Carlos Rocha - Ciberdúvidas da Língua Portuguesa
Carlos Rocha
Carlos Rocha
1M

Licenciado em Estudos Portugueses pela Faculdade de Ciências Sociais e Humanas da Universidade Nova de Lisboa, mestre em Linguística pela mesma faculdade e doutor em Linguística, na especialidade de Linguística Histórica, pela Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa. Professor do ensino secundário, coordenador executivo do Ciberdúvidas da Língua Portuguesa, destacado para o efeito pelo Ministério da Educação português.

 
Textos publicados pelo autor

Pergunta:

Quero saber o significado desta palavra que encontrei num texto de Raul Brandão: «o ano não foi cadible

Resposta:

José Pedro Machado, no Grande Dicionário da Língua Portuguesa, classifica cadible como adjectivo dos dois géneros e atribui-lhe os significados de «bom, propício». Desconheço a origem desta palavra, que não encontro registada noutros dicionários.

Pergunta:

Observo que a dúvida quanto a pronúncia da língua portuguesa atinge quase a totalidade dos falantes. Os esclarecimentos a respeito do assunto deixam a desejar, uma vez que informam apenas a pronúncia de cada região. Porém, o que todos desejam saber é a pronúncia correta da palavra.

Resposta:

Não conheço dicionários brasileiros que contenham a transcrição fonética das palavras. Esta, num dicionário geral, requer realmente a estabilidade das formas linguísticas inventariadas, não sendo prático dar conta de toda a gama de formas em variação. Mesmo assim, em Portugal, existem neste momento dois dicionários que apresentam transcrição fonética; por exemplo:

a) o Dicionário da Língua Portuguesa Contemporânea, da Academia das Ciências de Lisboa, indica a pronúncia-padrão europeia, que é , cada vez mais, a dos falantes cultos e/ou influentes do dialecto de Lisboa;

b)o Grande Dicionário da Língua Portuguesa, da Porto Editora, tem transcrições que, não se afastando muito da pronúncia-padrão, deixam margem para alguma variação, com a representação de pronúncias em alternativa ou de aspectos fónicos característicos dos dialectos setentrionais portugueses como seja a manutenção do ditongo [ow] (o[w]ro).

Calculo que, no Brasil, apesar da grande e prestigiada tradição lexicográfica existente, parece não se ter chegado a um consenso sobre qual a pronúncia-padrão do português brasileiro. Daí a falta de transcrições fonéticas completas que descrevam a pronúncia de cada item lexical na variedade brasileira do português. São, pois, de compreender as observações e a queixa da consulente.1

1 Segundo D´Silvas filho (informação pessoal) o novo Vocabulário Ortográfico da Língua Portuguesa da Academia Brasileira de Letras trará a pronúncia dos vocábulos.

Pergunta:

O meu nome é Liliana Ferreira, eu gostaria de saber a origem do sobrenome Cantarinho, que é um nome português, e a família que o tem é de origem alentejana.

Aguardo resposta, muito obrigada.

Resposta:

José Pedro Machado (Dicionário Onomástico Etimológico da Língua Portuguesa) regista Cantarinho apenas como topónimo de Avis (Portugal) e Rondónia (Brasil). Existe também Cantarinhos como nome de povoação nas regiões portuguesas da Chamusca, de Portalegre e de Vila Verde. A pergunta da consulente indica, portanto, que o topónimo Cantarinho é também usado como apelido.

Observe-se que Machado assinala também Cantarinha quer como topónimo quer como apelido derivado de uma antiga alcunha. Seja como for, Cantarinho e Cantarinha são diminutivos, respectivamente, dos substantivos comuns, cântaro e cântara. Em conclusão, o nome Cantarinho tanto pode ter origem em nome de povoação como ser uma antiga alcunha.

Pergunta:

Gostaria de saber a análise sintáctica completa da seguinte estrofe:

«Bóiam leves, desatentos,

Meus pensamentos de mágoa,

Como, no sono dos ventos,

As algas, cabelos lentos

Do corpo morto das águas.»

Obrigado.

Resposta:

A estrofe pertence ao poema Bóiam leves, desatentos, de Pessoa ortónimo. É constituída por uma frase complexa, que tem a seguinte configuração na ordem directa:

«Meus pensamentos de mágoa bóiam leves, desatentos, como as algas, cabelos lentos do corpo morto das águas, [bóiam] no sono dos ventos.»

