Carlos Rocha - Ciberdúvidas da Língua Portuguesa
Carlos Rocha
Carlos Rocha
1M

Licenciado em Estudos Portugueses pela Faculdade de Ciências Sociais e Humanas da Universidade Nova de Lisboa, mestre em Linguística pela mesma faculdade e doutor em Linguística, na especialidade de Linguística Histórica, pela Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa. Professor do ensino secundário, coordenador executivo do Ciberdúvidas da Língua Portuguesa, destacado para o efeito pelo Ministério da Educação português.

 
Textos publicados pelo autor

Pergunta:

Que significa "p. e p." no contexto seguinte: «factos susceptíveis ... de configurar a prática do crime de furto qualificado , p. e p. pelo art.204.º, ... do Código Penal»?

Agradecida.

Resposta:

Significa «previsto e punível», conforme se pode confirmar por um acórdão do Tribunal de Évora, com data de 03/12/2015 (itálico nosso):

«1 – Nos autos de processo comum em referência o arguido, NAS, foi acusado pelo Ministério Público da prática de factos consubstanciadores da autoria material, na forma consumada, de um crime de furto qualificado, previsto e punível (p. e p.) nos termos do disposto nos artigos 203.º e 204.º n.º 2 alínea e), do Código Penal (CP).»

Pergunta:

Porque usamos tanto a forma -logista, como a forma -logo?

Ex.: psicólogo e neurologista.

Ao que me parece, -logo e -logista significam o mesmo: quem estuda a lógica de algo, seja a psique ou o cérebro.

Não poderia ser, eventualmente, "psicologista" e "neurólogo"?

Resposta:

Não há uma razão que se relacione precisamente com o significado.

A explicação parece sobretudo histórica, devida ao contacto com o inglês científico, conforme se lê no comentário que, no Dicionário Houaiss, se dedica ao elemento -logista:

«[-logista é um] pospositivo, de desenvolvimento vernacular conexo com -logo, [...] na função de agente (p. ex.: laringólogo:laringologista); é inequívoco que se trata de influência do inglês no nome de agentes científicos; compare-se, a título de poucos exemplos, a seguinte lista parcial: anestesiólogo:anestesiologista, arquivólogo:arquivologista, bacteriólogo:bacteriologista, biólogo:biologista etc.; há uma tendência, apenas iniciante, de buscar distinguir o cientista propriamente dito (p.ex. biólogo, dermatólogo) do profissional praticante público (biologista, dermatologista).»1

Note-se, em todo o caso, que psicólogo tanto pode ser o cientista como o profissional que faz clínica. Não parece existir, portanto, um critério semântico-referencial que preveja o uso preciso de -logista e -logo.

1 Apesar de biologista ter registo diccionarístico, como sinónimo de biólogo, uma consulta do Corpus do Português permite concluir que é rara a sua ocorrência. Em situação semelhante se encontra o termo dermatólogo muito pouco usado, se o compararmos com dermatologista.

Pergunta:

Hoje fiz umas pesquisazinhas sobre a etimologia de algumas palavras, dentre elas a palavra chutar.

Todos os dicionários que consultei dizem que chutar vem de chute, que, por sua vez, vem do inglês shoot. Mas isso me pareceu estranho.

Foi-me ensinado que quando aportuguesamos uma palavra do inglês que tem sh, devemos grafá-la com x, até porque não são todos os falantes de português que pronunciam x e ch da mesma maneira. Segundo meus professores, é por esse motivo que shampoo virou xampu.

Mas chute também vem de palavra com sh e mesmo assim escrevemos com ch em português. Por quê?

Só consigo pensar em algumas possibilidades: chute é a exceção à regra (existem outras?); ensinaram-me errado e a regra não existe; "xute" é a forma que mais faz sentido etimologicamente; ou a explicação é alguma outra que não cogitei.

Qual dessas opções é a correta?

