Carlos Rocha - Ciberdúvidas da Língua Portuguesa
Carlos Rocha
Carlos Rocha
1M

Licenciado em Estudos Portugueses pela Faculdade de Ciências Sociais e Humanas da Universidade Nova de Lisboa, mestre em Linguística pela mesma faculdade e doutor em Linguística, na especialidade de Linguística Histórica, pela Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa. Professor do ensino secundário, coordenador executivo do Ciberdúvidas da Língua Portuguesa, destacado para o efeito pelo Ministério da Educação português.

 
Textos publicados pelo autor

Pergunta:

Tenho dúvidas quanto à obrigatoriedade da colocação do ponto de interrogação no final das frases que se seguem, concretamente, depois de «coisa» e depois de «então».

«Que fazer quando nos falhar isto? Ou pior: quando se nos faltar outra coisa.»

«Que fazer então? Quando se nos falhar isto, ou pior: quando se nos faltar outra coisa.»

Podemos ter esta alternativa abaixo?

«Que fazer então... quando se nos falhar isto, ou pior, quando se nos faltar aquilo.»

Obrigado e parabéns pelo vosso trabalho.

Resposta:

Observa F. V. Peixoto da Fonseca:

«Antes de mais nada, quando, nas frases apontadas, não pode ser seguido de se condicional: ou se põe uma conjunção temporal ou então o quando temporal. Agora, quanto ao ponto de interrogação, o seu uso ou não depende da intonação da frase: toda a sequência introduzida por Que fazer então tem de levar ponto de interrogação, pois trata-se de uma pergunta feita em discurso directo.»

Deste modo, construções correctas serão, por exemplo:

(i) «Que fazer quando nos falhar isto? Ou pior: quando nos faltar outra coisa?

(ii) «Que fazer então, quando nos falhar isto, ou pior, quando nos faltar aquilo?»

Pergunta:

Gostaria de saber o que significa papel temático (relacionado com a semântica) e quais os tipos de papéis temáticos que podemos encontrar nas frases.

Obrigada pela atenção dispensada.

Resposta:

Papel temático é um termo que designa o tipo de relação semântica que se encontra associada aos argumentos de um predicador, ou seja, ao sujeito e aos complementos de um verbo ou simplesmente aos complementos de um substantivo ou adjectivo.

Na Gramática da Língua Portuguesa (2003), de Maria Helena Mira Mateus et al., observa-se que há vários papéis temáticos e que a terminologia que os identifica pode variar; a que é proposta por estas linguistas é a seguinte: Agente, Fonte, Experienciador, Locativo, Alvo e Tema. Apresentamos agora as respectivas definições (págs. 187-190; o papel temático em foco está em itálico nos exemplos):

«Agente é o papel temático do argumento que designa a entidade controladora, tipicamente humana, de uma dada situação.»

(i) Ex.: A Joana cortou o bolo.

«Fonte é o papel temático que designa a entidade que está na origem de uma dada situação, embora sem a controlar. [...] um argumento fonte pode designar uma força da Natureza, um lugar ou um ser animado que constituam o ponto de partida de uma mudança de estado, de lugar ou de posse.»

(ii) Ex.: (a) A chuva inundou as ruas.
           (b) Fomos de avião de Lisboa para o Porto.

«Experienciador é o papel temático do argumento que designa a entidade que é a sede psicológica ou fisica de uma dada propriedade ou relação [...]»

(iii) Ex.: (a) A Joana gosta de bolos.
           (b) O Ricardo ouviu a canção.

...

Pergunta:

Em relação a estas palavras, qual é a grafia mais correcta e porquê?

"Creatinina-fosfocinase", "mineralocorticóide" e "carcino-embrionário": com ou sem hífen?

"Adrenocorticotrópico": sem hífen? "... trópico" ou "... trófico"?

Qual é a explicação para essa grafia, de modo a poder identificar palavras deste tipo e extrapolar a forma correcta de escrevê-las?

"α-fetoproteína" escreve-se com hífen (ou traço de união) ou sem? É igual se for na forma por extenso "alfa-fetoproteína", e palavras semelhantes, como "beta-lipoproteína"?

"Enolase específica de neurónio", ou "do neurónio", ou "enolase neuro-específica", ou ainda "neuro-enolase específica"? Prefiro a primeira forma, por se assemelhar mais à corrente «antigénio específico da próstata».

