Carlos Rocha - Ciberdúvidas da Língua Portuguesa
Carlos Rocha
Carlos Rocha
1M

Licenciado em Estudos Portugueses pela Faculdade de Ciências Sociais e Humanas da Universidade Nova de Lisboa, mestre em Linguística pela mesma faculdade e doutor em Linguística, na especialidade de Linguística Histórica, pela Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa. Professor do ensino secundário, coordenador executivo do Ciberdúvidas da Língua Portuguesa, destacado para o efeito pelo Ministério da Educação português.

 
Textos publicados pelo autor

Pergunta:

Por favor, queria saber se a pronúncia correta é "póli" ou "poli" (sem acento). Ex.:

"póligono", ou "poligono"?

"pólivalente", ou "polivalente"

Obrigado.

Resposta:

Em relação ao português europeu, F. V. P. da Fonseca informa-nos de que «a pronúncia correcta é /puli/, e o acento tónico recai nas sílabas li e len». Na pronúncia brasileira, o prefixo poli- é pronunciado geralmente não com o som [u], mas com "o aberto" ou "o fechado", dependendo da variedade regional.

Das duas palavras em apreço, só polígono tem acento gráfico, tanto em Portugal como no Brasil.

Pergunta:

Na página 196 do livro A Cidade e as Serras, de Eça de Queirós, encontrei uma figura de estilo (entre muitas outras) que não estou a conseguir identificar nem analisar em relação à sua expressividade. A figura de estilo é a seguinte: «Já um dia com um grão de sal e de ironia...»

Agradeço desde já a atenção.

Resposta:

Toda a expressão «grão de sal» pode ser metafórica: o sal «dá graça» à comida, isto é, torna-a mais saborosa; logo, «grão de sal» acaba por ser o mesmo que graça ou alegria. Por outro lado, a coordenação de «e de ironia» permite a leitura «grão de ironia», expressão em que grão reforça o seu valor metafórico como sinónimo de «um pouco».

Pergunta:

Gostava de saber como devo pronunciar o verbo adequar e todas as suas formas no presente do indicativo. Se não entendi mal, em Portugal e no Brasil usa-se este verbo de diferente forma. Consultei respostas relacionadas, mas não chego a nenhuma conclusão. Não me atrevo a conjugar este verbo em voz alta. Não sei se é realmente difícil ou se tenho a mente bloqueada.

Desde já lhes agradeço a atenção de sempre.

Resposta:

Há duas possibilidades para o presente do indicativo de adequar:

A.

adéquo
adéquas
adéqua
adequamos
adequais
adéquam

B.

adequo
adequas
adequa
adequamos
adequais
adequam

 

Segundo o Dicionário Houaiss da Língua Portuguesa, no Brasil, usa-se A, mas também se admite B. Em Portugal, só B se aceita. Quer em A quer em B, a sequência <qu> é sempre lida como [ku] (ver também Evanildo Bechara, Moderna Gramática Portuguesa, págs. 239 e 243, sobre os verbos aguar, desaguar e enxaguar, que têm na norma-padrão brasileira seguem o paradigma A).

De assinalar os gramáticos que consideram que o verbo adequar é defectivo, conjugando-se apenas nas formas que não tenham acento tónico no radical (formas arrizot{#ó|ô}nicas: p.ex. adequamos, adequais). É assim que Celso Cunha e Lindley Cintra, na Nova Gramática do Português Contemporâneo (Lisboa, Edições João Sá da Costa, pág. 445/446) incluem o verbo adequar entre os que seguem o modelo de falir:

«[Trata-se de] verbos que, n...

Pergunta:

Como analisar a formação de uma locução verbal como no exemplo «Ele pode ter sido indicado pelo antigo diretor»?

Obrigada.

Resposta:

Os verbos poder e dever são chamados verbos modais epistémicos quando se referem à probabilidade ou à incerteza de um acontecimento ou de um estado de coisas ocorrerem. Quando essa probabilidade se reporta a eventos verificados no passado, note o consulente que estes verbos têm a particularidade de se usarem no presente do indicativo seguidos do verbo principal no infinitivo composto activo ou passivo:

(i) «Ele pode ter indicado/sido indicado.»
(ii) «Ele deve ter indicado/sido indicado.»

No caso de (i), é também possível usar o pretérito perfeito do indicativo, enquanto dever é sempre usado no presente, se tiver valor epistémico:

(iii) «Ele pôde ter indicado/sido indicado.»

(iv) *«Ele deveu ter indicado/sido indicado.»

Os verbos em referência podem ser seguidos do infinitivo simples ou do infinitivo composto, mas com outras interpretações modais, que são três

 

1. Modalidade interna ao participante de uma situação (só poder)

(v) «Ele pode indicar a rua, porque vai lá muitas vezes.» (= «é capaz», «consegue»)

 

2. Modalidade externa ao participante de uma situação

(vi) «Ele pode indicar a rua, se tiver um mapa.» (= «é-lhe dada a possibilidade»)

(vi) «Ele deve indicar a rua, porque quer ser guia.» (= «tem de», «é-lhe ...

Pergunta:

As minhas dúvidas dizem respeito aos aumentativos das palavras tigela e cama. Para tigela, poder-se-á utilizar "tigelona", ou será mais correcta a utilização de "tigelão"? No que concerne à palavra cama, embora essa dúvida tenha sido já elucidada numa ciberdúvida anterior, não será também correcto dizer-se "camazona"?

Obrigada pela atenção dispensada.

Resposta:

Já temos explicado muitas vezes que as formas de aumentativo podem ou não ser dicionarizadas. Se há mudança de género, normalmente do feminino para o masculino, o mais certo é que o aumentativo resultante tenha adquirido autonomia, isto é, deixou de ser a flexão de um substantivo para passar a constituir um item lexical independente, com referência a uma entidade que constitui um subtipo da que é referida pela forma no grau normal. É este o caso de porta e portão. De referir ainda que o aumentativo de um nome feminino, sobretudo dos que designam objectos ou utensílios, tende a passar ao género masculino, como se o aumento no tamanho fosse concebido metaforicamente como masculinização. Deste modo, podemos afirmar que a forma tigelão é tão legítima como tigelona para designar não apenas uma tigela grande, mas um tipo de tigela que é grande, contrariamente às características prototípicas da tigela.

Em relação à cama, são possíveis os seguintes aumentativos: "camona", "camazona", "camão". Trata-se, contudo, de aumentativos que não estão estabilizados, que só pontualmente ocorrem, por exemplo, na linguagem infantil, no sentido de alcançar uma maior expressividade.