Pergunta:
Sou frequentadora assídua das páginas do Ciberdúvidas. Aqui encontro respostas às mais diversas dúvidas que, por vezes, se apresentam enquanto escrevo. Sem dúvida, este é um espaço no qual se encontram orientações elaboradas de forma clara, correta e objetiva.
No entanto, quero tecer alguns comentários a respeito da resposta dada às questões do texto Sobre a próclise, a mesóclise e a ênclise (Edite Prada :: 04/05/2004).
As respostas apresentadas ao consulente são bastante elucidativas, porém as justificativas dadas ao uso do pronome no Brasil são, no meu modo de pensar, extremamente superficiais. Aliás, nem se pode falar no plural, pois há somente uma: "porque obedece à regra geral".
No Brasil, há, sim, um distanciamento natural entre a fala e a escrita, por motivos que vão muito além do mero descaso para com a língua – há raízes históricas e problemas estruturais graves.
No que concerne à norma culta, mais especificamente à escrita, preconiza-se o uso das regras. Dessa forma, as justificativas aqui deveriam levar em conta as normas gramaticais e não o uso informal da língua, pois dá a impressão de que no Brasil os gramáticos concordam com esta "regra geral" e que as escolas adotam-nas.
O brasileiro, ainda que tenha bons conhecimentos e uma sólida formação, estabelece diferenças entre as diversas situações de uso da língua. Eu arriscaria dizer que, com relação à fala, somos muito mais "situacionais" – "contextuais" do que propriamente "gramaticais".
Eu disse com relação à fala, pois os que fazem uso do padrão culto na modalidade escrita sabem que as regras existem e que a gramática é normativa.
Felicidades a todas(os) e parabéns ...
Resposta:
Começo por agradecer as palavras simpáticas com que se refere ao trabalho do Ciberdúvidas.
Quanto às suas observações, cito alguns gramáticos.
Evanildo Bechara, na Moderna Gramática Portuguesa, Rio de Janeiro, Editora Lucerna, 2001, 37.ª ed., diz na p. 587:
«A Gramática, alicerçada na tradição literária, ainda não se dispôs a fazer concessões a algumas tendências do falar de brasileiros cultos e não leva em conta as possibilidades estilísticas que os escritores conseguem extrair da colocação de pronomes átonos.»
Entre os exemplos com que ilustra o seu texto encontra-se o seguinte:
1 – «Querendo parecer originais, nos tornamos ridículos ou extravagantes» Marquês de Maricá (p. 588).
Na página 590, sobre a colocação do pronome em locuções verbais, descreve todas as possibilidades, uma das quais (2) não é sancionada pela norma em Portugal, dado não estar presente um atractor de próclise:
2 – «Eu lhe quero falar.»
3 – «Eu quero-lhe falar.»
4 – «Eu quero falar-lhe.»
Na mesma página, um pouco mais a baixo apresenta outro exemplo semelhante a 2:
2´ – «Eu lhe tenho falado.»
Em nota, nessa mesma página, acrescenta:
«Com mais frequência ocorre entre brasileiros, na linguagem falada ou escrita, o pronome átono proclítico ao verbo principal, sem hífen:
Eu quero lhe falar.
Eu...