Carlos Rocha - Ciberdúvidas da Língua Portuguesa
Carlos Rocha
Carlos Rocha
1M

Licenciado em Estudos Portugueses pela Faculdade de Ciências Sociais e Humanas da Universidade Nova de Lisboa, mestre em Linguística pela mesma faculdade e doutor em Linguística, na especialidade de Linguística Histórica, pela Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa. Professor do ensino secundário, coordenador executivo do Ciberdúvidas da Língua Portuguesa, destacado para o efeito pelo Ministério da Educação português.

 
Textos publicados pelo autor
A palavra <i>lacração</i>
A propósito de uma campanha eleitoral no Brasil

Na campanha para as eleições municipais que se disputam no Brasil, circulam várias palavras cujo significado pode não ser óbvio para quem em Portugal acompanha os acontecimentos pelos media brasileiros. O vocábulo lacração, que fez parte da capa da revista Veja em 23/08/2024, é o caso comentado pelo consultor Carlos Rocha.

 

 

Pergunta:

Tenho uma dúvida perante o determinante/artigo da palavra shop.

A palavra em inglês é do género masculino[*], o que me levaria a usar o determinante o com a mesma, ou seja, «no shop, num shop, o shop, etc..

Todavia, ouvi falar que a palavra shop em Portugal é sempre acompanhada do determinante a – «na shop, numa shop, a shop, etc.

Acho que neste caso o determinante a está relacionado com a tradução da palavra shop para loja, mas não funciona assim em outros idiomas.

Será que alguém me conseguiria comprovar qual o género correto da palavra shop em Portugal?

Agradeço desde já!

 

[* É estranho dizer-se que o nome shop tem o género masculino em inglês, porque nesta língua não há marcação morfológica de género, nem mesmo nos determinantes associados aos nomes. As sequências «the shop» e «a shop» não exibem, portanto, marcas que levem a atribuir-lhes o género masculino; na verdade, se, numa frase, forem retomadas por um pronome, este será o pronome it, que é neutro: «There was one chip shop and it was packed with diners» («Havia uma loja de batatas fritas e estava cheia de clientes»).]

Resposta:

Tendo em conta os casos de sex shop e smart shop, que em português se usam com o género feminino – «a sex/smart shop» –, à palavra shop é, portanto, atribuído o género feminino.

Constitui exceção o composto workshop, anglicismo que tem oscilações no uso e ao qual os dicionários atribuem o género masculino – «o workshop» –, certamente porque a palavra alude a um curso ou a um seminário. Mas há quem use workshop no feminino – «vamos organizar uma workshop» – pensando em oficina, o que também se aceita, muito embora seja preferível empregar a palavra em que se pensa.

Pergunta:

Perguntaram-me porque é que se diz «na semana passada», estando o nome antes do adjetivo, ao contrário de «na próxima semana».

Existe alguma regra/ explicação?

Obrigada.

Resposta:

É uma questão que diz respeito a expressões fixas e ao grau de formalidade da comunicação. São expressões que se fixaram no uso, tirando partido da possibilidade de, em português, o adjetivo aparecer antes do nome, muitas vezes em situações de comunicação formal.

Note-se, por exemplo, que o adjetivo seguinte ocorre quer antes quer depois do nome:

(1) «lê-se na frase seguinte»/«lê-se na seguinte frase»

Acresce que passado também pode figurar antes ou depois do nome:

(2) «na semana passada»/«na passada semana»

(3) «no domingo passado»/«no passado domingo».

Em (2) e (3), aquando o adjetivo se coloca antes do nome, o tom da expressão torna-se mais formal.

Com próximo, a tendência é colocar este adjetivo antes do nome quando o significado é temporal. Assim, emprega-se de modo corrente «na próxima semana», que é mais formal do que «na semana que vem».Por outro lado, parece ter uso escasso a expressão «na semana próxima», o que sugere que em todas estas expressões intervém um factor muito provavelmente relacionado com a cristalização de usos.

Pergunta:

Qual é a origem etimológica de esbanjar?

Resposta:

É verbo de origem obscura.

Parece ter um prefixo es-, com valor intensivo, daí o sentido de «gastar sem necessidade, em excesso». Contudo, não é claro o significado preciso e a origem do radical banj-, que faz parte deste verbo.

Apesar da semelhança fonética, não parece ter relação com banja, palavra também de origem obscura e que significa «parcela que cabe a cada pessoa numa partilha de lucros» e «trapaça no jogo» (cf. Dicionário Houaiss).

Pergunta:

É correto usar o gentílico "auvernês" para os naturais de Auvergne (centro da França) e manter o topónimo francês Auvergne, em vez do seu aportuguesamento Alvérnia ou Auvérnia?

Resposta:

Há uma grande variação na forma portuguesa que equivale ao topónimo francês Auvergne e o mesmo acontece com os gentílicos respetivos. Esta situação não é de admirar, uma vez que se trata de uma região que raramente é mencionada na comunicação oral e escrita corrente.

As formas que parecem mais estáveis são Alvérnia e Arvérnia, mas também se regista Auvérnia. Sendo os registos dos gentílicos nulos ou escassos, o de auvérnio (Infopédia e Dicionário Houaiss) dá o modelo para a formação de alvérnio e arvérnio.

Face a esta variação, uma alternativa será manter a forma francesa e, para o gentílico, recorrer a perífrase como «natural/habitante de Auvergne».