Edite Prada - Ciberdúvidas da Língua Portuguesa
Edite Prada
Edite Prada
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Edite Prada é consultora do Ciberdúvidas. Licenciada em Línguas e Literaturas Modernas, variante de Português/Francês, pela Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa; mestrado interdisciplinar em Estudos Portugueses, defendido na Universidade Aberta de Lisboa. Autora de A Produção do Contraste no Português Europeu.

 
Textos publicados pela autora

Pergunta:

Tenho observado que os brasileiros, ao falarem que fizeram/vão fazer alguma coisa, dizem constantemente «eu peguei e fiz isso». Um exemplo seria: «Ontem estava nervoso, daí eu peguei e liguei para ela» ou «Estou muito nervoso. Vou pegar e ligar para ela». Existe uma explicação para o uso desse pegar no meio da frase? Seria possível fazer uma análise sintática?

Muito obrigada.

Resposta:

Tanto quanto me apercebo, trata-se de uma prática que também ocorre aqui em Portugal. O uso do verbo pegar seguido de conjunção e e de outro verbo principal constitui, em determinados contextos, uma forma de enfatizar a acção designada pelo segundo verbo, de a pôr em relevo. Por vezes indica também uma acção um pouco repentina e quase irreflectida.

A estrutura em que surge o verbo pegar nestas situações e com este sentido implica sempre uma relação de coordenação entre os dois verbos. É o que acontece em «peguei e liguei» e também em «vou pegar e ligar». Neste segundo caso poderemos ainda considerar que se trata de estruturas em que ocorre a elipse do auxiliar temporal: «vou pegar e [vou] ligar…»

Pergunta:

Gostava de saber, de acordo com a norma portuguesa, como fazer referências a obras estrangeiras consultadas para um determinado trabalho (ou cujo autor é referenciado nesse trabalho). Mantém-se na língua de origem? Não vejo problema nenhum se a obra estiver em inglês, francês ou espanhol (pois, mesmo que não falemos a língua, é sempre possível perceber o título da obra), mas e se ela estiver em dinamarquês, alemão ou italiano? E como fazer referências a obras cuja língua não é baseada no alfabeto? Por exemplo, uma obra em chinês? Escreve-se em pinyin? Mas será suficiente para que o leitor tenha "acesso" a essa informação? Finalmente, na referência a sites de Internet, deve-se colocar o endereço do site entre "«"? Gostava precisamente de saber o nome em português deste símbolo "«" para a escrita, também utilizado na matemática (menor e maior).

Muito obrigado.

Resposta:

As indicações que solicita encontram-se normalizadas através da Norma Portuguesa intitulada NP 405–1  Informação e Documentação. Referências Bibliográficas: Documentos Impressos, que especifica os elementos das referências bibliográficas relativas a monografias, publicações em série, artigos de publicações em série, etc. e que se encontra disponível em:

http://www.fcsh.unl.pt/bibliotecas/normas/norma-portuguesa-de-informacao-e-documentacao.-referencias-bibliograficas.-parte-1/view.

Transcreve-se o que se refere relativamente à transliteração, ou seja à reescrita em caracteres latinos de títulos escritos com outros caracteres:

«6.1 Transliteração

A informação obtida a partir da fonte pode ser transliterada segundo as normas internacionais (vejam-se ISO 9 [caracteres cirílicos para caracteres latinos], 233 [c. árabes para c. latinos], 259 [c. hebraicos para c. latinos], 843 [c. gregos para c. latinos], e 7098 [c. chineses para c. latinos]).

A forma transliterada pode substituir ou servir de complemento à forma original e deve ser colocada entre parênteses rectos.

Ex. [Academia de Medicina]

Ou Медицинска Академия [Academia de Medicina]»

A transliteração é, pois, feita para caracteres latinos. Caso deseje aprofundar o assunto, as normas ISO (International Organization for Standardization) supracitadas podem ser adquiridas on-line em

Pergunta:

A minha dúvida consiste na expressão muito usada e que acabo sem perceber qual o real campo semântico da expressão «De que maneira». Oiço pessoas a dizerem: «Ele venceu, e de que maneira

Resposta:

A expressão «e de que maneira» intensifica a informação dada. Na frase «Ele venceu, e de que maneira», o que se pretende dizer é que ele venceu muito bem, sem qualquer margem para dúvidas. Há outras expressões que podem ser usadas da mesma forma, como, por exemplo, «e como». Poderíamos, assim, dizer: «Ele venceu, e como!»