"Carboidrato" ou "hidrato de carbono"? Alguma destas é português europeu e a outra do Brasil?

Obrigada.

Resposta:

Com base no Dicionário Houaiss da Língua Portuguesa e nas recomendações do nosso consultor F. V. P. da Fonseca, seguem-se os comentários a cada palavra:

1. Creatinina-fosfocinase: «com hífen porque ambos os elementos têm vida independente» (F. V. P. da Fonseca).

2. Minelocorticóide: atestado no Dicionário Houaiss [no artigo referente ao elemento antepositivo min(e)-].

3. Carcino-embrionário: a justificação do hífen «é tratar-se de elementos de natureza adjectiva terminados em o morfologicamente individualizados, embora um deles se não apresente com forma plena» (F. V. P. da Fonseca).

4. "Adrenocorticotrópico": é preferível adrenocorticotrófico; existe corticotrópico como variante não preferível de corticotrófico, como observa o Dicionário Houaiss acerca da etimologia deste termo:

«[do] inglês corticotrop(h)ic (1934) 'id.', donde tb. corticotrópico; a supressão, em inglês, do h no dígrafo ph gera uma confusão nos elementos compositvos trof(o)- e trop(o)-, devendo-se ter em mente, por isso, que o constituinte é trof(o)-»

F. V. P. da Fonseca lembra, aliás, que «a terminação trópico só em termos geográficos é admissível.»

5. Alfa-fetoproteína: é preferível usar o hífen, sendo também possível α-fetoproteína e A-fetoproteína.

«É lógico que, sendo alfa-fetoproteína com hífe...

Pergunta:

Gostaria de uma definição para pergunta objetiva, e de saber se apenas as questões de múltipla escolha são consideradas objetivas.

Resposta:

Uma pergunta objectiva refere-se a uma questão que não é evasiva, que é directa, prática e positiva, que se submete a alguém de quem se espera que a resolva. Uma pergunta objectiva vai directamente ao ponto central da questão, seja ela de escolha múltipla ou não.

As perguntas de escolha múltipla nem sempre são objectivas. A objectividade de uma pergunta não depende, pois, do seu tipo, mas do modo como é formulada a questão.

Pergunta:

Estou estudando sobre a gramática tradicional (GT) e a gramática sintagmática (GS) e tenho uma dúvida: qual(is) a(s) inconsistência(s) da GT ao juntar numa classe elementos que são funcionalmente distintos (no caso o pronome), levando em conta os elementos da GS. Estou entendendo que tem relação com o que Mirim Lemle diz: «A gramática tradicional agrupa o que é funcionalmente diferente e separa o que é funcionalmente uno.»

Gostaria de explicações.

Resposta:

O Dictionnaire de Linguistique, de J. Dubois et alii (Paris, Éditions Larousse), explica que «se dá o nome de gramática sintagmática à gramática de constituintes de que N. Chomsky fez a base da componente sintáctica e cujas regras são chamadas regras sintagmáticas» (tradução minha).

Segundo o Dicionário de Linguagem e Lingüística, de R. L. Trask (São Paulo, Editora Contexto, 2004), a gramática sintagmática é «um tipo de gramática gerativa, que representa directamente a estrutura dos constituintes. Normalmente, consideramos a estrutura de qualquer sentença [frase] como um caso de estrutura de constituintes, em que as unidades menores se combinam para formar unidades maiores, que são, por sua vez, combinadas formando unidades ainda maiores, e assim sucessivamente». Isto quer dizer que na gramática sintagmática se procura identificar unidades através de procedimentos coerentes, que se situem no mesmo tipo de análise. Não é o caso da gramática tradicional, que recorre tanto a critérios formais como a outros de natureza semântica e até pragmática na definição das unidades análise.

Assim, por exemplo, na gramática sintagmática, o sujeito da frase é identificado por propriedades formais que podem ser reveladas por meio de testes:

(1) «Os engenheiros conceberam a ponte.»

Em (1), verifica-se o fenómeno da concordância: se o predicado concorda sempre com o sujeito, então o sujeito da frase só pode ser a expressão «os engenheiros», porque a forma verbal «conceberam» está no plural. Além disso, só pronomes pessoais sujeito (como se costuma dizer, na forma de nominativo) é que podem substituir expressões nominais com essa função:

(2) «Eles conceberam a ponte.»

Num quadro ...