Carlos Rocha - Ciberdúvidas da Língua Portuguesa
Carlos Rocha
Carlos Rocha
1M

Licenciado em Estudos Portugueses pela Faculdade de Ciências Sociais e Humanas da Universidade Nova de Lisboa, mestre em Linguística pela mesma faculdade e doutor em Linguística, na especialidade de Linguística Histórica, pela Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa. Professor do ensino secundário, coordenador executivo do Ciberdúvidas da Língua Portuguesa, destacado para o efeito pelo Ministério da Educação português.

 
Textos publicados pelo autor

Pergunta:

Sou professor de Português e tenho uma dúvida, associada a alguma confusão, desde há muito tempo, para a qual peço a vossa prestimosa ajuda.

Situando a minha questão e, consequentemente, a vossa resposta num contexto pedagógico, no caso concreto, na aula de Língua Portuguesa/Português, gostaria que me explicitassem/esclarecessem, fundamentadamente e com exemplos concretos (recorrendo se possível a teóricos das ciências da educação), os conceitos de competência e objectivo, a relação que entre eles se estabelece, designadamente numa planificação da disciplina, a eventual anulação de objectivo pela competência, em que contextos se pode utilizar um e não o outro ou então como se podem conjugar ambos. Estas são algumas das dúvidas para as quais peço, encarecidamente, uma resposta muito clara. Tudo isto surge do facto de perpassar a ideia (desde que o termo competência «tomou conta» das planificações) de que numa planificação/programação foram banidos definitivamente os objectivos, sendo substituídos pelas competências. Na minha opinião, são "coisas" diferentes, ainda que inter-relacionadas, com espaços e tempos próprios. No entanto, prefiro não me adiantar mais...

Aguardo a vossa resposta.

Resposta:

Como o consulente poderá compreender, o Ciberdúvidas da Língua Portuguesa é sobretudo um consultório de dúvidas sobre a língua portuguesa. Não pode, por isso, dar pareceres sobre conceitos e termos de determinado domínio científico. O mais que podemos fazer é aflorar a definição dos termos em causa. Assim, direi, de modo muito sintético, que o conceito de objectivo surgiu no discurso pedagógico e na política de educação em Portugal, pelo menos, nos anos 70 do século passado. Provém da chamada pedagogia por objectivos, que é definida por Olga Pombo (in Logos. 1. 1984, pág. 47-72, disponível no endereço http://www.uma.pt/jesussousa/CE/7PorouComobjectivos.pdf), deste modo:

«[...] conjunto de princípios metodológicos mais ou menos precisos e de técnicas pedagógicas mais ou menos rígidas, inspirados em trabalhos de pedagogos norte-americanos dos anos 50 (Tyler e Bloom) e que conheceram posteriores desenvolvimentos quer nos Estados Unidos, quer na Europa, de entre os quais se referem, como mais conhecidos entre nós, os trabalhos de Mager, Vandevelde, Krathwohl e Landsheere.»

Nos anos 90, no contexto da discussão do insucesso escolar, o pensamento de investigadores em ciências humanas, como Philippe Perrenoud, encontrou eco nas políticas educativas e na elaboração de programas escolares. Ganhou assim relevo o termo competência, definido por Perrenoud do seguinte modo (artigo completo nas páginas da Direcção-Geral de Inovação e Desenvolvimento Curricular):

«Competência é a faculdade de mobilizar um conjunto de recursos cognitivos (saberes, capacidades, informações etc.) para solucionar com pertinência e efi...

Pergunta:

Leio, em Saber Escrever Uma Tese e Outros Textos, de Edite Estrela, Maria Almira Soares e Maria José Leitão: «A pessoa do discurso geralmente utilizada nos trabalhos científicos é a 1.ª pessoa do plural (nós) dos verbos e pronomes. (...) O adjectivo, porém, mantém-se no singular e no género da pessoa que optou por usar o plural de modéstia (nós).
Ex.: Passaremos, agora, ao segundo aspecto desta questão, sobre a qual estamos amplamente documentada.»

Confesso que esta falta de concordância do adjectivo me faz alguma impressão, mas o que mais me preocupa é a possível reacção de um júri perante uma tese que respeite esta regra e que não esteja minimamente alertado para ela (note-se que nem todas as teses versam temas de linguística!). Como poderá um candidato, ao elaborar a sua tese, proteger-se disto? Por outras palavras, haverá alguma forma de assegurar a um júri que a tese foi elaborada segundo regras correctas embora claramente violadoras das regras gramaticais comuns?

Resposta:

Trata-se de um uso que, anteriormente, já foi descrito por Rodrigues Lapa, na Estilística da Língua Portuguesa (Coimbra, Coimbra Editora, 10.ª edição, 1979, pág. 232):

«Quando a pessoa do verbo, no plural, se refere a um só indivíduo, costuma pôr-se o predicado no singular, como neste exemplo de João de Barros: "Antes sejamos breve que prolixo." O autor usou, no verbo, o plural de modéstia; mas o adjectivo não deve ser atingido por esse plural e deve logicamente referir-se à primeira pessoa do singular. Há porém uma lógica do pensamento e uma lógica da língua; e assim é que hoje aquela frase se pode construir no plural. Terá contribuído também para isto a circunstância de quem fala ou escreve se sentir solidário com as pessoas que ouvem ou lêem. Os gramáticos fazem reparo neste passo de Vieira, em que a concordância, dizem, se faz menos logicamente: "Somos chegados ao último sonho de Xavier." Ora o plural refere-se não só ao orador, mas ainda aos ouvintes, interessados na prédica. De modo que, coerência linguística, acentuação de modéstia e propósito de comunicabilidade são motivos que concorrem hoje, mais ainda que outrora, para pôr o predicativo no plural.»