Pergunta:

Já reparei que, conforme o linguista que dá a resposta neste vosso site, também muda o conceito do que são palavras justapostas e aglutinadas. A mesma palavra, por exemplo, passatempo, é considerada por um dos vossos consultores composta por aglutinação e por outro composta por justaposição. Em que ficamos?

Resposta:

Uma das grandes qualidades do Ciberdúvidas é também o seu calcanhar de Aquiles, estamos convictos disso. Estou a falar da diversidade de formas de pensar e de interpretar a língua que se pode identificar na análise das respostas disponibilizadas. Além disso, na sua globalidade, cada um dos consultores, como ser humano que é, tem momentos de maior ou de menor felicidade e eficácia no trabalho que executa. Poderíamos falar do ideal. E todos nós diríamos que o ideal seria articular todas as respostas, de forma que todas as divergências de interpretação estivessem identificadas e justificadas. Ao ideal, todavia, sobrepõe-se o possível. Com cerca de 30 000 respostas em linha e com o número possível de colaboradores efectivos, vamos fazendo o nosso melhor. Só disso podemos dar conta aos nossos leitores. Para as potenciais incongruências, solicitamos, a par de alguma compreensão, um olhar crítico construtivo, que nos ajude a melhor servir todos os que recorrem ao Ciberdúvidas.

Esclarecido o «Em que ficamos», vejamos o problema dos conceitos justaposição e aglutinação. Da leitura da globalidade de respostas associadas a este tema, ressalta, parece-me, a dificuldade de fixar no Ciberdúvidas o que não está fixado, inequivocamente, na norma.

Se é verdade que no Acordo Ortográfico de 1945, base 28, se diz que «Se, no conjunto dos elementos de um composto, está perdida a noção da composição, faz-se a aglutinação completa: girassol, madrepérola, madressilva, pontapé», também é verdade que as melhores gramáticas normativas por que nos temos regido têm uma interpretação diferente:

Cunha e Cintra, na Nova Gramática do Português Contemporâneo, consideram, explicitamente, madr...

Pergunta:

Posso dizer «Moro no 10.º andar e os meus pais por baixo/por debaixo»? As duas expressões significam em lugar situado em nível inferior? Em que sentido estas expressões podem não ser semelhantes? Rogo-lhes alguns exemplos que tratem das semelhanças e diferenças que elas possam ter.

Sinto que eu ainda não tenha sido capaz de entender este tema.

Evidentemente agradeço imenso a ajuda e a paciência que nos têm dispensado!

Resposta:

Apresenta uma questão muito interessante e face à qual os falantes manifestam alguma indefinição. Na verdade, há as locuções debaixo de e por baixo de. Por debaixo de é a mistura, digamos assim, destas duas e deve ser evitada em discurso formal. Essa mistura surge, talvez, porque em determinados contextos as duas locuções se usam com valores equivalentes, ainda que seja possível discriminar, em algumas frases, sentidos diversos:

Debaixo de veicula uma ideia de algum estatismo, de ausência de movimento:

1 – «O gato dorme debaixo da mesa.»

Por seu lado, por baixo de tem uma ideia de movimento:

2 – «O gato passou por baixo da mesa.»

O grande problema é que outros elementos da frase podem veicular estes e outros sentidos próximos, o que leva, por vezes, ao uso indiscriminado das preposições ou locuções prepositivas. Mesmo em contextos semelhantes é possível usar uma ou outra. Repare-se na frase 3 e compare-se com 1:

3 – «O gato dorme por baixo da mesa.»

Em alguns contextos, as duas locuções não têm, porém, a mesma aceitação por parte dos falantes. A frase 4 é preferível à 5, que soa de forma estranha:

4 – «Por baixo de mim mora um pintor.»

5 – (?) «Debaixo de mim mora um pintor.»

Em síntese, as locuções são por baixo de e