Resposta:

Nos empréstimos mais recentes – de finais do século XIX até agora –, o uso de ch pode ter que ver com o país onde se fez o aportuguesamento, bem como com a época em que ele ocorreu.

Apesar de, do ponto de vista da história da língua, ser mais adequado o x para transliterar o sh inglês, a verdade é que o ch- se impôs, até porque o x- inicial é menos corrente. No caso de chutar, terá sido o que aconteceu, embora haja atestação do verbo com a grafia parcialmente inglesa: shootar , nos começos do século XX (cf. Dicionário Houaiss, s. v. chutar)1.

Note-se que, no Brasil, se escreve xampu, mas, em Portugal e nos outros países de língua portuguesa, grafa-se champô, com ch-.

1 Convém assinalar que, no Brasil, se escreve chute, «pontapé», mas, em Portugal e noutros países de língua portuguesa, a forma usada é chuto (cf. Dicionário Houaiss e dicionário da Infopédia).

 

Pergunta:

Deve escrever-se "lenhina" ou "lignina"?

Resposta:

As duas formas estão corretas e são variantes do mesmo termo, que significa «substância rígida e permeável que aparece a impregnar a celulose de algumas paredes celulares de órgãos vegetais, dando-lhes rigidez», conforme definição do dicionário da Infopédia.

Tanto na Infopédia como no dicionário da Academia das Ciências de Lisboa, a entrada de lignina remete para lenhina, o que sugere que é preferível a segunda das duas formas. Contudo, no Dicionário Houaiss e no dicionário de Caldas Aulete é o contrário que sucede, com lenhina a encaminhar para lignina1. Conclui-se, portanto, que ambas as formas são corretas, até porque a variação lign-∼lenh- dos radicais nos termos em apreço não é objeto de censura normativa, como se pode ler no Dicionário Houaiss, onde, no entanto, não se aprova uma terceira variante do radical, linh-:

«Registram-se por vezes, principalmente em vocábulos da área química e afins, formas em linh(i/o)-, que são reputadas mera variação fonética, não recomendável, dos cultismos em lign(i/o)-: linhina/lignina, linhita/lignita, linhossulfônico/lignossulfônico...

Pergunta:

Resido na freguesia de Dois Portos, Torres Vedras.

Gostaria de saber qual será a designação apropriada dos habitantes desta localidade de Dois Portos. Será "dois portuenses"?

Um agradecimento antecipado pelo vosso esclarecimento.

Resposta:

Sobre o gentílico de Dois Portos, localidade do concelho de Torres Vedras, não se consegue dar uma resposta categórica.

Em matéria de formação de gentílicos, há alguns princípios gerais, mas não se pode dizer que haja regras. Com efeito, lê-se no Dicionário de Gentílicos e Topónimos (DGT) do Portal da Língua:

«Existem várias formas de criar gentílicos. Os mais comuns são os formados por sufixos como -ês (português), -ense (macaense) e -ano (americano). No entanto, não se pode estabelecer um padrão fixo para a criação de gentílicos, porque estes dependem fortemente não só da estrutura da língua, mas também da tradição e do uso de estruturas que se fixaram ao longo do tempo.

[...] [N]em todos os locais possuem um gentílico associado que esteja registado. Por exemplo, não existe uma única palavra atestada para denominar o habitante da pequena localidade de Vila da Pinta, no Cartaxo (Portugal): seja por que motivo for, ainda não se encontrou uma atestação do gentílico, mas, a criá-lo, ele seria algo como vila-pintense (como em vila-bispense de Vila do Bispo). [...]

[...] [N]em sempre é possível encontrar um determinado gentílico pelos seguintes motivos:

  • pela dimensão e complexidade do tema;
  • porque existem locais para os quais não foram encontrados nas fontes consultadas gentílicos atribuídos, embora se saiba que eles existem;
  • porque existem locais que, por diversas razões, não possuem nenhum gentílico associado (nestes casos consideramos que, por enquanto, usar a expressão "o habitante / o natural de nome ...