Parto do princípio de que a sequência introduzida por como é uma oração subordinada comparativa cujo verbo subentendido é o mesmo que ocorre na frase principal, «meus pensamentos de mágoa bóiam leves, desatentos». A análise proposta é feita no quadro da gramática tradicional. Assim:

1. Oração subordinante: «Meus pensamentos de mágoa bóiam leves, desatentos»

sujeito: «meus pensamentos de mágoa»

complemento determinativo: «de mágoa»

predicado: «bóiam»

predicativo do sujeito ou anexo predicativo: «leves, desatentos»

2. Oração subordinada comparativa: «como as algas, cabelos lentos do corpo morto das águas, [bóiam] no sono dos ventos»

sujeito: «como as algas, cabelos lentos do corpo morto das águas»

aposto: «cabelos lentos do corpo das águas»

predicado (subentendido): «bóiam»

complemento circunstancial de lugar1: «no sono dos ventos»

1Na terminologia gramatical brasileira usa-se o termo

Pergunta:

O fenómeno da metafonia nominal caracteriza algumas palavras (aquelas especificadas nas transcrições dos dicionários mais importantes), ou é um fenómeno que, talvez por analogia, caracteriza todos os nomes e adjectivos que acabam com -o e que têm /'O, 'E/ (timbre aberto) no masculino singular?

Por exemplo, nas seguintes palavras plurais, o timbre da vogal é fechado, ou aberto (tendo em conta que o dicionário da Academia indica um timbre fechado das formas singulares, mas não especifica que os plurais tenham metafonia)?

«os abandonos», «os aboios», «os abonos», «os abordos», «os abortos», «os acordos», «os adornos», «os afogos», «os aforros», «são agarenos», «os albedos», «os alhos-porros», «os alvoroços», «os alvorotos», «são amenos», «os amojos», «são anojos», «os antegostos», «os antegozos», «os anterrostos», «é antioquena», «são antioquenos», «os antojos», «os antracenos», «os apodos», «os apojos», «são arabescos», «os arremessos», «os arrochos», «os arroios», «os arrojos», «os arrolos», «os arrotos», «os assertos», «os assopros», «os aterros», «os atropelos», «os autocontrolos», «os autogovernos», «são avessos», «os azotos».

É possível que também a consoante nasal heterossilábica iniba a abertura da vogal acentuada, como em abandonos, abonos, agarenos, amenos?

Ou será que a metafonia depende do grau em que a palavra é culta?

Resposta:

Já aqui temos falado várias vezes de metafonia nominal. Relaciona-se principalmente com a alternância, na sílaba tónica de nomes e adjectivos masculinos, entre o fechado no singular e o aberto no plural: n[o]vo ~ n[ɔ]vos. As formas de feminino, se existirem, também têm timbre aberto: n[o]vo ~ n[ɔ]va, n[ɔ]vas.

Tradicionalmente, tende-se a descrever a metafonia como fenómeno que afecta apenas o o tónico e que se localiza nas formas do plural e do feminino de nomes e adjectivos. Com efeito, Celso Cunha e Lindley Cintra (Breve Gramática do Português Contemporâneo, Lisboa, Edições Sá da Costa, 1994, págs. 136/137) dizem que «alguns substantivos, cuja vogal tónica é o fechado, além de receberem a desinância -s, mudam, no plural, o o fechado [o] para aberto [ɔ]» (sublinhado nosso). Ou seja, parece que, na perspectiva de Cintra e Lindley, as formas de plural é que são metafónicas. Contudo, a linguística histórica e a fonologia moderna mostram que é no singular que se verifica a metafonia, porque:

a) do latim para o português, foi o o final que fechou um ó aberto ([ɔ]) tónico para ó fechado ([o]) no singular mas não no plural: fŏcum > f[ɔ]go > f[o]go mas plural f[ɔ]gos; nŏuum > n[ɔ]vo > n[o]vo mas plural n[ɔ]vos (cf. Edwin B. Williams, Do Latim ao Português, Rio de Janeiro, Tempo Brasileiro, 2001, págs. 106, 126 e 134);

b) do p...