Nesta passagem, deve-se entender por «predicado» o predicativo do sujeito, tal como se encontra em «estamos amplamente documentada». Além disso, parece indicar-se que, num texto expositivo ou argumentativo, a não-concordância do predicativo era a regra, por razões referenciais, ou seja, quando o autor era um indivíduo; neste caso, a concordância era considerada por muitos gramáticos como incorrecta. Deste modo, a não-concordância deveria ser um uso conhecido não apenas na linguística mas também nas humanidades em geral e até no discurso de outras áreas académicas. Mas é possível que actualmente haja membros do júri de uma prova académica que não acatem o preceito enunciado por Estrela, Soares e Lei...

Pergunta:

Gostaria que me esclarecessem mais precisamente a evolução histórica da palavra topónima Provença, hoje um simples sítio existente na freguesia de Bairradas, Figueiró dos Vinhos. A palavra é utilizada ainda hoje pelos locais como Provença e Provência. José Pedro Machado localiza-a como Provença. A sua origem está na palavra latina Prudentia e as cartas militares actuais sinalizam a Ribeira da Prudência, um ribeiro que ali corre para o rio Zêzere.

A evolução da palavra Prudentia passou pela queda do [E] intervocálico, pela evolução de [TI] para [CI] e [Ç], da elevação do [U] para [O] fechado, do aparecimento da fricativa [V] para o lugar do que outrora tinha sido [D], (passando pssivelmente pela aspiração representada por [H], como também apresenta José Pedro Machado).

Agradecia que me fosse fornecida uma descrição linguística da evolução da palavra até ao estado Provença e Provência, localizando, se possível, no tempo as alterações fonéticas e gráficas verificadas.

Desde já, muito grato.

Resposta:

José Pedro Machado, no seu Dicionário Onomástico Etimológico da Língua Portuguesa, não dá pistas etimológicas claras quando afirma crer que o topónimo português Provença, que ocorre nas regiões de Alenquer, Avis, Elvas, Évora, Figueiró dos Vinhos, Portel, Serpa, Sines e Vila Viçosa, não é o mesmo que Provença, nome de parte do Sul de França. Em contrapartida, a forma Proença, topónimo dos distritos de Lisboa, Coimbra e Castelo Branco (idem), é que está relacionada com o nome da referida região francesa, por intermédio de Proensa, nome em provençal (idem).

Antes de explorar a eventual de ligação de Provença e Provência com o latim prudentĭa, convém também esclarecer que existe provença, forma arcaica alternativa a providência, palavra registada no Grande Dicionário da Língua Portuguesa, de José Pedro Machado, com três significados: «o mesmo que provisão», «dinheiro, víveres que as câmaras adiantavam aos recrutas até se incorporarem nos regimentos» e «o mesmo que providência». Este substantivo poderia muito bem estar na origem do topónimo, mas não tenho dados que confirmem tal hipótese.

Dito isto, não encontrei confirmação da etimologia proposta pelo consulente, como também não encontrei a ribeira da Prudência na base de dados em linha do Instituto Geográfico do Exército

Quanto à descrição dos processos fonéticos na evolução de prudentĭa a provença, eis uma série de curtos comentários:

a) «passou pela queda do [E] intervocálico» — não encontro E latino intervocálico no étimo em análise;

Pergunta:

A frase «A Maria trouxe bananas da Madeira» é uma frase estruturalmente ambígua? Porquê?

Resposta:

A sequência «bananas da Madeira» pode ser analisada de duas maneiras:

a) «da Madeira» é o complemento determinativo (adjunto adnominal na terminologia brasileira) de «bananas» e modifica apenas este constituinte, o que significa que as bananas são da Madeira, foram aí produzidas.

b) «da Madeira» é um complemento circunstancial de lugar donde e modifica a sequência «trouxe bananas», o que permite inferir, por exemplo, que a Maria comprou na Madeira bananas (que podiam ser provenientes das Canárias) e transportou-as até ao continente.

Pergunta:

Agradecia imenso se me pudessem responder se há alguma regra para a formação das nacionalidades na língua portuguesa.

Obrigado.

Resposta:

Não há regras, há é sufixos que aparecem mais frequentemente do que outros na formação deste tipo de palavras. Seguem-se alguns nomes e adjectivos pátrios ou de nacionalidade distribuídos pelos seguintes sufixos:

-ês: francês, inglês, libanês, sudanês, paquistanês, chinês, neozelandês;

-ense: canadense (no Brasil), guineense, israelense (no Brasil), paquistanense (Brasil);

-ano: americano, italiano, lituano, jordano, iraquiano, iraniano, queniano, indiano;

-ino: marroquino, argelino, tunisino.