Edite Prada - Ciberdúvidas da Língua Portuguesa
Edite Prada
Edite Prada
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Edite Prada é consultora do Ciberdúvidas. Licenciada em Línguas e Literaturas Modernas, variante de Português/Francês, pela Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa; mestrado interdisciplinar em Estudos Portugueses, defendido na Universidade Aberta de Lisboa. Autora de A Produção do Contraste no Português Europeu.

 
Textos publicados pela autora

Pergunta:

É correto o uso do pronome algo na pergunta seguinte:

«Algo mais?»

Obrigado.

Resposta:

Enquanto falante, não tenho quaisquer restrições a colocar à expressão «algo mais». Todavia, creio tratar-se de uma expressão que já não é muito utilizada, até porque o próprio pronome algo está a cair em desuso, pelo menos em Portugal.

O mais que pode acontecer a quem a usar será receber, da parte dos seus interlocutores, uma reacção de surpresa, ou de estranheza, perante uma expressão invulgar, hoje.

Pergunta:

Gostaria de saber onde se insere, no Dicionário Terminológico, a formação das palavras (antes denominadas de compostas por aglutinação) vinagre, aguardente, fidalgo e outras semelhantes.

Obrigada.

Resposta:

Aglutinação é um termo que designa a forma que a palavra composta adquire. No Dicionário Terminológico (DT), como também na Gramática da Língua Portuguesa, de Mira Mateus e outras, e ainda na obra de Margarita Correia e Lúcia Lemos, Inovação Lexical em Português, Edições Colibri, 2005, opta-se por uma designação que tem como base não a forma que a palavra adota, mas, sim, o tipo de relação, ou, melhor, o tipo de estrutura de cada palavra que vai entrar na composição. E essa relação pode ser morfológica, se se estabelece ligação entre um (ou mais) radical e uma palavra, ou morfossintática (para Margarita Correia, na obra referida, sintagmática), se a ligação se estabelece entre duas palavras (independentemente da presença do hífen).

Com base na definição constante no DT, poderemos dizer que vinagre e aguardente são compostos morfológicos, respetivamente vin + agre e agu + ardente. O caso de fidalgo causa algumas dificuldades de classificação. Se tivermos em conta a sua estrutura-base original, digamos assim, o que temos é uma expressão composta por duas palavras, ou, melhor, dois nomes, relacionadas entre si por uma preposição, filho de algo, não sendo comum a representação destas estruturas lexicalizadas com a forma aglutinada. Por outro lado, a classificação da forma fi- como radical de filho [latim filiu(m)] poderá ser problemática.

A questão que se coloca, e tendo em conta a necessidade de veicular os conceitos referentes à composição em contexto escolar, é a pertinência de utilizar exemplos cuja formação de base já não é sentida pelo alunos. Na verdade, fidalgo

Pergunta:

Gostaria de saber o uso correto da vírgula na hora de separar as interjeições; quando devo separá-las e quando é opcional. Por exemplo, nas frases «não quero nada, não» ou «é melhor você não fazer isso, não».

Resposta:

Nos exemplos que apresenta, em que há um reforço da negativa através da repetição do advérbio de negação, a vírgula está bem colocada.

No caso das interjeições, elas são, habitualmente, marcadas com pausa acentuada e muitas vezes marcadas com pontuação que orienta para o tipo de sentimento a veicular, que, frequentemente, se associa a surpresa e se assinala com o ponto de exclamação, como acontece, por exemplo, no ah! ou oh!. Se se tratar de uma interjeição que assinala a dificuldade de perceber uma mensagem, poderemos associar-lhe um ponto de interrogação, como em Como?, Hã?, etc. Poderá ainda sugerir dúvida e, aí, poderemos colocar reticências, por exemplo em Hum...

Pergunta:

Gostaria de saber se no português-padrão do Brasil os pronomes onde, como ou quanto podem ocupar a posição de sujeito ou objeto direto numa oração relativa livre. Obs.: não me refiro às subordinadas interrogativas como «Eu sei onde ele mora...» Mas uma frase do tipo «Eu visitei onde ele mora», ou então «Onde ele mora é bonito». Essas duas últimas são legítimas quanto à língua-padrão do Brasil? Ou teria de colocar-se um antecedente?

Resposta:

Repito, numerando-as, as frases que refere:

1. «Eu visitei onde ele mora.»
2. «Onde ele mora é bonito.»

 

A frase 1, do meu ponto de vista, é estranha graças ao verbo utilizado. Com estrutura semelhante, aceito melhor uma frase em que ocorra o verbo ver:

1.1. «Vejo onde ele mora.»
1.2. «Estou a ver/estou vendo onde ele mora.»

