Carlos Rocha - Ciberdúvidas da Língua Portuguesa
Carlos Rocha
Carlos Rocha
1M

Licenciado em Estudos Portugueses pela Faculdade de Ciências Sociais e Humanas da Universidade Nova de Lisboa, mestre em Linguística pela mesma faculdade e doutor em Linguística, na especialidade de Linguística Histórica, pela Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa. Professor do ensino secundário, coordenador executivo do Ciberdúvidas da Língua Portuguesa, destacado para o efeito pelo Ministério da Educação português.

 
Textos publicados pelo autor

Pergunta:

Sou editora da revista Alentejo Terra-Mãe, da fundação com o mesmo nome com sede em Évora.

No próximo número, vamos ter um artigo sobre ervas e cogumelos silvestres e surgiu-me uma dúvida que não consegui esclarecer: o nome vulgar do cogumelo cujo nome "técnico" é Amanita Ponderosa (muito popular em algumas zonas do Alentejo) deve escrever-se silarca, ou cilarca?

Obrigada.

Resposta:

De acordo com o Dicionário de Expressões Populares Portuguesas, de Guilherme Augusto Simões, o termo usado no Alentejo escreve-se silara ou silarca. O mesmo dicionário atribui à Estremadura o uso de silerta, mas José Pedro Machado, no Grande Dicionário da Língua, regista silerca. O Dicionário Contemporâneo da Língua Portugesa, de Caldas Aulete, também grafa com s: silarca ou silerca.

No entanto, o Diccionario Portuguez (1873), de Domingos Vieira, regista a forma cilercóa (remetendo para tortulho), que parece ser mais uma variante. Como não disponho de dados sobre a etimologia desta palavra — o Dicionário Etimológico de José Pedro Machado não a regista — aceito como boa a grafia com <s> inicial, visto assim estar escrita a palavra na maior parte das suas variantes nas fontes consultadas.

Pergunta:

Podem ser utilizados em português os termos destoxificar e destoxificação?
Nas ciências médicas e biológicas, especialmente na área da biodegradação, por vezes são utilizados estes termos, mas não vêm referidos nos dicionários.

Resposta:

O Dicionário Houaiss da Língua Portuguesa regista destoxificar e destoxificação como alternativa, respectivamente, a desintoxificar e desintoxificação. Contudo, não encontramos os termos em questão em dicionários especializados. Não podemos, por isso, confirmar que se trate de palavras consagradas nas comunidades das ciências médicas e biológicas.

Pergunta:

Gostaria de saber se existe em português a palavra "relacionalidade".

Resposta:

F. V. P. da Fonseca afirma:

«O que existe é relacionação

Nós acrescentamos relacionamento. Ambas as palavras se encontram atestadas no dicionário da Academia das Ciências de Lisboa.

"Relacionalidade" é uma palavra possível, formada sobre relacional, que poderia significar «natureza do que é relacional», «propriedade que define toda a relação». Mas os dicionários gerais consultados, mesmo os mais recentes, não a registam.

Pergunta:

Em «Viver é lutar» e «Fumar é proibido», o sujeito é simples ou oracional, ou seja, o núcleo do sujeito é classificado morfologicamente como substantivo, ou como verbo?

Obrigado.

Resposta:

Os infinitivos impessoais («viver» e «fumar») que têm a função de sujeito nas frases em apreço são orações reduzidas de infinitivo (ver Celso Cunha e Lindley Cintra, Nova Gramática do Português Contemporâneo, Lisboa, Edições João Sá da Costa, 1984, pág. 606). O sujeito é, portanto, oracional, uma vez que o seu  núcleo é classificado como verbo.

Pergunta:

Eu li várias respostas sobre o gerúndio e sobre a colocação do pronome do complemento directo. Mas não consegui deduzir o seguinte:

Quando um verbo, que não é auxiliar, mas é acompanhado com um pronome de complemento directo e depois um gerúndio de outro verbo, qual é o sujeito do segundo verbo?

Seja o mesmo sujeito do primeiro verbo, ou o qual do complemento?

Por exemplo, examinando as próximas frases 1, 2 e 3, qual é a significação de cada uma delas, dentre A, B, C:

1) O professor me viu andando na rua.
2) O professor viu-me andando na rua.
3) O professor viu eu andando na rua.
A) O professor me viu quando ele estava andando na rua.
B) O professor me viu quando eu estava andando na rua.
C) Gramática errada – não tem significação.

E mais, se for "eu" o sujeito, e "ele" o complemento, teria qualquer diferença?

1) Eu o vi andando na rua.
2) Eu vi-o andando na rua.
3) Eu vi ele andando na rua.
A) Eu o vi quando eu estava andando na rua.
B) Eu o vi quando ele estava andando na rua.
C) Gramática errada – não tem significação.

E se for outro verbo em vez de "vir", por exemplo "deixar"?

1) O professor me deixou andando na rua.
2) O professor deixou-me andando na rua.
3) O professor deixou eu andando na rua.
A) O professor me deixou quando ele estava andando na rua.
B) O professor me deixou quando eu estava andando na rua.
C) Gramática errada – não tem significação.

Muito obrigado.

Resposta:

Estamos perante um verbo perceptivo (ver) que associada a uma oração de gerúndio (andando) ou infinitivo gerundivo (a andar, que é usado em Portugal). A particularidade desta construção é a de ser ambígua quanto à identificação o sujeito do gerúndio:

(1) «O professor viu-me andando/a andar na rua.»

Esta frase pode ser parafraseada como:

(2) «O professor viu-me quando ele/eu andava na rua.»

O mesmo se pode dizer quando o sujeito de ver em (1) e (2) for «eu», e o complemento dire{#c|}to, «o professor» ou «ele», como em (3) e (4):

(3) «Eu vi-o andando/a andar na rua.»

(4) «Eu vi-o quando eu/ele andava na rua.»

Note que a colocação do pronome em relação ao verbo ver identifica a variedade de português:

(5) «Ele me viu» (português brasileiro).
(6) «Ele viu-me» (português europeu).

Acresce que não há ambig{#u|ü}idade quando se usa o infinitivo em português europeu sem a preposição a:

(7) «O professor viu-me andar na rua» = «O professor viu-me quando eu andava na rua».

Em relação ao verbo deixar, que é causativo, as propriedades verificadas nas frases anteriores são as mesmas.

Por fim, as estruturas «Eu vi ele andando/a andar/andar» existem no português em geral, mas não são aceites pelas normas-padrão. O caso torna-se mesmo de agramaticalidade, quando se constrói «O profes...