Introduzi como tema de pesquisa a expressão «para fazê-lo» e obtive 63 exemplos como resposta, todos de textos oriundos do Brasil, o que, de alguma forma, reforça a minha intuição de que se trata de uma estrutura do português do Brasil.
Bom trabalho!