Edite Prada - Ciberdúvidas da Língua Portuguesa
Edite Prada
Edite Prada
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Edite Prada é consultora do Ciberdúvidas. Licenciada em Línguas e Literaturas Modernas, variante de Português/Francês, pela Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa; mestrado interdisciplinar em Estudos Portugueses, defendido na Universidade Aberta de Lisboa. Autora de A Produção do Contraste no Português Europeu.

 
Textos publicados pela autora

Pergunta:

Gostaria de saber se, na frase «a delimitação dos objectivos não tem outra função que não...», fica melhor «que não» ou «senão».

Eu acho que o correcto é senão, mas gostava de saber a vossa opinião.

Obrigada.

Resposta:

No excerto em apreço, o que é correcto é escrever senão. O sentido geral é restritivo, e senão, mantendo a estrutura da frase, poderia ser substituído por a não ser: «A delimitação dos objectivos não tem outra função a não ser...»; Colocando a frase na afirmativa, e com as devidas alterações, claro!, seria necessário introduzir um advérbio de exclusão , ou apenas, para manter o sentido: «A delimitação dos objectivos só tem a função de...»

A expressão que não em frases como «A delimitação dos objectivos tem uma função orientadora, que não controladora» tem um valor de oposição, e o que corresponde a uma conjunção adversativa, de uso raro hoje em dia, diga-se.

Pergunta:

Explique as diferenças morfológicas e semânticas dos pares: escrever, escrevinhar e ferver, fervilhar.

Resposta:

Do ponto de vista morfológico, o que me ocorre dizer é que em escrever e ferver estamos perante palavras simples, verbos no infinitivo, enquanto em escrevinhar e fervilhar estamos perante palavras derivadas, igualmente verbos no infinitivo, mas cujo sentido sofreu, por via da derivação, alteração de sentido.

Para ferver, o dicionário em linha da Porto Editora apresenta os seguintes sentidos:

verbo intransitivo
1. entrar ou estar em ebulição
2. movimentar-se como um líquido em ebulição; borbulhar
3. escaldar; queimar
4. Figurado:
 – sentir grande calor

 – sentir grande inquietação; agitar-se

 – sentir vivamente uma paixão

 – existir em grande número; fervilhar
8. fermentar o mosto no balseiro, na cuba ou no lagar

verbo transitivo
Cozer num líquido em ebulição;
Ferver em pouca água: exaltar-se por pouca coisa, irritar-se com facilidade

Por seu lado, fervilhar é apontado, no mesmo dicionário, como verbo intransitivo, com os seguintes valores:

1. ferver pouco mas continuamente
2. existir em grande quantidade; pulular
3. mexer-se incessantemente
4. Figurado: sentir grande inquietação; agitar-se

Pergunta:

Vejo bastante oscilação no uso e nenhuma referência, nas gramáticas, quanto à análise da expressão «qual seja» em frases como:

«O sujeito tem um papel importante na frase, qual seja o de conjugar o verbo.»

Entendo essa expressão como uma oração adjetiva explicativa, por isso não uso vírgula após o «qual seja». Mas vejo que se usa bastante como uma intercalação («... papel importante, qual seja, o de conjugar...»). Como devo usar essa expressão, entre vírgulas, ou não? E qual a análise correta das orações da frase que ora apresento como exemplo?

Obrigado pela atenção.

Resposta:

Pela análise dos exemplos que observei no Corpus do Português, parece-me que a expressão é usada com dois sentidos levemente distintos: quando ocorre entre vírgulas é equivalente a «ou seja», como se estivesse a explicitar o sentido do que está antes:

1. «O crime não produz o efeito desejado, qual seja, a morte...»

Quando aparece apenas antecedido de vírgula tem, sobretudo, um valor expletivo, ou de realce:

2. «Todas as informações nasceram de uma fonte teoricamente insuspeita e qualificada, qual seja a Procuradoria de Justiça do Rio de Janeiro…»

Curiosamente, em ambos os casos a expressão pode ser omitida sem grande alteração de sentido:

1.1. «O crime não produz o efeito desejado, a morte...»

2.1. «Todas as informações nasceram de uma fonte teoricamente insuspeita e qualificada, a Procuradoria de Justiça do Rio de Janeiro…»

Pela sua interpretação, ao considerar a expressão como uma oração adjectiva explicativa, está a atribuir-lhe um sentido equivalente a «ou seja», pelo que deverá colocar a expressão entre vírgulas. Note-se que é esse o procedimento previsto na língua portuguesa para as orações adjectivas explicativas, sendo esse facto que, formalmente, as distingue das relativas restritivas.

Quanto à análise dessa expressão, em 1 poderemos, efectivamente, como diz, considerar que equivale, de certo modo, a uma oração relativa explicativa. Porém, se a compararmos com uma relativa explicativa típica, do tipo:

3. «O João, que é um jovem muito perspicaz, percebeu logo a situação»,

vemos que, quer do ponto de vi...

Pergunta:

«Os maiores peixes de água doce estão desaparecendo. O biólogo Zeb Hogan identifica e protege tantos quanto possível.»

A expressão «tantos quanto possível» na frase acima está correta?

Obrigado.

Resposta:

Maria Helena de Moura Neves, na sua obra Guia de Uso do Português: Confrontando Regras e Usos, refere que a expressão «quanto possível» é invariável. Apresenta como exemplos «O detetive fez cara tão neutra quanto possível» e «Os vira-latas (tantos quanto possível), deitados no sofá, nas poltronas, ela tange-os, tudo isso enquanto fala.»

A questão que se poderá levantar é se poderemos usar a sequência sem que seja sentida como expressão fixa, em contextos como, por exemplo:

1. «Fiz tantos exercícios quantos me foi possível.»

Será que esta frase poderá ser aceite com elipse?:

2. (?) «Fiz tantos quantos possível.»

Ou ainda:

3. «Exercícios? (?) Fiz tantos quantos possível.»

Sinceramente, o plural de quantos, no contexto anterior, parece-me um pouco forçado. Analisemos, deste ponto de vista, a frase em apreço:

4. «Os maiores peixes de água doce estão desaparecendo. O biólogo Zeb Hogan identifica e protege tantos quanto possível.»

Poderemos aceitar o plural de quantos se explicitarmos o pronome oblíquo e o verbo (5), mas parece-me estranha, tal como 2 e 3 acima, se assumirmos que se trata de uma elipse (6):

5. «O biólogo identifica e protege tantos quantos lhe é possível.»

6. (?) «O biólogo identifica e protege tantos quantos possível.»

Em síntese, a frase em apreço não só é correcta como não me parece que a alternativa com quantos no plural seja adequada. A interpretação co...

Pergunta:

A vogal i é sempre vogal de ligação de morfemas de origem latina, e a vogal o é sempre vogal de ligação de morfemas de origem grega; ex.: "carnÍvoro" e "sarcÓfago"?

Grato.

Resposta:

É assim que Evanildo Bechara apresenta a situação na pág. 339 da Moderna Gramática Portuguesa: «A rigor, há em português duas vogais de ligação: i e o. A vogal i na composição de elementos latinos e o de elementos gregos: dentifrício, gasômetro.»

Creio que, em híbridos, ou seja, palavras compostas em que um dos elementos é grego e outro latino, a situação da vogal de ligação poderá não ser tão clara assim. Por exemplo, a palavra parc{#ó|}metro [latino parrĭcu pelo francês parc + grego metro(n)] tem na língua portuguesa a equivalente parquímetro.