 

De qualquer forma, aceitando que o uso de verbo visitar neste contexto é uma característica do português do Brasil, a estrutura entre 1 e 1.1 é semelhante, desempenhando em ambos  os casos a relativa livre função de objecto directo do verbo.

Em 2, «Onde ele mora» desempenha a função de sujeito.

Apresento a seguir um pequeno corpus que ilustra, sem pretender ser exaustivo, as funções sintácticas desempenhadas pelos relativos (pronomes, advérbios ou quantificadores) que indica.

3. «Vou onde é preciso.» (Complemento relativo, ou oblíquo)
4. «Onde vives é agradável.»
5. «Moro onde sempre morei.» (Complemento relativo, ou oblíquo)
6. «O livro está onde o coloquei.» (Predicativo do sujeito)
7. «Vejo quanto te custa a situação.» (Objecto directo)
8. «Vejo quanto te custa esta situação.» (Objecto directo)
9. «Fiz quanto pude.» (Objecto directo)
10. «Quanto fiz, fi-lo por ti.» (Objecto directo)
11. «Dei o meu apoio a quantos precisavam.» (Objecto indirecto)

 

Em síntese, uma relativa introduzida por onde pode, efectivamente, desempenhar, entre outras, a função de objecto directo, ou a de sujeito. Relativamente a quanto e como

Pergunta:

Tenho dúvidas acerca do uso do pretérito perfeito do conjuntivo.

Encontrei, na Gramática da Língua Portuguesa, (M. H. M. Mateus et al., 2003), Capítulo XV (Inês Duarte) — Subordinação completiva, pág. 609 (cp. 15.1.3) e 606 (cap. 15.1.1.), as seguintes frases:

«Que a Maria não tenha vindo a festa, surpreendeu o João.»

«O Conselho lamentou que não lhe tenha sido comunicada a decisão.»

Pensava que nas subordinadas completivas finitas, neste caso (quando a oração principal se encontra no pretérito perfeito), seria apropriado e gramatical usar o mais que perfeito do conjuntivo:

«Que a Maria não tivesse vindo a festa, surpreendeu o João.»

«O Conselho lamentou que não lhe tivesse sido comunicada a decisão.»

Pedia-vos para me confirmarem a gramaticalidade das frases encontradas na GLP nos subcapítulos em apreço. Caso estejam correctas, a minha pergunta é:

Posso, então, utilizar o pretérito perfeito do conjuntivo nas completivas finitas seleccionadas por todos os verbos psicológicos, ou só por aqueles que são denominados "factivos" e que pressupõem a verdade do complemento frásico (achar bem, detestar, gostar, lamentar)? Neste caso, seriam gramaticais as seguintes frases?

«Achei (achava) bem que lhe tenhas dito a verdade.»

«Detestei (detestava) que te tenhas vestido assim.»

«Lamentei (lamentava) que me tenham dado a resposta negativa.»

«Gostei (gostava) que ele me tenha vindo visitar.»

A descrição que as gramáticas fazem da concatenação temporal, ou consecutio temporum, é muito mais restritiva do que o uso demonstra. As frases em apreço estão correctas, embora a sua ocorrência nem sempre venha descrita nas gramáticas. O que, creio, justifica a diferença do tempo verbal utilizado é a acção discursiva, o contexto enunciativo, ou seja, o distanciamento que o emissor, ou produtor do discurso, expressa em relação à situação a que se reporta. Numa frase em que, na oração subordinada completiva, o verbo ocorra no pretérito perfeito do conjuntivo, como, por exemplo, em 1, poderemos imaginar o emissor na festa, a comentar com um outro conviva. Uma frase destas é sentida pelo receptor como mais próxima do que outra em que o verbo surja no pretérito mais-que-perfeito do conjuntivo (2). Por outro lado, no caso concreto do verbo surpreender, o verbo da oração subordinante pode ocorrer no pretérito imperfeito sem alterar a factividade da subordinada:

1) «Que a Maria não tenha vindo à festa, surpreendeu o João.»
2) «Que a Maria não tivesse vindo à festa, surpreendeu o João.»
3) «Que a Maria não tivesse vindo à festa, surpreendia o João.»


Com os verbos factivos em análise, o tempo da subordinada pode variar, desde que a oração subordinante contenha o verbo no pretérito perfeito do indicativo.

4) «Achei bem que lhe tenhas/tivesses dito a verdade.»
5) «Detestei que te tenhas/tivesses vestido assim.»
6) «Lamentei que me tenham/tivessem dado a resposta negativa.»
7) «Gostei que ele me tenha/tivesse vindo visitar.»


Se esse verbo estiver no pretérito imperfeito, acontecem duas coisas:

a) Por um lado, o verbo da subordinada tem de estar – aqui, sim – obrigatoriamente, no pretérito mais-que-perfeito.