Carlos Rocha - Ciberdúvidas da Língua Portuguesa
Carlos Rocha
Carlos Rocha
1M

Licenciado em Estudos Portugueses pela Faculdade de Ciências Sociais e Humanas da Universidade Nova de Lisboa, mestre em Linguística pela mesma faculdade e doutor em Linguística, na especialidade de Linguística Histórica, pela Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa. Professor do ensino secundário, coordenador executivo do Ciberdúvidas da Língua Portuguesa, destacado para o efeito pelo Ministério da Educação português.

 
Textos publicados pelo autor

Pergunta:

Devem pedir-se «Dois licores Beirões», tal como eu acho, ou «Dois Licores Beirão», como está na publicidade?

Obrigado.

Resposta:

Os nomes próprios podem ser pluralizados, como acontece com os apelidos: «os Maias», «os Távoras», «os Silvas». Do mesmo, diz-se «dois Licores Beirões», escrevendo o nome da marca em maiúsculas.

Ao contrário dos apelidos, cujos plurais designam indivíduos (por exemplo, «Afonso e Carlos são dois Maias»), o plural de Licor Beirão (como o de vinho do Porto ou simplesmente o de vinho ou água) é equivalente a «dois cálices de Licor Beirão», dado designar uma bebida, cuja quantificação se faz não por indivíduos mas por partes de um todo que correspondem a uma unidade de medida («um litro de Licor Beirão») ou à capacidade de um dado objecto («um copo, um cálice de Licor Beirão»). Por outras palavras, Licor Beirão comporta-se como outros nomes não contáveis (por exemplo, vinho em «copo de vinho» e água em «copo de água»).1

1Nomes não contáveis

são aqueles que «não podem designar partes singulares de conjuntos, são mais dificilmente pluralizáveis do que os nomes contáveis e, nos casos em que admitem variação de número (cf. água, ferro), a oposição singular/plural corresponde a diversidade de qualificações da entidade ou quantificações de porções delimitadas de matéria (cf. ferros).» (Mateus et aliae 2003: 219).

Pergunta:

Como designamos o substantivo que nos permite usar a designação da marca em vez do próprio objecto, por exemplo:

«Aquele senhor tem um grande Mercedes!» (Não significa que tenha, de facto, um carro da marca Mercedes mas que tem um carro bom)

«Este Kispo é quentinho!» (Em vez de casaco impermeável)

«Preciso do Skip!» (Preciso de detergente para a roupa, não quer dizer que seja obrigatoriamente desta marca)

Por exemplo, em inglês, quando dizemos que precisamos de um Hoover, significa que queremos um aspirador.

Obrigada.

Resposta:

São exemplos de derivação imprópria ou de conversão lexical. Consistem na mudança de categoria e de significado de uma palavra: os nomes próprios Mercedes, Kispo e Skip passam a ser usados como nomes comuns. Esta mudança acarreta o emprego de iniciais minúsculas: "mercedes", "kispo" e "skip".

Contudo, duas destas formas, "kispo" e "skip", podem defrontar-se com alguns problemas por causa da forma e grafias estrangeiras. Recorde-se que, mesmo à luz do novo Acordo Ortográfico, só se usam as letras k, w e y  em nomes próprios e seus derivados, por um lado, e em siglas, símbolos e nomes de «unidades de medida de curso internacional», por outro; não é o caso de "skip" e "kispo", que requererão um processo prolongado de lexicalização que permita o seu aportuguesamento.

Pergunta:

Gostaria de saber o que significa a expressão «esperar pela demora».

Muito obrigada.

Resposta:

A expressão correcta, que é também a que está dicionarizada, é «não perder pela demora», que significa «ter o castigo certo ainda que tarde» (Dicionário de Expressões Populares Portuguesas; cf. também Orlando Neves, Dicionário de Expressões Correntes).

Pergunta:

«Santa Maria, até se me puseram os cabelos em pé ao eco do nosso brado, ali ao meio do ermo.» Hipérbole?

Resposta:

«Ficar com os cabelos em pé» ou «ter os cabelos em pé» é, de facto, uma hipérbole ou um exagero, para tornar mais sugestiva a referência a sentimentos de medo, pânico ou terror.

Pergunta:

Qual o plural de pombo-correio?

Resposta:

Não é consensual o plural de pombo-correio. Uns dicionários consignam pombos-correio, outros, pombos-correios. Diga-se que ambos os plurais são legítimos: pombos-correio, porque são um tipo de pombos que são como o correio; pombos-correios, porque, além de pombos, são correios (isto é, quem leva o correio). Não é de admirar que o Dicionário Eletrônico Houaiss aceite como plural de pombo-correio as duas formas: «pombos-correios e pombos-correio». O referido dicionário não faz mais que registar o que é duplamente correcto.

Pombo-correio é «variedade de pombo us[ada] no transporte de comunicações escritas» ou, em sentido figurado, «indivíduo que leva informações ou mensagens de uma pessoa a outra; mensageiro».