Carlos Rocha - Ciberdúvidas da Língua Portuguesa
Carlos Rocha
Carlos Rocha
1M

Licenciado em Estudos Portugueses pela Faculdade de Ciências Sociais e Humanas da Universidade Nova de Lisboa, mestre em Linguística pela mesma faculdade e doutor em Linguística, na especialidade de Linguística Histórica, pela Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa. Professor do ensino secundário, coordenador executivo do Ciberdúvidas da Língua Portuguesa, destacado para o efeito pelo Ministério da Educação português.

 
Textos publicados pelo autor

Pergunta:

Gostaria de saber como se pronunciam as palavras pão de forma e sobretudo? "Fórma", ou "f(ô)rma"? "Sobretudo", ou "subretudo"?

Obrigada pelo esclarecimento.

Resposta:

Pão de forma tem o o fechado, /fôrma/. Sobretudo pronuncia-se com o o da primeira sílaba fechado (como u).

Pergunta:

Gostaria de saber se a frase «migalhas é pão» está correcta.

Foi uma das perguntas do 1.º teste do CNLP de 2007 e na respectiva correcção, contra tudo o que vem recomendado pela Nova Gramática Portuguesa de Lindley Cintra e Celso Cunha quanto às «regras de concordância verbal», foi considerada, pela organização, como resposta certa porque «quando se trata de um sujeito impessoal o verbo concorda com o predicativo, para além de a frase ser já um provérbio»...

Que comentário vos merece esta apreciação?

Resposta:

Não há sujeito impessoal na frase em apreço, porque é óbvio que entre «migalhas» e «pão» se há-de encontrar o sujeito. Outra coisa é reconhecer esse sujeito, porque a natureza identificacional ou equativa da frase dá azo a análises nem sempre convergentes.1

Contudo, existe consenso quanto à concordância do verbo com a expressão nominal que esteja no plural, mesmo que esta ocorra em posição pós-verbal: «isto são migalhas» ilustra bem esse preceito.

Por outro lado, embora seja aceitável que o verbo concorde com a expressão no singular, Celso Cunha e Lindley Cintra (Nova Gramática do Português, pág. 502) apenas dão exemplos em que tal expressão é realizada por um pronome indefinido (tudo) ou um pronome demonstrativo (isto) e ocupa o começo da frase, aparentemente2 realizando o sujeito: «Tudo era os estudos, brincadeiras» (Luandino Vieira, Velhas estórias, 1976, pág. 49). Os referidos linguistas explicam que com a concordância no singular se procura «realçar um conjunto, e não os elementos que o compõem, a fim de sugerir-nos as diferentes realidades transformadas numa só coisa» (idem). No entanto, não mencionam estruturas como «os estudos era tudo», a não ser quando estipulam que o verbo ser fica no singular com expressões numéricas (idem): «Cem euros é pouco.»

Voltando à frase em causa, considero que estando «migalhas» no plural e à cabeça da frase, na posição que normalmente é a do sujeito, mais se impõe, pelo menos na norma-padrão, que o verbo esteja igualmente no plural e se diga «migalhas são pão». Sem embargo, porque a descrição de Cunha e Cintra sugere que o verbo no singular é possível em certos casos,...

Pergunta:

Deve dizer-se (e escrever-se) "polícromo", ou "policromo"? A palavra é esdrúxula, ou grave?

Obrigado.

Resposta:

Segundo Dicionário da Língua Portuguesa 2008, da Porto Editora, diz-se (e escreve-se) policromo; trata-se de palavra grave e é um adjectivo que quer dizer «de várias cores», oriundo «do gr[ego] polýkhromos». No entanto, o dicionário da Academia das Ciências de Lisboa e a Mordebe aceitam como variante de policromo a forma polícromo (palavra esdrúxula), que é menos aconselhável porque o elemento -cromo tem acento próprio (na segunda sílaba), o qual é imposto às palavras de que faça parte (p.ex., mercurocromo, monocromo, que são palavras graves).

Pergunta:

Os termos informática, bit e biónica são amálgamas?

Obrigada.

Resposta:

Sobre o que é uma amálgama em análise linguística, convém ler a resposta O conceito de amálgama.

Informática não é uma amálgama em português: é empréstimo do francês informatique, derivado do radical de information pela sufixação de -ique (cf. Dicionário Houaiss).

Bit é um acrónimo da expressão inglesa «binary digit» (cf. idem). Já está perfeitamente integrado no português como termo da informática, mas, por enquanto, ainda se escreve em itálico, por causa da sua estrutura que não é conforme à regras ortográficas do português. O aportuguesamento proposto pelo Diconário Houaiss é bite.

Biónica também não é uma amálgama em português: é um empréstimo do inglês bionics, este, sim, criado pelo norte-americano J. E. Steele como amálgama de biology e electronics (idem).

Pergunta:

Processo de formação das palavras: infância, desterro, esfarelou e contar.

Resposta:

A palavra infância provém do vocábulo latino infantia-, que está relacionado com infans, infantis, que significa «aquele que ainda não fala perfeitamente».

A palavra desterro provém por derivação regressiva do verbo desterrar, que significa «pôr fora da terra, exilar, expatriar e afastar».

Esfarelou corresponde à terceira pessoa do pretérito perfeito do modo indicativo do verbo esfarelar, que significa «reduzir a farelo». O verbo esfarelar é formado por derivação parassintética de farelo.

O verbo contar provém do verbo latino computare, que significa «calcular». Por extensão semântica, o verbo contar tem ainda o significado de «relatar acontecimentos reais ou fictícios».