Carlos Rocha - Ciberdúvidas da Língua Portuguesa
Carlos Rocha
Carlos Rocha
1M

Licenciado em Estudos Portugueses pela Faculdade de Ciências Sociais e Humanas da Universidade Nova de Lisboa, mestre em Linguística pela mesma faculdade e doutor em Linguística, na especialidade de Linguística Histórica, pela Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa. Professor do ensino secundário, coordenador executivo do Ciberdúvidas da Língua Portuguesa, destacado para o efeito pelo Ministério da Educação português.

 
Textos publicados pelo autor

Pergunta:

Estou estudando sobre a gramática tradicional (GT) e a gramática sintagmática (GS) e tenho uma dúvida: qual(is) a(s) inconsistência(s) da GT ao juntar numa classe elementos que são funcionalmente distintos (no caso o pronome), levando em conta os elementos da GS. Estou entendendo que tem relação com o que Mirim Lemle diz: «A gramática tradicional agrupa o que é funcionalmente diferente e separa o que é funcionalmente uno.»

Gostaria de explicações.

Resposta:

O Dictionnaire de Linguistique, de J. Dubois et alii (Paris, Éditions Larousse), explica que «se dá o nome de gramática sintagmática à gramática de constituintes de que N. Chomsky fez a base da componente sintáctica e cujas regras são chamadas regras sintagmáticas» (tradução minha).

Segundo o Dicionário de Linguagem e Lingüística, de R. L. Trask (São Paulo, Editora Contexto, 2004), a gramática sintagmática é «um tipo de gramática gerativa, que representa directamente a estrutura dos constituintes. Normalmente, consideramos a estrutura de qualquer sentença [frase] como um caso de estrutura de constituintes, em que as unidades menores se combinam para formar unidades maiores, que são, por sua vez, combinadas formando unidades ainda maiores, e assim sucessivamente». Isto quer dizer que na gramática sintagmática se procura identificar unidades através de procedimentos coerentes, que se situem no mesmo tipo de análise. Não é o caso da gramática tradicional, que recorre tanto a critérios formais como a outros de natureza semântica e até pragmática na definição das unidades análise.

Assim, por exemplo, na gramática sintagmática, o sujeito da frase é identificado por propriedades formais que podem ser reveladas por meio de testes:

(1) «Os engenheiros conceberam a ponte.»

Em (1), verifica-se o fenómeno da concordância: se o predicado concorda sempre com o sujeito, então o sujeito da frase só pode ser a expressão «os engenheiros», porque a forma verbal «conceberam» está no plural. Além disso, só pronomes pessoais sujeito (como se costuma dizer, na forma de nominativo) é que podem substituir expressões nominais com essa função:

(2) «Eles conceberam a ponte.»

Num quadro ...

Pergunta:

Sou editora da revista Alentejo Terra-Mãe, da fundação com o mesmo nome com sede em Évora.

No próximo número, vamos ter um artigo sobre ervas e cogumelos silvestres e surgiu-me uma dúvida que não consegui esclarecer: o nome vulgar do cogumelo cujo nome "técnico" é Amanita Ponderosa (muito popular em algumas zonas do Alentejo) deve escrever-se silarca, ou cilarca?

Obrigada.

Resposta:

De acordo com o Dicionário de Expressões Populares Portuguesas, de Guilherme Augusto Simões, o termo usado no Alentejo escreve-se silara ou silarca. O mesmo dicionário atribui à Estremadura o uso de silerta, mas José Pedro Machado, no Grande Dicionário da Língua, regista silerca. O Dicionário Contemporâneo da Língua Portugesa, de Caldas Aulete, também grafa com s: silarca ou silerca.

No entanto, o Diccionario Portuguez (1873), de Domingos Vieira, regista a forma cilercóa (remetendo para tortulho), que parece ser mais uma variante. Como não disponho de dados sobre a etimologia desta palavra — o Dicionário Etimológico de José Pedro Machado não a regista — aceito como boa a grafia com <s> inicial, visto assim estar escrita a palavra na maior parte das suas variantes nas fontes consultadas.

Pergunta:

Podem ser utilizados em português os termos destoxificar e destoxificação?
Nas ciências médicas e biológicas, especialmente na área da biodegradação, por vezes são utilizados estes termos, mas não vêm referidos nos dicionários.

Resposta:

O Dicionário Houaiss da Língua Portuguesa regista destoxificar e destoxificação como alternativa, respectivamente, a desintoxificar e desintoxificação. Contudo, não encontramos os termos em questão em dicionários especializados. Não podemos, por isso, confirmar que se trate de palavras consagradas nas comunidades das ciências médicas e biológicas.

Pergunta:

Gostaria de saber se existe em português a palavra "relacionalidade".

Resposta:

F. V. P. da Fonseca afirma:

«O que existe é relacionação

Nós acrescentamos relacionamento. Ambas as palavras se encontram atestadas no dicionário da Academia das Ciências de Lisboa.

"Relacionalidade" é uma palavra possível, formada sobre relacional, que poderia significar «natureza do que é relacional», «propriedade que define toda a relação». Mas os dicionários gerais consultados, mesmo os mais recentes, não a registam.

Pergunta:

Em «Viver é lutar» e «Fumar é proibido», o sujeito é simples ou oracional, ou seja, o núcleo do sujeito é classificado morfologicamente como substantivo, ou como verbo?

Obrigado.

Resposta:

Os infinitivos impessoais («viver» e «fumar») que têm a função de sujeito nas frases em apreço são orações reduzidas de infinitivo (ver Celso Cunha e Lindley Cintra, Nova Gramática do Português Contemporâneo, Lisboa, Edições João Sá da Costa, 1984, pág. 606). O sujeito é, portanto, oracional, uma vez que o seu  núcleo é classificado como verbo.